Os escravos das monoculturas

Da última vez que o blog falou da cana de açúcar no Brasil houve polémica.
Acontece.

Agora encontrei um novo artigo, desta vez de autoria de Guadalupe Rodriguez.

Graduado em filosofia, que trabalhou na Argentina, Equador, Alemanha e Espanha.. As suas análises e relatórios de destruição ambiental e violação dos direitos fundamentais no Sul do mundo são publicados semanalmente no site da Organização Salva la Selva e nos meios de comunicação alternativos.

Boa leitura.

Plantando Escravos

O acesso aos terrenos dos proprietários é praticamente impossível para muitos agricultores da América Latina. Durante décadas lutaram pelos seus direitos e a sua dignidade contra os políticos e os proprietários de terras das plantações que produzem combustível.

Discutem a política de bioenergia e denunciam violações de direitos humanos relacionadas com a produção e a expansão. O caso extremo é a existência de trabalho de escravos nas plantações de cana de açúcar e etanol no Brasil e Haiti. Dois exemplos que nos fazem corar.

No Brasil, os trabalhadores da cana sofrem das condições adversas: as monoculturas extensivas para a produção de açúcar e álcool trazem exclusão social e cultural e são ecologicamente devastadoras. A aliança da indústria auto-motiva, daquela do petróleo e a da agricultura com o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio para desenvolver bio-energia passam a conta aos Países do sul.

Torna impossível a reforma agrária tão esperada, ou seja, uma divisão mais equitativa da terra. A monocultura no Brasil responde ao mesmo padrão encontrado na Malásia e na Indonésia. É o latofúndio trazido para a América por Cristóvão Colombo em 1492.

Na zona costeira de Pernambuco existem excelentes terras. As melhores. São utilizadas para a monocultura de açúcar. Em princípio não há razões para se opor ao açúcar de cana, nem ao bioetanol que é produzido a partir da cana. Mas esta energia que vem do monocultura é produzida nos moldes duma produção é exclusiva.

Não é possível controlar uma propriedade de 25, 30 ou 40 mil hectares sem um pequeno exército privado. Os proprietários destas fazendas utilizam as milícias, pessoas que são bem armadas, para intimidar a população. Os barões da cana têm normalmente ao seu lado o prefeito, as autoridades locais, a polícia e outras forças activas.

Durante décadas os agricultores brasileiros lutaram pela reforma agrária. Cada vez mais são os trabalhadores das plantações que conhecem as razões da falta de terra. Sabem que é por causa da estrutura da sociedade, e estão empenhados em mudar essa estrutura. A maneira de conseguir isso é a ocupação das terras. Em todo o País existem ocupações e comunidades que lutam pelo reconhecimento. Albertina, uma trabalhadora dos canaviais:

Não há futuro nos canaviais. Nunca tive nada. Apenas trabalho e ruína. Trabalhar sem receber nada em troca. Também tiraram-me o pouco de saúde que tinha. O padrão é um homem corrupto.

A escravidão é um assunto quente no Brasil. Nos últimos anos, milhares de escravos foram libertados a partir das plantações de cana-de-açúcar. O governo tem planos para plantar mais cana, por exemplo no norte da Amazónia. Muitos pais e mães brasileiros dizem: “Eu trabalho nos campos de cana de açúcar para o meu filho ou filha nunca ter que fazer isso”.

É um trabalho duro e a vida na plantação é muito cruel: fome, sede, violência, ameaças, deslocamentos contínuos. Nos Países do norte se trata da produção de bio-energia, energia “limpa”, “sustentável” e “renovável”. O modelo utilizado para produzir etanol no Brasil não é limpos nem praticável.

“Bio” significa “vida”. Por esta razão, o modelo brasileiro de produção de açúcar e etanol não pode ser sempre chamado de “bio-energia”.

Padre Tiago, que trabalha para a Comissão Pastoral da Terra, pergunta:

Você realmente acredita que a devastação das florestas, a destruição da fauna, a poluição da água para plantar a cana em monocultura, sob um modelo feudal, violento e proprietário, possa ser sustentável?

Um mar de soja no Cone Sul

No Cono Sur a monocultura da soja está a expandir-se imparável. O mundo rural se depara com uma dura realidade: na maior parte dos casos é geneticamente modificada. 99 por cento da Argentina é transgénica, tal como 92 por cento da paraguaia e metade da soja que é produzida no Brasil. No Uruguai e na Bolívia a história é a mesma.

