Facebook e velhos instintos

Feisbuk. Mais conhecido como Facebook, um dos rostos das redes sociais, o mais conhecido.

Não é possível ignorar esta realidade que no prazo de poucos anos condicionou o desenvolvimento de internet. E são as mesmas redes sociais que tentam perceber o que se passa: normal, afinal têm que oferecer um produto sempre à altura das expectativas e explorar novos territórios. 

Os pesquisadores de Facebook, por exemplo, acabam de publicar um novo estudo que tenta analisar como as pessoas recebem e reagem às notícias dentro das redes sociais. Um estudo que tem um nome significativo: Repensar a Diversidade da Informação nas Redes.

A pesquisa

Por que “repensar”?
Porque os pesquisadores geralmente concordam em acreditar que nesta área é favorecida a homofilia (homófilo: que apresenta afinidade), ou seja, as ligações com pessoas parecidas, favorecendo um “estreitamento” da web que costumamos frequentar.

A ideia é simples: como eu gosto de partilhar com pessoas das quais gosto, e o mesmo se passa com os outros, afinal são criados tantos grupos com pouca interacção, pois cada um fica no âmbito mais confortável.  Numerosas teses acreditam nessa hipótese, segundo a qual os medias sociais e a tecnologia digital tendem a dividir o público em “tribos ideológicas”, cada uma das quais  lê, vê ou ouve apenas as notícias que confirmam as suas crenças. Mas é mesmo assim?

A experiência dos pesquisadores de Facebook, liderados por Eytan Bakshy, era bastante simples. Normalmente, quando um dos nossos amigos compartilha uma ligação no Facebook, o site usa um algoritmo conhecido como o EdgeRank que determina se o link deve ser colocado no nosso fluxo.

Na experiência de Bakshy, desenvolvida ao longo de sete semanas no verão de 2010, uma pequena fracção destas ligações foi censurada de forma aleatória e não foi adicionada ao nosso fluxo. O bloco aleatório permitiu a criação de duas populações distintas.

No primeiro grupo, havia uma ligação solicitada por um amigo e era possível compartilhá-la ou ignorá-la.
No segundo grupo, havia aqueles que não recebiam o pedido, mas, ao encontrar a notícia num outro lugar, poderiam ter optado por compartilhá-la.

Comparando o comportamento dos dois grupos, Bakshy foi assim capaz de comparar as maneiras como as novas informações viajam na rede e responder a algumas perguntas importantes sobre a nossa forma de navegar nas notícias on-line. Como por exemplo: as pessoas estão mais inclinadas a compartilhar a notícia porque os seus amigos estão a envia-las?

Se o algoritmo EdgeRank dar maior prioridade às notícias que já vimos, então Facebook seria uma mera “câmara de ressonância”, a simples confirmação de opiniões que já temos. Caso contrário, ao favorecer as noticias verdadeiramente novas, Facebook poderia tornar-se uma valiosa fonte de informação ao invés dum reflexo do nosso “pequeno” mundo.

É exactamente isso o que afirma Bakshy. Na verdade, a pesquisa mostra que quanto mais estivermos perto dum amigo no Facebook, quanto mais a nossa tendência será de compartilhar o link com esse amigo. O que não é uma grande descoberta, e parece que Facebook encoraje uma espécie de “câmara de ressonância”.

Mas se termos a tendência de compartilhar a notícia com amigos próximos, também continuaremos a compartilhar informações com as nossas ligações mais débeis; e estas ligações tendem a espalhar a notícia em sites ou blogues que muitas vezes nós nem conhecemos.

Paradoxalmente, é este grupo de “ligações débeis” que mais assegura a difusão das noticias; é com estas que Facebook e as redes sociais deixam de ser câmara de ressonâncias para tornar-se veículos de informação..

Até aqui a pesquisa. Que, tem de ser dito, desfrutou a colaboração de 253.000 pessoas e a utilização de 75 milhões de endereços web (aqueles que começam com “www.”). Nada mal como pesquisa.

Números, não ideias

Que, todavia, apresenta um limite: fala de números, não dos assuntos.

A pesquisa de Facebook nada diz sobre a maneira como as pessoas interpretam as notícias, não especifica se as histórias que acessamos através das nossas ligações diferem ideologicamente da nossa visão do mundo. Na prática, não existem dados para determinar se as amizades fracas compartilhadas no Facebook estão realmente fora do nosso grupo. As nossas amizades são heterofilas (heterófilo: o contrário de homófilo) ou homófilas? De facto não sabemos se as ligações débeis trazem uma maior diversidade.

