Fakelaki

Mesmo que ninguém preste muita atenção, dezenas de adesivos adornam as paredes do hospital, o maior do distrito de Atenas de Nikaia, cinco quilómetros do porto de Piraeus.

Os adesivos mostram uma imagem de um envelope com uma barra diagonal vermelha, tipo o sinal de stop. “Não fakelaki” é a mensagem, uma referência ao “saco”, a nota de 50 Euros que alguns médicos pedem aos pacientes em troca de um bom serviço. O fakelaki é uma das muitas manifestações de corrupção na Grécia.

Mas o que tem a ver isso com as medidas de austeridade promovidas pelo Governo?

Prioridade: sobreviver

Em 2010 o governo de Georgos Papandreou anunciou uma luta incansável contra a cultura do fakelaki e, ao mesmo tempo, pus em prática uma série de cortes draconianos na área da saúde pública como parte do plano de ajustes exigidos pelas potências europeias.

Dois anos depois, com o hospital num estado de quase colapso, sem fundos e utilizados por cada vez mais pacientes, o problema do fakelaki agora é pouco mais do que uma anedota. Explica Olga Kosmopoulou, especialista em doenças infecciosas e membro do sindicato dos médicos do hospital que organizaram várias campanhas contra a corrupção:

Neste hospital há médicos que aceitam subornos. Nós tentamos convencer os pacientes que necessitam de médicos a denunciar esta prática, mas nestes dias os pacientes têm medo: o fakelaki não é uma prioridade.

Qual, então, a prioridade dos pacientes de baixo rendimento neste hospital, no meio dum bairro de Atenas, com enormes problemas de desemprego e pobreza? Pacientes que esperam cinco ou seis horas para ver um médico e pagar entre 80 e 100 euros para analisar sangue e urina?. A prioridade “é sobreviver”, diz Kosmopoulou.

Nikaia era um hospital que tinha grandes problemas antes da crise. Em 2007 era considerado um lugar de castigo, ao invés de “terapêutico”, pelos inspectores do governo que denunciavam a falta de higiene no preparo dos alimentos. Mas, após os cortes de 40 por cento dos fundos disponíveis para o hospital desde o início do programa de austeridade, a comida é o problema menor.

Para já faltam médicos e enfermeiros. Diz Kosmopulos que “No turno da noite temos apenas duas enfermeiras para sessenta pacientes”.

Sem satisfação

No hospital de Nikaia os pacientes da terceira idade ocupam camas com apenas cinco ou seis centímetros de distância uma das outras. E nas Urgências os tempos de espera aumentaram 30%, fruto do corte de 42 por cento das contribuições fornecidas pelo IKA, a companhia pública de seguros que oferece cuidados de saúde primários para milhões de aposentados.

Eu sempre digo aos meus colegas: Rápidos, rápidos! Mas não conseguem. Eu sei que as pessoas na Europa dizem que na Grécia não se trabalha, mas é uma lenda.

Após a elevação da idade de aposentação para os funcionários, de 65 para 67 anos, a maioria dos enfermeiros continuam a trabalhar com problemas de saúde como a artrite. Os cortes dos salários dos médicos do hospital (cortes que chegam aos 1.000 € por mês) provocou a fuga do pessoal.

“Não é tanto pelo dinheiro, mas, principalmente, porque agora já nem consegues satisfação neste trabalho”, diz um médico.

Enquanto isso, os problemas do desemprego e da pobreza, que estão nas ruas do distrito de Nikaia, entraram no hospital também: “Quinze ou vinte pessoas sem-tecto dormem nos corredores da estrutura”, acrescenta Kosmopoulou.

Andando pelos corredores, uma mulher das limpezas diz, com a doutora Kosmopoulou que traduz, que trabalha para uma empresa privada; ganhe 500 Euros por mês para um dia com 15 horas de trabalho, sem direitos sindicais.

O fornecimento de produtos não essenciais, como o algodão ou os copos de plástico, acabaram. “É como se a ideia fosse humilhar-nos”, diz a Kosmopoulou enquanto acende um cigarro. E a situação não melhora. Após as novas medidas de austeridade draconianas necessárias para a Grécia receber a próxima parcela do financiamento europeu, o dinheiro destinado ao Ministério da Saúde foi submetido a um novo corte de 6,5%.

