Iraque: um País em pedaços – Parte II

E que tal a economia do Iraque?

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a taxa de pobreza no Iraque é de 23%, o que significa que cerca de seis milhões de Iraquianos são pobres e sofrem a fome, apesar dos recentes aumentos nas exportações de petróleo. O Ministério iraquiano do Planeamento também anunciou que o País precisa de 6,8 mil milhões de Dólares para reduzir o nível de pobreza.

Zahra concorda.

Na minha família ninguém tem um emprego. E na casa da minha irmã há sete adultos, apenas dois deles trabalham.

Jaibur Hassan, assistente médico que não consegue encontrar emprego na sua área, vende frutas num mercado:

A situação é grave e vai piorar. Os preços continuam a subir e não há trabalho. Tudo o que podemos fazer é viver dia a dia.

Jaibur disse que ele e sua família vivem com o que eles conseguem vender, mas têm um filho doente e todo o dinheiro vai para os cuidados médicos.

Todos os meus familiares e amigos estão numa situação similar. Muitos deles tentam encontrar trabalho mesmo que seja só ao longo dum dia.


Karam Gheda vende tâmaras e outras frutas. Seu marido foi paralisado durante a guerra com o Irão e o subsídio do governo não é suficiente; ela não pára de chorar:

A minha família está a sofrer muito, ontem à noite não jantámos. Somos vinte em uma casa, e eu sou a única que trabalha. Os meus filhos vêem as coisas para comer ou beber no mercado, mas não podemos pagar nada, e eu também estou em dívida com os revendedores de fruta. Deus nos ajude.

O estado da economia no Iraque é um desastre. No entanto, ironicamente, o Iraque tem a terceira reserva de petróleo do mundo depois da Arábia Saudita e do Irão, o que seria de esperar no caso dum dos Países mais ricos do mundo.

Mas em nenhum lugar a falta de desenvolvimento económico é mais evidente do que em Baghdad. Segundo o Banco Central do Iraque, o desemprego e o subemprego atingem ambos 46%, embora muitos no Iraque acreditam ser esta estimativa optimista.

O Iraque continua a ter uma economia apenas de dinheiro, sem cartões de crédito, quase não há contas bancárias, nada de transferência electrónica de fundos e apenas algumas máquinas para levantar dinheiro.

O Iraque não tem em funcionamento um serviço postal, não há transporte público ou uma companhia aérea, e a maioria dos produtos vendidos no País são importados.

Apenas a região autónoma do Curdistão, no norte, desenvolveu-se rapidamente e tem um governo eficaz.

Segundo Trasparency International, o Iraque é o oitavo entre os Países mais corruptos do mundo. Como o Haiti, apenas um pouco menos corrupto do que o Afeganistão.

Recentemente, um ministro do Iraque foi forçado a renunciar ao cargo porque havia assinado um contrato no valor de milhões de Dólares com uma empresa alemã em falência, juntamente com uma empresa “de fachada” canadiana que não tinha nem bens ou actividades, apenas um domicílio.

A insegurança

A recente série de atentados, nas últimas semanas, que mataram mais de uma centena de Iraquianos e feriram mais de 200 são a prova da grave situação no âmbito da segurança no País.

Apesar dos 280 mil soldados e dos 645 mil entre policias e guardas de fronteira (um total de quase um milhão de homens) e uma capital bloqueada por postos de controle, a segurança permanece vaga.

Como disse recentemente o primeiro-ministro Nour al-Maliki, não pode haver segurança sem estabilidade política. Uma vez que os seus detractores o acusam de ter perturbado o delicado equilíbrio político no Iraque com a prisão do vice-presidente Tareq al-Hashimi, as palavras dele são mais verdadeiras do que nunca.

Embora muitas das violências diárias não apareçam nas primeiras páginas dos jornais, as notícias são constantes e o sangue continua a fluir.

Em 3 de Janeiro, foram relatados ataques no País, uma bomba matou um soldado perto de Mosul, uma bomba feriu gravemente um guarda em Kirkuk, homens armados mataram um miliciano Sahwa e a esposa dele em Muqdadiya, outra bomba feriu três civis em Baghdad, só para citar alguns.

Ao perguntar aos Iraquianos qual a principal preocupação deles, a primeira resposta é geralmente “segurança”, seguida por, electricidade, água, trabalho e saúde. Mas a segurança é o alicerce sobre o qual o resto da infra-estrutura pode ser construída, por isso estes ataques que continuam por todo o Iraque não auguram nada de bom para o futuro.

Em Dezembro de 2011, o Iraque assinou um acordo de mais de 400 milhões de Dólares para a compra de outros 18 jactos modelo F-16 dos Estados Unidos, uma iniciativa polémica porque os críticos interpretaram esta como uma tentativa do primeiro ministro para reforçar a própria posição de poder.

Em Dezembro, durante uma entrevista conjunta com Maliki, o presidente Obama disse: “Precisamos treinar os pilotos [Iraquianos, ndt], certificar que eles estejam operacionais e ter uma força aérea eficaz do Iraque.”

A maioria dos iraquianos preferiria ter segurança nas ruas, antes de se preocupar com o espaço aéreo.

E para pessoas como Gheda Karam, cuja família tem que abdicar de refeições regulares, um governo que gasta mais de 400 milhões de Dólares para melhorar a infra-estrutura e a economia seria preferível a um que compra aviões de guerra avançados.

Ipse dixit.