Como sublinham outros pesquisadores, como Dahah Boyde e Ethan Zuckerman, a nossa xenofilia (xenofilia: simpatia por pessoas ou coisas diversas, estrangeiras) é bastante limitada, a base da nossa rede relacional no Facebook não é construída duma forma estratégica, de modo a aumentar a diversidade das nossas relações: ao contrário, o algoritmo que favorece as relações utiliza as relações já presentes para procurar as novas, tendo como base os mesmos interesses, os mesmos gostos.

E a diversidade relacional da nossa rede é, em última análise, bastante fraca. A homogeneidade e similaridade são muitas vezes as únicas razões dos nossos relacionamentos.

O estudo de Facebook esquece o contexto que determina o intercâmbio de informações. Em Novembro, uma pesquisa feita por três sociólogos do Berkman Center for Internet and Society de Harvard (Kevin Lewis , Mark Gonzalez e Jason Kaufman) descobriu que os estudantes que compartilhavam certos gostos para música e filmes tendiam a ser mais ligados do que os outros.

No entanto, os autores insistem, isto não significa necessariamente que os seus gostos fossem influenciados pelos amigos. Se a proximidade (social, de género, racial, geográfica e sócio-económica) tem a sua importância no estabelecimento das relações, a questão do gosto é mais complexa.

E tudo isso não leva em conta o nosso funcionamento cognitivo, que tende a reconfigurar o mundo para que este fique mais “em linha” com a nossa maneira de ver as coisas; o que significa que, mesmo ao ler notícias que são diferentes da nossa visão de mundo, isso não significa automaticamente aceita-las: é mais fácil o contrário.

Mais diversidade = menos diversidade

No seu blog, o jornalista Jonah Lehrer afirma:

As pessoas procuram quem parece semelhante. É um efeito de atracção que os psicólogos têm encontrado em quase todas as culturas. Não importa onde vivemos, como temos crescido ou a língua que falamos, queremos passar o tempo com pessoas que se parecem connosco.

Ou, dito de outra forma: os opostos não se atraem.

É quanto afirma o estudo dos psicólogos Paul Ingram e Michael Morris, da Columbia University.

Convidado um grupo diversificado de líderes, dos quais a maioria tinha afirmado anteriormente que o seu principal objectivo era conhecer pessoas diferentes para ampliar sua rede social, os participantes interagiram principalmente com as pessoas as quais mais se assemelhavam: os banqueiros discutiam com os banqueiros, os contabilistas com os contabilistas, etc. Ao invés de construir relacionamentos com pessoas de outros ambientes, a nossa tendência é de aproximar-nos das pessoas que vivem em mundos parecidos com o nosso.

“Os limites do ambiente social deles foram reforçados” afirma Lehrer.

Mas este desejo não influencia apenas o nosso comportamento em eventos sociais, também determina as nossas modalidades sociais. Isto é o que os psicólogos Angela Bahn, Kate Pickett e Christian Crandall da Kansas University têm demonstrado.

Os pesquisadores compararam a relação entre os alunos que vinham da mesma Universidade do Kansas (25.000 alunos) com os de quatro pequenas faculdades localizadas em áreas rurais (que têm uma média de 525 alunos):

Num mundo ideal, a oportunidade de conhecer muitas pessoas diferentes deveria levar a uma grande diversidade de amizades. Mas os psicólogos descobriram o contrário. Os estudantes da Universidade tornavam-se na maior parte amigos de pessoas com mais semelhanças, mais do que acontecia nas escolas rurais.

Em vez de procurar pessoas diferentes, os alunos têm obedecido a atracão entre similares, observando a vasta população do campus “para encontrar um círculo de amigos mais homólogo possível”. Como observado pelos pesquisadores, “os contextos sociais mais amplos determinam as melhores condições para uma gama de conhecimento ainda mais restrita“.

É uma coisa triste, pois ter uma rede social diversificada traz benefícios impressionantes: os empresários que tiverem uma rede social entrópica e variada, têm uma capacidade de inovação três vezes maior do que os outros, pois a capacidade de entrar em contacto com informações do “exterior” é uma fonte essencial para as novas ideias (estudo do sociólogo e sociólogo Martin Ruef na Business School de Stanford).

Conclui Lehrer:

Apesar destes resultados, os nossos velhos instintos sociais desviam o nosso caminho e nos obrigam a ficar fechados em bolhas de homogeneidade em um ambiente, muito menos é obtido em termos de diversidade pessoal.

É muito provável que as redes sociais digitais tenham os mesmos efeitos-defeitos das redes sociais digitais.

Ipse dixit.

Fontes: InternetActu

One Reply to “Facebook e velhos instintos”

  1. Max,
    Interessante artigo. Parece lógico que as redes sociais digitais sejam um reflexo das nossas redes sociais interpessoais de "carne e osso".

    Um abraço

Obrigado por participar na discussão!

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