Quando um petroleiro afunda

Vista de Genova fazia impressão. Mas era da praia de Arenzano que era possível colher a violência. A pouco mais dum milho de distância havia agora uma enorme coluna de fumo espesso, negro: e na base, chamas, muitas chamas que surgiam do mar.

Água e fogo. Eu tinha ido com os meus pais para ver o raro espectáculo: aí, perante os olhos dos milhares de curiosos, estava a consumar-se uma catástrofe ecológica, com 144.000 toneladas de petróleo no mar, poucas centenas de metros da costa onde as famílias costumavam apanhar o sol e os pescadores preparavam as redes.

Mas que acontece quando um petroleiro afunda? Quais as consequências dum acidente como este? E é correcto falar de “desgraça”?

Os quatros gémeos da Standard Oil

Não, não tinha sido uma desgraça. A Amoco Milford Haven, este o nome do navio, fazia parte duma frota de quatro embarcações gémeas: Amoco Cadiz, Maria Alejandra e Mycene, todas da americana Amoco, Standard Oil Company, agora BP.

  • Amoco Cadiz, afundada em 16 de Março de 1978 ao largo da Bretanha, perdeu 230.000 toneladas de petróleo no mar.
  • Maria Alejandra, explodida em 11 de Março de 1980 na frente das costas da Mauritânia.
  • Mycene, explodida em 3 de Abril de 1980 na frente das costas da Sierra Leoa.

Quando quatro naves gémeas afundam não é possível falar de desgraças.

No caso da Haven, esta era um petroleiro VLCC (Very Large Crude Carrier, petroleiro muito grande) de 250.000 toneladas, nascida em 1973.

Em 1988 tinha sido atingida no Golfo Pérsico por um míssil iraniano Exocet e entre 1988 e 1990 tinha sido reparada em Singapura. Após a reparação, tinha feito apenas uma viagem, até Genova.

No dia 11 de Abril de 1991 houve uma explosão, quando o navio encontrava-se a 90 metros da costa. Na explosão morreram cinco pessoas, entre as quais o comandante. Ao longo da noite, o petroleiro foi afastado da cidade mas em frente de Arenzano o casco partiu-se e o navio afundou.

Passados 20 anos, ainda há consequências.
Hoje os peixes da zona estão doentes,têm câncer, e a flora está contaminada por um melaço mortal.

No relatório do ICRAM (Instituo Central de Pesquisa sobre o Mar), entregue ao magistrado Luigi Cavadioni Leonuzzi, emergem os factos:

As inspecções mostraram que o derrame de hidrocarbonetos no mar a partir da Haven afectaram particularmente a zona costeira entre Vesima e Varazze [cerca de 20 quilómetros de comprimento, ndt], nas praias entre Arenzano e Cogoleto foi identificada uma infiltração de hidrocarbonetos na areia, até profundidades de mais de 30 centímetros. Os muitos recifes e obras dos portos artificias criaram lugares de acumulação de resíduos de petróleo bruto derramado, apenas parcialmente limpo.

Mas a situação é mais grave no fundo do mar. O alcatrão tem invadido as águas: nas imagens filmadas a mais de 340 metros de profundidade aparecem conglomerados de petróleo e as análises testemunham a origem dele: Haven.

Latitude 44 ° 22’18” norte, longitude 08 ° 42’06” Leste 

A 80 metros de profundidade emergem os destroços do navio-tanque; aqui há apenas o corpo principal do naufrágio, cerca de 250 metros de comprimento e cinquenta de largura. a proa, partida durante as operações de reboque logo após a explosão, encontra-se mais abaixo, a uma profundidade de 490 metros.

A popa, a ponte, a cozinha, os alojamentos, tudo fica entre os 33 e os 54 metros de profundidade.

Trinta toneladas de petróleo são seladas em torno do eixo da hélice. No lado esquerdo, pouco mais de 65 metros, há outra ferida. Mortal. A placa do lado está aberta ao longo duma dezena de metros: é o ponto onde houve uma segunda explosão. Aí havia uma cisterna.

Em 1995 o ICRAM realizou alguns testes em amostras de ostras retiradas dos destroços e foram detectados níveis de hidrocarbonetos superiores aos registados no porto de Marghera, no Veneto. E Marghera é um porto petrolífero.
Ezio Amato, biólogo que costuma vigiar os destroços:

Não podemos excluir que a contaminação da cadeia alimentar pode afectar a saúde humana. Sem dúvida a fauna é alvo de efeitos cancerígenos, teratogênicos e mutagênicos do alcatrão , em particular dos hidrocarbonetos aromáticos que, de acordo com a análise realizada, são encontrados em alta concentração. Vai levar séculos antes do betume reduzir o seu potencial de poluição. Os danos são na sua maioria permanentes.

