Grécia: em pedaços

Ainda Grécia? Sim, ainda Grécia.

Porque o que podemos encontrar nos media nesta altura são os relatos acerca dos Gregos “maus”, os que não aceitam o novo plano de austeridade imposto pelas Mentes Pensantes da União Europeia, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu. Mas não seria mal perceber “porque” os Gregos recusam o novo plano: simplesmente porque são maus e casmurros ou pode haver outras razões?

Assim, enquanto o País enfrenta a enésima greve geral, com cerca de dois milhões de pessoas nas ruas que manifestam contra a redução do salário mínimo (-20%) ou a supressão de 15.000 empregos no sector público (medida anticonstitucional., diga-se), vamos ver uma outra realidade, que não ocupa as páginas dos jornais.


Não se encontra, por exemplo, o desespero que leva a que um hospital público acabe sob controle dos trabalhadores, tal como acontecia com as fábricas argentinas poucos anos atrás: na altura, como agora, o FMI sempre presente, com os mesmos resultados.

No entanto, é isso que está a acontecer no hospital de Kirkos: os funcionários ocuparam o hospital, aderiram à greve nacional de hoje e já deixaram claro que na próxima reunião do dia 13 de Fevereiro será anunciada a auto-gestão por parte dos funcionários.

A Assembleia decidirá quais os procedimentos que são necessários para implementar eficientemente a ocupação dos serviços administrativos e assegurar a implementação bem sucedida da auto-governação hospitalar, que terá início nesse dia. A reunião será a ferramenta para tomar as decisões sobre os funcionários e o funcionamento do hospital.

O governo não estará livre de todas as obrigações em relação ao pessoal e ao fornecimento, mas se continuar a ignorar essas obrigações, teremos que informar o público e pedir apoio para a sobrevivência do hospital e o suporte para o direito à saúde pública e gratuita.

Clamoroso? Sim, mas não totalmente inesperado. Já há algumas semanas a saúde pública grega está de rastos: falta no abastecimento de medicamentos, salários não pagos, cidadãos que não conseguem ser atendidos são a realidade.

Problema: um hospital não é uma fábrica, a auto-gestão não vai ajudar a operar as instalações se os fundos não chegarem. Mas é sempre uma reacção da sociedade civil. O hospital de Kirkos pode ser apenas o primeiro de uma longa série.

A situação é grave e as notícias difundidas pelos órgãos de informação estrangeiros são totalmente inadequadas para descrever o que está a acontecer no interior da Grécia. Salários e pensões já foram reduzidas em 50%, em alguns casos em 70%.

A desnutrição é comum entre crianças na escola primária, a fome faz a sua aparição nas principais cidades do País, cujos centros são agora ocupados por dezenas de milhares de desabrigados, famintos e esfarrapados.

O desemprego afecta quase 25% da população e 45% dos jovens (49,5% no caso das mulheres jovens).

Os serviços públicos já foram liquidados ou privatizados, com o resultado de que as camas dos hospitais foram reduzidas por decisão do governo em 40%; custa muito caro e é arriscado até dar à luz, dado que os hospitais estão agora sem medicamentos básicos como a aspirina.
O Estado grego é incapaz de proporcionar aos alunos os textos para o ano lectivo que começou em Setembro passado. Dezenas de milhares de cidadãos deficientes ou doentes com patologias raras estão condenados à morte certa a curto prazo depois do Estado ter retirado os subsídios para os medicamentos. Aumentam o número das tentativas de suicídio, como os seropositivos abandonados à sua sorte pelas autoridades.

Entretanto, Alemanha e França querem que parte da próxima eventual ajuda económica seja reservada para os credores, isso é, os bancos.

Pois a realidade é esta: Berlim e Paris estão preocupados não com os cidadãos gregos, mas com as consequências que uma eventual falência de Atenas teria nos bancos de Alemanha e da França.

E entender esta falta de interesse em relação aos cidadãos é simples: mesmo que as políticas requerida pelos vários FMI ou BCE resultassem, a dívida do governo grego atingiria em 2020 o 120% do PIB: a mesma situação de 2009, quando começou este jogo ao massacre.

Ipse dixit.

Relacionados:
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Fontes: Crisis, Tlaxcala, Libcom

4 Replies to “Grécia: em pedaços”

  1. Olá Max: eu sabia!! Eu sabia!! Só um povo acostumado a miséria, aguenta a miséria e a escravidão.Foi uma grande notícia, Max, que me encheu de alegria. Os gregos começam a reagir! Para além das greves gerais… isto é muito importante! Sei que o pânico e o terror vai se espalhar para além da novidade do desabrigo, da fome, da ausência de suportes governamentais essenciais como saúde, educação/cultura, segurança, transportes, aposentadorias. Logo virão as prisões, os desaparecimentos, e a "paz" baixará nos meios de comunicação. E também, provavelmente ecoará na "paz de cemitério" clamores de um suposto milagre econômico, como se fosse uma redenção a partir das medidas neoliberais.
    Nós, gaúchos do Cono Sur, e da minha geração, que simplesmente não passaram pela vida, mas viveram, já vimos este filme muitas vezes: Chile, Brasil, Uruguai, Argentina. Os mesmos protagonistas, as mesmas razões, apenas a forma de camuflar era diversa: no nosso tempo e lugar, falava-se de esmagar ideologia comunista, enquanto esmagava-se o desenvolvimentismo/nacionalismo, em nome do liberalismo e sua tríplice aliança de privatização, desregulamentação dos mercados e cortes nas conquistas dos trabalhadores. Hoje, não se oculta as razões puramente econômico/financeiras.
    Mas assim como reagimos, nós do Cono Sur,aqueles que simplesmente não passaram pela vida, mas viveram,e que não chafurdavam na miséria absoluta,cultural/social/política econômica, mas fomos para essa vala comum dos povos do terceiro mundo, jogados pelo neoliberalismo enfiado goela abaixo pelas ditaduras que executavam as ordens do império de sermos imobilizados pelo pânico e pelo terror, os povos gregos e portugueses vão reagir…terão de reagir. Abraços

  2. Esses agiotas globais vão fazer de tudo com a Grécia, como fizeram com o Brasil e com a Argentina. Se não houver alguém para dar um basta, a dívida não vai ter limites, pois eles vão sugar até a última gota disponível e cada receita que entrar, mesmo que seja via empréstimos, vai ser encaminhada para pagar os grandes bancos que não sabem mais aonde enfiar tanto dinheiro. Hoje mesmo foi divulgado o resultado dos lucros dos bancos aqui no Brasil. Veja em http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2012/02/07/lucro-de-itau-em-2011-e-o-maior-da-historia-dos-bancos-do-pais.jhtm

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