E se também a China…?

Os crescentes desequilíbrios internacionais alarmam os analistas: há temores de que um novo choque poderia abater o capitalismo mundial.

Uma indicação muito clara da preocupação do mundo inteiro sobre uma possível crise da China é o aumento do valor absoluto do CDS (pois, eles, os Credit Default Swaps, seguros sobre a possibilidade de que um Estado possa ser incapaz de pagar as suas dívidas), o 14º mais alto do mundo: há apenas dois anos encontrava-se no 227 º…

Um editorial de Bloomberg News do passado 3 de Outubro, intitulado “O colapso da China, e não a ascensão dela, é a ameaça global”, resume esse sentimento.

O artigo afirma que a expansão da China, baseada na mão de obra barata, na desvalorização da moeda, nos fortes investimentos na indústria e na concentração das exportações, chegou no limite, com consequências de longo prazo para Estados Unidos e Europa, ambos cada vez mais dependente da China. E isso sem esquecer o resto do planeta, pois é difícil encontrar um lugar onde não haja Chineses a fazer negócios.


O artigo faz uma lista das tensões que afligem a economia chinesa.

Primeiro, o custo do trabalho aumenta, os jovens trabalhadores industriais exigem agora um padrão de vida e salários mais altos, e isso põe em causa o papel da maior plataforma global de mão de obra barata.

Em segundo lugar, as medidas de resgate económico tomadas desde 2008 lançaram milhares de bilhões de Dólares de empréstimos com taxas de juros reduzidas, o que causou um sobre-investimento e levou ao aumento dos preços no mercado imobiliário, até níveis que muitas famílias não podem sustentar, o que tem como consequência um aumento das tensões sociais e um maior risco de falências.

A resposta convencional dos economistas e dos políticos perante a crise chinesa é o pedido dum “reequilíbrio” da economia: dado que os investimentos em activos fixos (meios de produção e imóveis) chegaram a um nível grotesco e insustentável a longo prazo (quase metade do PIB nacional), o consumo interno deve ser aumentado para absorver o excedente da indústria e compensar as exportações em declínio.

De facto, a China não tem uma grande margem para aumentar o consumo doméstico. Durante os últimos dois anos, aumentos salariais e greves levaram a uma rápida erosão da quota de mercado da China, com as empresas que mudaram a produção para Países concorrentes mais baratos, tais como o Vietnam e a Índia.

Bloomberg observa que a evolução do consumo é “delicado”, com os consumidores que ainda precisam de uma moeda forte para apoiar o próprio poder de compra; mas com uma moeda mais forte os exportadores vão perder alguma das vantagens perante a concorrência. Quem poupa precisa ter altas taxas de juros, de forma a garantir os investimentos; mas isso significa que o dinheiro vai ficar mais caro, por isso os bancos e as empresas vão ver os seus empréstimos com custos aumentados.

Bloomberg continua:

Como resultado, grandes segmentos industriais da China podem tornar-se não lucrativos, com empréstimos que podem não ser reembolsados. O que poderia forçar o governo a intervir e ajudar os bancos com a recapitalização.[…] O modelo de exportação da China poderia ser destruído antes mesmo dos consumidores serem capazes de beneficiar dele. Neste tipo de crise, o peso económico da China se tornaria um problema.

O efeito seria particularmente severo sobre as economias com base em matérias-primas, como a Austrália, cujas exportações de minerais e outras matérias-primas para a China explodiram nos últimos anos.

Expressando a preocupação da comunidade empresarial da Austrália, David Potts escreveu no Sydney Morning Herald:

A nossa dependência da China é inegável, por outro lado, Wayne Swann deveria partilhar o prémio como o homologo Ministro da Economia chinês por ter investido na economia mais do que para evitar a recessão.

Potts observa que a crise mundial de 2008, o plano de resgate chinês tinha provocado um aumento da demanda por bens, protegendo e preservando a economia australiana da recessão.

Mas desta vez, a China não pode salvar a Austrália, anuncia Potts. O problema para a Austrália não é apenas que a China está a abrandar, mas que já não pode depender das exportações para o crescimento ou dos investimento na indústria, meios de produção ou das infra-estrutura: factores que pediam enormes quantidades de aço, que por sua vez estimulava a importação de ferro, níquel e carvão da Austrália.

Além disso, há uma bolha ainda maior do que aquela das mercadorias. Os T-Bonds, os Títulos de Estado dos EUA.
Sempre segundo Potts, sem querer a China é uma vítima da sua própria política em manter uma taxa de câmbio muito baixa perante o Dólar dos Estados Unidos, para manter a competitividade como exportador. Actualmente Pequim não pode vender o próprio enorme estoque de 100 bilhões de títulos do Tesouro EUA. E quem seria o comprador de todo aquele papel? Qual o valor?

Ao compra-los caiu na armadilha, e ao tentar vende-los agora, colocaria de joelhos o sistema financeiro mundial.

