O delirante planeta dos jornalistas

Um ano atrás o massacre de Oslo.
Ainda as armas estavam quentes e já os diários de meio mundo afirmavam ter sido um ataque de Al-Qaeda.
Depois a verdade: nada de Al-Qaeda mas um solitário com simpatias de extrema direita.

E os jornalistas, em vez de pedir desculpa, começaram a procurar provas dum enredo com base nos movimentos anti-Islão. Cujos dirigentes podem não ser génios, mas percebem muito bem que um atentado como aquele teria destruído o trabalho de anos.

Duma outra pista, bem mais interessante, aquela israelita, nem uma palavra.
Esquisito, não é?

Agora, em França, dois ataques contra os militares e um contra uma escola hebraica de Toulouse. Logo os diários, lembrando a péssima figura anterior, têm culpado os neo-nazistas.

Azar: era um solitário islâmico com simpatias para Al-Qaeda. É provável que em caso dum próximo ataque os diários culpem islâmicos neo-nazistas, tendo assim 50% de probabilidade de acertar.

Será que desta vez os simpáticos (e ligeiramente incompetentes) jornalistas irão pedir desculpa? Nem por isso: já éactiva a máquina para desvendar um alegado quanto obscuro enredo com base no extremismo islâmico.

Mas não há. Não há nenhum enredo, estamos perante um atentado dum solitário. E porquê? Porque, como os simpáticos jornalistas já deveriam ter percebido, nestes tempos de controle total apenas uma pessoa que actue em perfeita solidão e evita grupos (tipo Facebook) pode fazer coisas assim. No máximo pode existir uma outra pessoa (e pode ser este o caso de Oslo), mas não mais do que uma.

Perceber isso não é difícil. O homem de Toulouse passou perante 46 câmaras de vigilância em Montauban, que não é uma fortaleza paranóica mas uma vila de 57.000 habitantes. 46 câmaras de vigilância e nem um alerta. Porquê? Porque estava sozinho e não dava nas vistas.

Grupos neo-nazistas, islâmicos, anárquicos…nada disso. Uma pessoa.

Infelizmente somos programados para esquecer depressa as idiotices que aparecem nos diários. Normal: no contínuo remoinho de notícias “bombásticas” ou alegadas tais, ninguém tem o tempo para marcar na memória os sem-sentidos difundidos pelos media. Mas é apenas com uma calma análise que podemos perceber um dado interessante: não estamos perante a ignorância dum simples jornalista, estamos perante um mecanismo. Que reúne os vendedores de palavras independentemente da área política.

Por exemplo: enquanto italiano costumo ler diários e revistas na minha língua mãe, cujos produtos, posso já adiantar, em nada diferem dos homólogos de outros Países.

Blog da revista Panorama, artigo de tal Anna Mazzoni. Título: “Neo-nazistas: os crimes dos netos de Hitler que sonham o quarto Reich”. Já aqui uma pessoa normal deveria clicar na cruzinha vermelha do browser, desligar o computador, pegar no cão e dar uma voltinha.

Mas não, vamos em frente:

O massacre na escola judaica em Toulouse ligou dramaticamente os holofotes sobre o universo neo-nazista […]
Grupos e facções estão a brotar como cogumelos em todo o mundo. O coração dos neo-nazistas ainda é o Velho Continente, com movimentos bem numerosos entre França, Alemanha e Grã-Bretanha, e picos nos países nórdicos, Suécia e Finlândia; mas os netos de Hitler são distribuídos mundialmente. Da Mongólia ao Chile, e depois nos Estados Unidos, África, Austrália, Rússia. Tropas leais ao Fuhrer que honram a memória e sonham com o seu retorno na forma dum novo Messias.

Tudo bem, mas que tem isso a ver com o massacre de Toulouse? Mas nada, prossegue:

Muitas vezes, eles agem em solitário, como Anders Breivik que em Julho do ano passado matou 70 jovens na ilha de Utoya, perto de Oslo. Mas a maior parte das vezes funcionam em grupo. É sabido, os covardes sentem-se mais fortes se seguirem num rebanho e é mais fácil esconder os seus rostos enquanto executam crimes infames.

Mas está a falar de quê? Quais crimes infames, onde? E pega como exemplo Breivik, o único que segundo as testemunhas pode ter agido com um cúmplice?

