O Equalizador Global

Cortes nos salários, cortes nas reformas, cortes nos serviços. Tudo isso aqui.

Entretanto, numa galáxia longínqua chamada China, o governo empenha-se para aumentar os ordenados mínimos de 13% por ano até 2015, além de adoptar medidas para a criação de 45 milhões de novos lugares de trabalho. Pequim também permite agora facilitações fiscais e empréstimos no caso de pequenas empresas e para os desempregados que desejem começar uma nova actividade.

Esquisito, não é? Dum lado cortes, do outro aumentos.
Não, não é nada esquisito, pelo contrário: tudo segundo os planos.

Estamos perante o novo Equalizador Global.
O que é isso? Simples: os ordenados globais devem ser harmonizados.
Esta é a Nova Economia Global. Desde 1994, com a completa abertura do mercado ocidental aos novos produtores asiáticos, é iniciado um processo que tem como fim a convergência dos salários ocidentais com aqueles asiáticos.


Na China trabalham 8 horas por dia e ganham 100 Euros por mês. E custam também 100 Euros, pois não há contribuições e também os impostos são mínimos. Dito de outra forma, o custo dum trabalhador pode ser avaliado em 1.200/1.500 Euros/ano. Juntamos uns trocos de logística e transporte para obter um custo total de 2.000  Euros/ano.
Um trabalhador europeu dificilmente ganha menos de 1.000 Euros (só se for um Português…), mais décimo terceiro mês e contribuições várias: o custo anual pode alcançar os 25/30.000 Euro/ano.

Os dois custos 2.000 e 25/30.000 Euros, devem convergir no mercado global. Porquê “devem”? Pela simples razão que é o mercado que pede isso. O nosso mercado é totalmente desequilibrado: não é possível competir nos mercados ocidentais com os custos asiáticos (pois não há só a China). Este é o Equalizador Global, uma espécie de martelo que está a desmantelar o nível de vida de centenas de milhões de pessoas.

A austeridade estreada na Europa continuará ao longo dos próximos tempos, pela simples razão que, tal como repete o presente blog, a dívida é um falso problema. Aliás, dependendo dos pontos de vista, nem chega a ser um problema mas uma riqueza.

Vice-versa, o fantasma da dívida pública é utilizado para justificar uma série de medidas que não poderiam ser implementadas.

Esta questão não é limitada ao Velho Continente. Se na Europa os salários irão baixar (ou melhor: já estão a baixar), o que acham que acontecerá no resto do mundo? No Brasil, por exemplo: acham que os ordenados poderão aumentar sem limites, até os actuais níveis europeus e americanos, ou serão submetidos à lei da concorrência asiática?

Infelizmente o Equalizador Global não poupará ninguém, pois quem manda é o mercado. Não podem existir no mesmo mercado empresas que pagam 30.000  Euros por um trabalhador e outras que pagam 2.000 (ok, 3.000 considerados também o chá e a bolacha). Uma das duas partes terá que harmonizar os próprios custos. Qual parte?

Vamos fazer um pequeno esforço de imaginação: imaginemos ser o dono duma grande empresa com 100 trabalhadores. Dum lado temos a hipótese de pagar no final do ano 3.000.000 de Euros de custos para o pessoal; doutro lado temos a hipótese de gastar 300.000 para ter o mesmo número de dependentes.

Admitimos até que os ordenados chineses possam subir de forma significativa, um 20% anual (muito mais do 13% prospectado pelo governo chinês). Após 5 anos, o custo da primeira empresa será sempre de 3.000.000 de Euros (não vamos considerar a inflação, por exemplo), no segundo caso o total será de 750.000 Euros (arredondados em excesso; só espero não ter falhado as contas!). Lógica a escolha do nosso empresário, não é?

Por isso, mesmo considerando um aumento de 20% anual dos ordenados chineses (um aumento inverosímil), a empresa ocidental continuará a não ser competitiva. A não ser que os ordenados delas converjam.

Última pergunta: e o empresário? O que acontece aos lucros dele?
Bom, tentem imaginar…

Ipse dixit.

Fonte: Il Grande Bluff

2 Replies to “O Equalizador Global”

  1. Olá Max: ótimas informações também. Mas se pretenderem nivelar por baixo os salários dos trabalhadores do mundo, então terão de contratar os pobres do terceiro mundo como consultores de sobrevivência. Porque eu tenho de reconhecer que nós brasileiros somos peritos nisso. Como bem lembra o Lula: "vocês não sabem do que uma mãe é capaz com 70reais por mês?!!" Isto é um valor referência para a bolsa família, aquela que a oposição chama de bolsa malandragem. E Lula tem razão. Com pouco mais de 1 dólar por dia, aquelas famílias que nem isso tinham neste país, conseguem, quando tem capricho e organização, comer e alimentar os filhos. Abraços

  2. Mais um excelente post do Max. Resta-me uma duvida. A ser assim, como diz a lógica, pergunto: E quem serão os consumidores deste modelo de economia global?

    Abraço
    Krowler

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