O espaço em que agora se estendem grandes áreas de soja foi primeiramente usado para produzir alimentos para o gado, ou foi ocupado por florestas naturais e biodiversidade. Em todos estes ambientes havia populações: comunidades rurais e indígenas, vilas e cidades. A diversidade do passado está a transformar-se no deserto verde.

O modelo de produção da soja excluí as pessoas pobres e doentes que vivem perto das plantações. São literalmente defumadas com pesticidas altamente tóxicos e venenos, de aviões ou de veículos de terra. “A fumigação está a afectar não só as culturas, mas também nós” reclamam os agricultores do Paraguai e da Argentina.

Para produzir soja são importados cada vez mais pesticidas e máquinas que atacam rapidamente a terra, pobre e dura:

A soja transgénica não é o nosso único problema: também os agro-químicos. Os rios e as reservas naturais de água são expostas à poluição

Outra consequência é a eliminação das raízes camponesas, por falta de trabalho e apreensão do território. Quando é tentada a resistência, o despejo ocorre até mesmo por meios violentos, pela força policial ou estruturas paramilitares.

O Comissário Aguilar chegou a dizer que tínhamos dez minutos para deixar o imóvel onde morávamos.

Ao mesmo tempo, provoca o fim das culturas, das tradições e dos estilos de vida. A soja pavimenta tudo no seu caminho e não respeita soberania ou fronteiras:

Temos sido repetidamente ameaçados pela polícia e os proprietários das terras

É a cumplicidade de alguns governos que permite às empresas tomar o controle das terras do agro-negócio. E a soja não é para consumo local, mas para a exportação: é usada para produzir o alimento do gado, vacas, porcos, galinhas no Norte, e para produzir agro-combustíveis, a nova energia para abastecer automóveis.

Não podendo ser energia absolutamente limpa, o biodiesel de soja contribui para as alterações do ambiente. Ao alto consumo de químicos (pesticidas e fertilizantes de nitrogénio) é preciso somar o intenso tráfego, fluvial e marítimo e comercialização.

O resultado está à vista na devastação da terra, na eliminação da agricultura familiar que alimenta as pessoas. “A monocultura em larga escala de soja não é e nunca pode ser sustentável” diz a carta aberta das organizações ambientais para a indústria da soja. A expansão responde aos interesses das grandes empresas e ao modelo económico vigente.

As consequências impostas ao Sul pelo modelo económico da vida consumista global são sofridas por todos. Os terrenos tornam-se despovoados, a agricultura é cada vez mais desumanizada e viola os direitos fundamentais. Na forma da agro-energia para os nossos carros ou para alimentar os animais, todos acabamos por consumir esta soja. Com tudo o que isso implica: pesticidas, modificação transgénica, poluição.

A probabilidade de que os animais que consumimos sejam alimentados com soja geneticamente modificada é extremamente alta. Por esta razão, é importante saber a origem exacta de todos os produtos que costumamos usar.

Para concluir. A ideia, como afirmado por alguns Leitores, que tudo isso não passe duma tentativa para evitar que o Brasil obtenha a independência energética é uma infantilidade. É suficiente parar e reflectir: poderia ter alguns fundamentos se as únicas empresas produtoras fossem brasileiras ou se o único País utilizador de etanol fosse o Brasil. Mas assim não é.

A este “patriotas” brasileiros posso aconselhar informar-se acerca do Projecto Best da Comissão Europeia. Talvez seja possível descobrir que o banco Barclays prevê introduzir nas Bolsas os derivativos do bio-etanol. E algo mais.

No sector do biodiesel (derivado das monoculturas das oleaginosas), a produção só na Europa subiu para 5,7 milhões de toneladas e em 2008 atingiu 16 milhões de toneladas.

No negócio dos bio-carburantes encontramos as maiores empresas petrolíferas do planeta. Vejam as páginas do bio-fuel da BP, da Total, da Chevron, ExxonMobile, Repsol, Eni. E o Brasil nem é o principal produtor/consumidor de etanol: em 2001 o Brasil produziu 5.500 milhões de galões de etanol, os Estados Unidos mais do que o dobro (13.900).

Então, é ainda uma guerra contra o Brasil?
Tentem ampliar os vossos horizontes: não existe só o Brasil e os bio-combustíveis (entre os quais o etanol e derivados) são um problema global. Porque se o pão aumentar de preço pode não ser só culpa do padeiro: talvez o que faltar na mesa está agora no depósito do carro.