Potts observa que a China não está livre de dívidas.
Se a dívida é oficial que 27% do PIB, os economistas suspeitam que poderia aumentar até 90%, já que grande parte foi administrada pelas autarquias, usando a terra como garantia comum, coisa que não aparece nas declarações financeiras oficiais. Quando uma autarquia recebe “mão livre”, um grande número de empréstimos é perdido em projetos sem fins lucrativos.

Não muito tempo atrás, analistas como Potts falavam sobre a eclosão da crise subprime na China (tal como já tinha acontecido nos Estados Unidos) devido aos municípios altamente endividados que não podiam pagar os empréstimos. Actualmente, o risco (que depois é relativo ao assim chamado “credito malparado”) ficou propagado até as empresas de pequeno e médio porte, que fizeram muitos investimentos.

Quando Pequim anuncia o sucesso na contenção da inflação, a sua política de aperto do crédito tem levado as pequenas e médias empresas a recorrer a emprestadores que praticam taxas de juros não-oficial de até 180%.

Wenzhou

O ponto onde se concentra esta última crise é Wenzhou, cidade dum milhão de habitantes perto de Shangai, que foi no passado o modelo de expansão das exportação chinesas.

Depois de Abril, mais de 90% das empresas fecharam, enquanto os donos fugiram ou cometeram suicídio e os trabalhadores protestavam por causa dos salários não pagos.
Os problemas levaram o primeiro-ministro Wen Jiabao a visitar a cidade e a ordenar à polícia para atacar duramente os “tubarões” da finança paralela.

Esta pode ser apenas a ponta do iceberg. Os empréstimos do mercado paralelo começaram a emergir no ano passado, com um total de capital estimado de 2.500 bilhões de Yuans (391 milhões de Dólares). Mais da metade desses empréstimos eram concedidos por instituições públicas que ré-emprestavam o dinheiro com juros enormes, o restante era de propriedade privada.

Há problemas económicos ainda mais profundos.
Dado o baixo desempenho da indústria, muitos grupos usam as próprias empresas como garantia para empréstimos que obtêm dos financiadores paralelos, e mais tarde, em alguns casos, essas empresas ré-emprestam o dinheiro a taxas mais elevadas ou jogar na especulação imobiliária.

Como afirma o economista-chefe do Société Générale na Ásia, Yao Wei, o facto dessas pequenas e médias empresas estarem prontas a emprestar dinheiro a taxas tão altas significa uma total falta de liquidez e que as mesmas estão envolvidas nas especulações, porque não há actividade económica real que possa gerar um retorno sobre o investimento alto o suficiente para pagar os empréstimos.

O centro económico industrial de Wenzhou tornou-se o centro da especulação, como argumentou o Shangahai Morning Post. Em 2001, por exemplo, havia 4.000 empresas em Wenzhou que produziam tijolos, 80% da produção mundial. Dez anos depois, não são mais de que 100. Os recursos foram reinvestidos na especulação imobiliária.
Um empresário que mantém o anonimato disse ao jornal que a sua fábrica de 1.000 trabalhadores produzia menos de um milhão de Yuans (117.000 Euros) num anos com o “trabalho real”, enquanto a mesma empresa, investindo em apenas dez propriedades em Shangai, tinha ganho 30 milhões de Yuans em oito anos.

Com a queda de preços dos imóveis e com a queda das exportação, como resultado da depressão económica global, as garantias oferecidas por pequenas e médias empresas para os seus empréstimos também vão diminuir o de valor, e isso vai ser a causa de muitas falências e perdas de postos de trabalho.

Longe de indicar qualquer solução, o editorial de Bloomberg admite:

Há poucas coisas que os líderes do mundo desenvolvido podem fazer para influenciar o destino da China. Seria melhor para os Estados Unidos e o resto do mundo concentrar-se na limitação da própria vulnerabilidade. Quanto mais manterem um crescimento próximo de zero, tanto mais correm o risco de cair em recessão no caso dum choque repentino, como uma Síndrome da China.

Em outras palavras: em vez de ser capaz de salvar o capitalismo mundial, a própria China está rapidamente a tornar-se uma fonte de grande instabilidade económica, alimentando a crise mundial.

Artigo relacionado (6 de Outubro de 2011): A China partiu-se?

Ipse dixit.

Fonte: WSWS via Mondialisation, Bloomberg

2 Replies to “E se também a China…?”

  1. "E se também…" é mais "Já não falta muito para a China…"

    Tudo uma simples questão de tic-tac… estão todos a ir na mesma direcção, apenas tomaram caminhos diferentes. Uns chegam ao destino mais depressa, outros demoram mais um pouco… mas ter paciência e esperar!

  2. Alguém me explica isto?

    Primeiro, o custo do trabalho aumenta, os jovens trabalhadores industriais exigem agora um padrão de vida e salários mais altos, e isso põe em causa o papel da maior plataforma global de mão de obra barata.

    Devido ao não-pleno-emprego, a tendência não é exactamente o inverso? As pessoas trabalharem por salários mais baixos devido à falta de emprego?

    Se efetivamente as pessoas andam a recusar em massa os serviços exploratórios, é sinal que estamos a evoluir.

    Um abraço,

    R. Saraiva

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