Ok, tudo bem: deixamos Panorama, uma publicação de centro-direita, e vamos ver Repubblica, um dos diários mais vendidos, com simpatias de Esquerda.
Barbara Spinelli fala do “Mal obscuro da Europa”:

A destruição do sonho europeu, símbolo da reconciliação depois de séculos de guerra e de vitória sobre a violência na Europa, gera monstros.

Gera monstros? Ó Barbara, somos 500 milhões neste continente, pode haver alguma maçã podre, não é?
Juntamos todos os atentadores dos últimos três ou quatro anos: Breivik, Mohamed Game, o gajo de Toulouse…quantos podem ser? Dez? É este um fenómeno social? A Europa é atravessada por monstros? Mas Barbara está lançada e eis que extrai o coelho da cartola: Hitler.

Não podemos esquecer quando os nazistas tomaram o poder tinham características semelhantes e entregavam-se à fúria amok: “Marcha sem chegada, fé sem Deus “, assim o escritor Konrad Heiden descrevia, em 1936, a queda de milhões de alemães no nazismo e na “era da irresponsabilidade”.

Ahe? 500 milhões de Europeus em queda no nazismo por causa duma dezena de tarados mentais, nem todos de direita? Mesmo isso. E até há um culpado: o Estado Nação:

O Estado-nação […] produziu as democracias modernas, mas também os males indizíveis: nacionalismo, fobias em relação às impurezas, guerras étnico-religiosas. Desencadeou o ódio racial, que nos impérios europeus (o Império Austro-húngaro, Império Otomano) não tinham espaço, uma vez que eram baseados na mistura de etnias e de línguas. A Shoah [o Holocausto, não podia faltar, ndt] é filha do triunfo do Estado-nação sobre os impérios. Vale a pena lembrar isso na hora em que um facto criminoso isolado, mas emblemático, talvez possa nos despertar um pouco.

Assim, temos a grande sorte de aprender que:

  • os impérios europeus eram bons, baseados na irmandade e na reciproca tolerância, com misturas de línguas e etnias. A única coisa decente que conseguiram as Nações foi a democracia. Acerca disso, aconselho a leitura de A ponte sobre o Drina de Ivo Andric, só para ter uma ideia desta irmandade toda.
  • o Holocausto (acerca do qual seria preciso discutir e não pouco) foi originado pela vitória dos Estados-nações sobre os paradisíacos impérios.

Pelo que, podemos arguir que os impérios são geralmente bons enquanto as Nações são más.

Isso segundo uma comentadora de Esquerda. Porque segundo a colega de centro-direita já não há esperança, somos rodeados de nazistas. E o atentador de Toulouse era islâmico. Mas que importa isso?

Este é o jornalismo que temos. O que explica muitas coisas.

Ipse dixit.

Fontes: Panorama, La Repubblica

5 Replies to “O delirante planeta dos jornalistas”

  1. Mais uma que é simples, Max: o Estado tem de ser o gerador de todos os males, porque ele é a última barreira a privatização de todos os recursos, ainda que muitos recursos estatais já estejam em mãos corporativas privadas pelo mundo. Então demonizar o Estado faz parte do roteiro multinacional, em todos os "teatros" onde a vida se apresenta representada: academia, mídia, entretenimento, produção cultural. Quanto a democracia, como ela sempre é representada como representatividade política e nada mais, e esta representatividade já é privada porque as eleições são resultado de propaganda, então o sistema posa na fotografia como democracia, como se fosse. As poucas e verdadeiras democracias no mundo sofrem um ataque brutal pelos sistemas corporativos e, a muito custo, estão por ora resistindo na América latina: Bolívia, Equador e Uruguai.No resto do mundo não sei o suficiente para citar. Abraços

  2. acho que este é um tema de duas faces que se baseiam no poder de persuasão da mídia e na ignorância coletiva da sociedade . a máquina da mídia produz uma série de mentiras enquanto os tolos que nós somos as absorvermos . é oque aconteceu no caso de Kadhafi , no conflito judeus-palestinos , é o que aconteceu no Iraque e no Afeganistão . a máquina da mídia é só mais um instrumento de guerra para os nossos eleitos .

  3. foi a al-cia.
    mais uma vez foi tudo calculado e planeadose. a prova esta em que o mataram. simples. serviu o seu proposito, adeusinho.

  4. Isto é pessoal demasiado sério (e honesto já agora)… Ninguém gosta de brincar… o que é terrível…

    Posso então deduzir que não existe diferença entre ambos, se bem que para mim a diferença está na coragem…

Obrigado por participar na discussão!

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