O desastre do Haven fica sem responsáveis. A companhia protagonista do acidente foi absolvida depois de ter acusado o capitão de todas as responsabilidades. O capitão morreu no acidente, difícil que possa defender-se. No passado mês de Maio, a Judiciária acusou 15 pessoas da Agência de Protecção Ambiental da Liguria (a região de Genova): corrupção, ocultamento de provas. A longa mão das companhias petrolíferas nunca pára.

Golfinhos, baleias

  
A água continua contaminada.

O petróleo em contacto com a água perdeu a sua consistência e tornou-se pegajoso. No fundo do mar estão depositada 50 mil toneladas de petróleo, como evidenciado pelos vídeos do ICRAM, que reduziram a captura do peixe em 50%; o que provocou danos à fauna protegida que em Liguria inclui muitos cetáceos (golfinhos, baleias).

Este petróleo, como confirmam os testes, devido às altas temperaturas do Mediterrâneo (nunca abaixo de 13º Celsius) não foi concretizado, mantendo um nível de fluidez pelo qual pode “deslizar” no fundo do e continuar a sua obra mortal.

Continua Amato:

Os danos são na maioria de tipo permanente. Os peixes são agredidos pelo petróleo ou por ingestão directa ou pro meio de presas contaminadas; e também absorvem a poluição através do epitélio das brânquias e do corpo.

Os animais mais expostos, obviamente, são aqueles que vivem perto das áreas contaminadas e que inalam os gases do petróleo bruto. Os outros entram em contacto principalmente através dos alimentos contaminados: os órgãos mais afectados são os pulmões, o trato gastrointestinal, fígado, rins, sistema nervoso central e hematopoiético.

As investigações, atesta o relatório anexado aos actos do processo penal, estabeleceu-se que os resíduos de petróleo ainda presente são uma fonte de poluição que nunca esgotou os efeitos crónicos no ambiente.

Stefano Lenzi, do WWF:

A Haven era um perigo no mar, um navio de 18 anos é sabido que um petroleiro não pode navegar por mais de 15 anos. E antes de acabar no mar da Liguria, a  Haven durante a Guerra do Golfo tinha também ficado com um par de torpedos no casco.

Pois, a frota dos quatros petroleiros gémeos. Mesmo patrão, todos iguais, todos afundados.
“Acidente”? Com certeza…

Ipse dixit.

Fontes: Su La Testa,

4 Replies to “Quando um petroleiro afunda”

  1. Para além da responsabilidade criminal que neste caso foi convenientemente empurrada a título póstumo para o comandante…estranho porque ele nunca se pode defender, ainda assim a responsabilidade cível pelo dano é da companhia uma vez que aqui opera uma relação “comissário / comitente” com a fatal e inexorável agravante do navio operar “fora de validade” com o inegavel conhecimento da companhia e para seu lucro, é incrível que a companhia não fosse condenada pela justiça a recolher ate á ultima grama de crude,ou indemnizar ate a falência total da petrolífera, o que também me espante é o facto de ambientalistas também serem corruptíveis…é uma desilusão.
    È apenas um desabafo mas perante esta calamidade se hipoteticamente um pescador ou alguém cuja vida foi destruída por esta calamidade cometesse um atentado mortal contra os responsáveis da BP …seria isso condenável? Se um atentado perpetuado contra os responsáveis da petrolífera assustasse os responsáveis por petrolíferas ao pontro de os fazer respeitar as normas de segurança, poderíamos portanto considerar este atentado como…preventivo, e assim aceitável.
    Se não, como julgar alguém a quem a injustiça ou a falta de justiça o forçou em desespero a agir pelas suas próprias mãos? As vezes dá vontade… não dá ?

  2. "Quando um petroleiro afunda…" alguém ganha dinheiro a rodos!

    Quanto ao aspecto da poluição… eh… mais poluição… menos poluição… afinal de contas o animal humano não sabe fazer outra coisa sem ser poluir… porque raio ficamos sempre aborrecidos com a poluição!?!

    Por mim quanto mais depressa poluirmos mais depressa chegaremos ao nosso destino final!

  3. Olá Bruno: decididamente tu me cativas, a partir de muitos dos teus comentários!! Abraços

  4. Obrigado Maria, é muita generosidade sua, mas cuidado principalmente com esse comentario…os instintos animalescos tentam a todo o custo subverter a legalidade, o animal por vezes é dificil de segurar : )
    Abraços

Obrigado por participar na discussão!

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