O etanol, o bio-diesel e todas as agro-energias são apenas outra forma para abdicar duma pesquisa séria acerca das possíveis fontes alternativas: continuam com a mesma tecnologia velha, o motor de combustão interna criado no 1800.

O etanol e os outros combustíveis “verdes” simplesmente escondem o problema com outros problemas. Acham normal ter pessoas que morrem de fome enquanto há imensos campos utilizados para poder fazer circular carros? Mesmo aí, no Brasil, há níveis de pobreza pelos quais há famílias que têm dificuldades em juntar comida: é este o presente e o futuro que desejam?

E a resposta é “são os Americanos que querem acabar com a independência do Brasil”?
Não há algo mais além das declarações ideológicas? Uma pequena dúvida, do tipo “mas não é que seria melhor tratar antes das pessoas e só depois dos carros?”.
A ideologia consegue ultrapassar as razões humanitárias? Ou são sempre “os outros” que têm o dever de resolver os problemas?

Ás vezes é difícil entender as pessoas, sério…  

Ipse dixit.

Fonte: Gea Photowords

5 Replies to “Os escravos das monoculturas”

  1. Não… Não… Não… Max tens que começar a adoptar a tua lista de palavras proibidas mas tens que acrescentar nela a palavra "Escravo"…

    Não consegui ler a mensagem completamente pois quando estava a ler lia assim

    "Os es…… das monoculturas

    ….

    Brasil houve po……,

    … As suas análises e relatórios de de…… ambiental e vi…… dos di….. funda……,

    Plantando Es….."

    E por ai adiante… é difícil tentar compreender esta escrita de pontos, só faltaram os traços… e o som, para virar Morse!

    Es…..!?! Não sei.. nem vi nada… e aproveito para informar que vou comprar um dos novos Ipad's (depois de serem revistos para 4G!!)feitos por Es…….

  2. Olá Max: muito bom artigo, com um senão e uma pequena complementação baseados no que vi nos EUA, e no que vejo na Argentina, cada vez mais, quando desço ao pampa de lá.
    O senão: a escravatura é generalizada (norte e sul). Aparece menos em certas monoculturas norte-americanas, milho especialmente, do que na brasileira, pela maior predominância de tecnologia no cultivo/colheita no norte. Mas na monocultura do tomate, e da batata, por exemplo, os escravos são os porto riquenhos.
    O complementozinho: está em franco desenvolvimento a monocultura do pinus eliótis e do eucalipto, espécies predadoras e secadoras do solo, para efeito de "suposto reflorestamento", na verdade produção de madeira. É o tipo de cultura preferida pelos estrangeiros porque requer pouquíssima manutenção, o corte se dá de 7 em 7 anos, não paga impostos, é só lucro, mas consegue até afugentar os pássaros, além de destruir o melhor solo cultivável do mundo, o argentino.Quanto ao Brasil, o governo insiste em fechar os olhos para toda e qualquer "commoditie",que supostamente rende dividendos, enquanto se conforma porque 70% do que o brasileiro come provém da agricultura familiar, que substitui a reforma agrária efetiva. Política equivocada do meu ponto de vista. Aqui se tenta melhorar as condições de vida dos pobres, mas não se toca nos interesses dos ricos, ou seja, o abuso privado dos recursos se estende…e rende. Abraços

  3. maria… com essa do eucalipto é que deixaste o meu tico a dar cabeçadas no teco!

    Olha para cá para este território… para Portroikal… e vê os incêndios a levarem os eucaliptos todos… lá se vai a venda da madeira… Só que nunca andou num eucaliptal é que não sabe… o chão parece pão com 10 dias! DURO como rocha e fendas por todo o lado…

    Mas… não importa… Eucalipto dá Dinheirinho… e sem Dinheirinho não há VIDINHA!

  4. Em Porto Alegre existe uma campanha para que as pessoas passem se locomover de bicicletas, deixando seus carros em casa.
    Mas os motoristas que são contra, não deixam por menos e passam por cima dos ciclistas.
    Não existe respeito nenhum por aqueles que tentam fazer a sua parte.

    http://burgos4patas.blogspot.com.br/2011/03/atropelamento-de-ciclistas.html

    Achei que depois disso as pessoas começariam a se conscientizar, mas grande engano foi o meu, um ano depois e já esqueceram tudo.

    Abraços

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