Sem análises

Com os hospitais nessas condições, não é estranho que as campanhas para erradicar o fakelaki não conseguiram resultados positivos. De acordo com um estudo sobre os efeitos dos cortes na saúde da revista médica The Lancet (número 378 de 22 de Outubro de 2011), ao invés de resolver o problema da corrupção, os cortes estão a aprofundar a cultura do suborno: “Tenta-se subornar os funcionários para evitar as filas nos hospitais em colapso”.

O estudo do The Lancet relata que no primeiro ano da crise, em 2009, houve “um aumento significativo de pessoas que deixaram de ir ao médico ou ao dentista”. Explica um funcionário público que tem participado nas manifestações no centro de Atenas: “Sem algo de grave e com um seguro privado, o tempo de espera é de três ou quatro meses, então as pessoas nem vão”.

“A nova contribuição de cinco Euros aumenta a falta de interesse na ida ao médico. E a nova política de cobrar entre 80 e 100 Euros para as análises fecha o círculo. As pessoas já não fazem os exames que pedimos”, acrescenta Kosmopoulou.

Tudo isso, naturalmente, reduz o custo dos cuidados de saúde a curto prazo, embora possa aumenta-lo no médio e longo. Da mesma forma, a alarmante taxa de enfermeiros para números de leitos nos hospitais foi resolvida em alguns hospitais com facilidade, com a eliminação de 11 mil camas, uma redução de 23 por cento em dois anos. Mas o número de pacientes que recorrem aos hospitais públicos aumentou 30 por cento desde 2009, porque as pessoas já não podem pagar um seguro privado. Em vez disso, foram atribuídas 550 camas dos hospitais públicos ao sector privado.

Mais pobreza, mais corrupção

O estudo do The Lancet sugere que a situação de saúde piorou especialmente para os grupos vulneráveis. E quase todos esses grupos, idosos com a pensão mínima, crianças de famílias pobres, toxicodependentes, imigrantes, podem ser encontrados no hospital de Nikaia.

Kosmopoulou acredita que há uma “crise humanitária” devido ao aumento dos casos de pacientes HIV-positivos. De acordo com The Lancet, o diagnóstico de HIV aumentou 52% entre 2010 e 2011.

Em parte, a resposta pode ser encontrada nas ruas ao redor da Politécnica no centro de Atenas, onde centenas de drogados parecem evocar a dura época dos anos ’70: embora a distribuição de metadona não foi afectada pelos cortes, não há apoio de assistentes sociais ou psicólogos. “Muitos dos meus pacientes são mulheres jovens que perderam os empregos e que recorrem à prostituição”, disse Kosmopoulou.

Um dos erros repetidos durante a crise é pensar que as medidas de austeridade, os cortes dos salários dos funcionários, a privatização e a liberalização, podem ajudar a colocar um fim à corrupção. Mas não é por acaso que a corrupção é endémica nos Países mais pobres.
Basta olhar para os primeiros sinais provenientes da Grécia: o plano radical da “troika”, ao invés de acabar com a corrupção e a evasão fiscal, torno estas umas estratégias de sobrevivência.

Nos hospitais com filas de quilómetros, um paciente suborna o médico para obter um direito, a saúde.  Depois de ter visto dizimada a reforma, o policial arredonda com o suborno mensal do night club.

Qual funcionário, após um corte de 40 por cento no salário, consegue resistir a algum “incentivo?” E, fora do hospital, os pequenos comerciantes, antes na legalidade, começam a vender nos mercados ao ar livre para evitar que a bateria dos novos impostos num mercado em declínio.

Ipse dixit.

Fontes: LaVanguardia
Tradução e adaptação: Informação Incorrecta

4 Replies to “Fakelaki”

  1. Que calamidade! E tu sabes no que que isso resulta Max? Eu sei. As pessoas vão ficando sem tratamento para pequenos males físicos que sem cuidados preventivos e acompanhamento médico, se tornam males que as impede de trabalhar. E lembra uma coisa muito importante: com a medicalização da saúde, as pessoas tornaram-se dependentes de serviços médicos, elas não têm a mínima ideia do que fazer para se tratarem, perderam a memória da auto regulação. Doentes, elas aumentam a fila dos dependentes dos seguros desempregos e similares, coisa que o moribundo Estado do bem estar social, vai relaxando. Sem recursos próprios porque toda as suas vidas foram desenvolvidas a luz de um Estado minimamente protetor, elas têm know how de cidadania e vida republicana, mas não de sobrevivência em meio à guerra. Sim porque isso é uma guerra contra as pessoas comuns. Uma guerra que talvez vocês europeus, desgraçadamente, não estejam preparados para enfrentar.
    Que calamidade! Abraços

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