Relacionado: Iraque: um País em pedaços – Parte I

Fonte: AlJazeera

5 Replies to “Iraque: um País em pedaços – Parte II”

  1. Olá Max: esses dois posts sobre o Iraque hoje me parece muito oportunos. E provam inequivocamente que: o objetivo de qualquer império é a conquista territorial,cultural e econômica, e a consequente rapina do que for aproveitável no território conquistado. Como a conquista encontra resistência, resta terra arrasada. Como a rapina subtrai do território conquistado riquezas econômicas,artísticas e competências humanas, sobra no território arrasado o povo comum,quando sobra, sem condições de recuperação. Mas como também permanecem no território conquistado e arrasado riquezas minerais impossíveis de retirar quando da rapina, então o império procede a administração e obtenção dos lucros destas riquezas através de um processo que dura enquanto durar a possibilidade de exploração das mesmas, ao qual costuma se designar por reconstrução e/ou manutenção da "civilização" e segurança locais. É simples assim, e acontece sempre, ou enquanto o império é tolerado territorialmente, assimilado culturalmente, e desejado economicamente. Quando isso não acontece, aqui…ali…e acolá, o império começa a declinar porque qualquer império se corrompe e se enfraquece internamente, sobrevivendo da atividade predadora. Privado dos tentáculos, promove sua autodestruição, o que não impede que outros impérios surjam e dominem.Assim tem caminhado a humanidade, que sempre esteve a espreita de uma presa fácil.Se continuará assim, depois que o império norte americano ruir, não sei…nem estarei no planeta para ver. Pena que a vida da gente é tão curtinha que mal e mal dá para acompanhar o nascimento, apogeu e declínio de um único império. Abraços

  2. Olá Maria!

    O que aconteceu no Iraque não tem palavras: os Estados Unidos utilizaram o País para os próprios fins, implementaram um regime "democrático" amigo de Washington e deixaram os cidadãos de rastos. O mesmo acontecerá no Afeganistão e na Líbia.

    Não é novidade: a diferença entre antes (Guerra Fria) e agora é que agora os EUA não hesitam em enviar as tropas, enquanto antes o meio mais utilizado era a "intelligence". Mas o resultado não muda.

    Acho que auto-destruição dos Estados Unidos já começou, mas vai ser um agonia lenta, sem outros "jogadores" que possam substituir o moribundo em tempos breves. Por isso, como dizes, "Pena que a vida da gente é tão curtinha que mal e mal dá para acompanhar o nascimento, apogeu e declínio de um único império".

    De facto, teremos que observar os Estados Unidos enquanto mal gerem uma supremacia que é ao mesmo tempo a razão do fim deles, e o máximo que podemos fazer são apostas: uma nova super-potência ou um mundo multipolar. Eu prefiro a segunda hipótese.

    Grande abraço!!!

  3. Bem pensado seu comentário Max.

    "De facto, teremos que observar os Estados Unidos enquanto mal gerem uma supremacia que é ao mesmo tempo a razão do fim deles, e o máximo que podemos fazer são apostas: uma nova super-potência ou um mundo multipolar. Eu prefiro a segunda hipótese."

    Obama foi o grande empurrão de que precisavam para estragar com o resto dos EUA. Enquanto isso os laços entre China, Russia e…Irão(talvez?) vão se fortalecendo. Serão a nova super potencia talvez. Será a queda de um império para o surgimento de outro(s), a queda de uma nova ordem para a continuação e predominância da outra. As 2 já vinham brigando a mais de século.

  4. Gosto muito deste blogue, que descobri há pouco. Parabéns e obrigado ao autor pelo grande trabalho, que merecia ser pago.
    Uma pergunta: O contrato de F-16 que os pigs americanos impingiram ao povo iraquiano é de 3 mil milhões, certo?

    Partilho as opiniões da Maria e do Max, embora seja menos optimista do que ele quanto ao declínio do poder americano , porque contra um regime totalitário super-armado e super-vigilante como os EUA actuais só se pode resistir com protestos em massa, ou seja, um algo como terço da população na rua. E mesmo assim, o controle da informação por parte do poder é tão absoluto que tudo pode ser abafado, distorcido, esvaziado, etc. É preciso portanto que o protesto atinja uma massa crítica. Enquanto formos 1% da população, ou mesmo 20%, não conseguiremos nada. No caso dos EUA, parece-me óbvio que a sua variedade de nazi-capitalismo não pode ser derrotada militarmente (os EUA serão invencíveis ainda por muitas e muitas décadas). Logo, só pode ser derrubado por dentro, ou seja, pelo povo americano. Mas o povo americano está em processo de estupidificação televisiva e propagandística há pelo menos 60 anos, a única liberdade que valorizam é a de consumir, e enquanto o império tiver mundo onde roubar, poderá manter em sossego o seu eleitorado de papa-pipocas.
    Ou estarei a ser demasiado pessimista?
    Cumprimentos,

    JMS

  5. Olá JMS!

    Uma vez lido o comentário fiquei com dúvida e fui espreitar os preços:
    as últimas versões do F-16 (os F-16 E/F) têm um preço unitário de 27 milhões de Dólares.

    Agora, como os aviões adquiridos pelo Iraque são 18 (isto não aparece no post mas sim no artigo original de AlJazeera):

    18×27 = 486 milhões de Dólares.

    Um montante de todo o respeito num País tão pobre, mas mesmo assim muito inferior aos 3.000 milhões do post.

    Não sei se AlJazeera entendia indicar a aquisição de outro material militar também, mas como no artigo original não está especificado, prefiro corrigir o post.

    Muito obrigado pelo reparo!

    Abraço!!!

Obrigado por participar na discussão!

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