As coisas que este cão sabe… – Parte II

– Max, acorda.
– Eh? Mas que horas são? É tão escuro…volta a dormir Leo…
– Não posso, está vento.
– Credo, um cão que tem medo do vento, onde já se viu?
– Não tenho medo: é que o vento é malandro.
– Sim, sim, sem dúvida…que queres?
– Lembras da nossa conversa acerca da dívida?
– Sim, lembro…epá, mas são 3 da manhã, vai dormir, fogo!
– Dizia: as gavetas. Lembras? Só o Estado ou os Países estrangeiros podem injectar dinheiro “fresco” na gaveta dos privados, caso contrário o dinheiro que circula é sempre o mesmo e a riqueza não aumenta. Em Italia, nos anos ’50 e ’60, era só enriquecer: o empregado pedia um aumento de 50 e o padrão dava 100, isso porque todos compravam as mercadorias italianas e depois havia o dinheiro dos Americanos, muitos investidores.
– Leo, tu nem eras nascido na altura…
– Nem tu, mas “é só ler” como costumas escrever no blog. E depois havia os Comunistas que, apesar dos proclamas, faziam negócios com a Fiat e as maiores empresas não só italianas. Acorda.
– Sim, estou acordado…mais ou menos…
– Mas principalmente foram o Estado italiano, que gastou muito, e os Países estrangeiros que permitiram um verdadeiro “Bau” naqueles anos.
– “Boom”, não “Bau”.


– Tanto faz. Mas aqui surge uma pergunta.
– Ah, surge?
– Pois: donde vinha todo o dinheiro?
– Já disseste, foram os Americanos.
– Não sejas mais estúpido do quanto normalmente és.
– Pronto, faltava esta…
– Alguém tinha visto barcos carregados de notas italianas, as Lire? Eram importadas? Não, meu caro sabichão, não eram importadas, não vinham de fora.
– Então?
– Então era o Estado que imprimia as notas. E o Estado, onde buscava as notas?
– Onde?
– De lado nenhum: o Estado imprimia as notas. Pegava num papel, escrevia “Esta nota vale 1.000, assinado: o Estado italiano” e pronto, eis criado o dinheiro. É isso que ainda hoje acontece nos Estados Unidos, por exemplo, mas também no Japão, no Brasil, na China, na Suécia…Todos os Estados que ainda têm um moeda própria podem criar dinheiro, em teoria sem limites. O Estado italiano funcionava como funcionam ainda hoje aqueles Países: havia um administrador, o Ministro do Tesouro, e o banco do Estado, o Banco Central. E como gastava o dinheiro o Estado italiano?
– Como?
– Epá, puxa pela cabeça!
– Leo, é tarde! Ou cedo, já nem sei…
– O Estado não entregava o dinheiro aos cidadãos, nas ruas. Demasiado simples. E estúpido também. O Estado, pelo contrário, escolhia construir uma escola. Então chamava uma empresa e dizia: “Ó empresa, quero construir uma escola”. Uma vez concluída a obra (mas na maior parte dos casos antes disso), o Estado pegava nas notas acabadas de imprimir e depositava tudo na conta bancária da empresa. Esta, com o dinheiro, podia pagar aos trabalhadores e encomendar os materiais.
– …zzzzzzz…
– Acorda.
– Sim, estou acordado…
– Então, que tinha acontecido? Uma coisa simples: o Estado tinha imprimido dinheiro a partir do nada, tinha entregue o dinheiro à empresa, esta tinha pago aos trabalhadores (que assim puderam gastar) e aos fornecedores, os quais tinham outros fornecedores. Na prática, o Estado tinha injectado na gaveta dos privados dinheiro que tinha posto em andamento o motor da economia. Tudo sem que alguém tivesse que ficar mais pobre. Lembras do discurso da gaveta dos privados na qual em princípio ninguém pode ficar rico sem que outro fique mais pobre, não lembras?
– Eh? Sim, sim, uh, imaginas…mas não percebo: gasta aqui, gasta aí, afinal alguém fica sem dinheiro e entra em bancarrota, não é?
– Nada, este gajo não entende mesmo…Ó Max, tenta ficar concentrado, pode ser? Quem faz bancarrota se ninguém é credor?
– Eh?
– O Estado não contraia uma dívida para criar dinheiro, o Estado inventava o dinheiro a partir do nada. Como podes fazer bancarrota se não tens que dar nada a ninguém?
– Isso é verdade também. Queres um café? Já que estou acordado…
– Não gosto de café, sabes disso. Tens uma bolacha?
– Sim, vamos busca-la…
– Dizia: tu para viver tens que trabalhar. E trabalhar custa. Mas para o Estado era muito mais simples: era só acrescentar alguns “zero” numa conta e o jogo estava feito.
– Mas não é um esquema demasiado simples?
– E porquê? Desculpa, mas não é a mesma coisa que fazem os bancos com o sistema da reserva fraccionária? Ou achas que por cada nota que o banco distribui há o respectivo valor no cofre do banco?
– Não, isso não, sei como funciona a reserva fraccionária…
– O conceito é o mesmo. Com a única diferença que o Estado cria dinheiro e fica endividado consigo mesmo. Mas não entras em bancarrota se estás endividado contigo, não é? Este tipo de dívida está sempre a crescer: os Estados Unidos, por exemplo, estão em divida há 200 anos e ainda não faliram. E porquê? Porque não é uma verdadeira dívida, para o Estado esta é uma maneira de criar riqueza e pôr a funcionar o motor da economia. E mais: é a maneira mais natural. Todos os Estados funcionam assim, não há e nunca houve excepções.

– Ó Leo, mas que dizes? Estás a fazer um pouco de confusão, não é? E a dívida pública, então? Dizem todos que são as pessoas que têm de pagar aquela, caso contrário porque o nome dela é “pública”?Os Títulos de Estado, por exemplo…
– Minha Nossa Senhora do Ossos, quanto és ignorante.
– Ahé? Então como é que com os Títulos o Estado pedia dinheiro e depois tinha que devolver tudo com juros? Dinheiro verdadeiro, não inventado. Então se o Estado poderia imprimir todo o dinheiro do mundo, porque pedir a nós? Ó Leo, não faz sentido. Na televisão dizem que hoje este fardo é por causa disso, ontem fizemos a vida boa com o dinheiro da Dívida Pública, hoje temos que pagar, não é?
– Minha Nossa Senhora Virgem das Croquetes, não percebe mesmo. Ó Max, vamos ver se entendes, pode ser? O facto da Dívida do Estado chamar-se “pública” é um embuste. E-M-B-U-S-T-E. Aponta-te o termo. Um embuste inventado por quem tem todo o interesse em manter-nos nesta condição. Mas vamos com ordem, falamos da Dìvida Pública, aquela criada pelos governos anteriores, aquele número enorme, com muitos zeros. A Dívida Pública interna, aquela que achas que os cidadãos têm que pagar, pode formar-se de duas maneiras:
1. quando o Estado gasta dinheiro para nós, isso é, constoi estradas, escolas, bibliotecas, quando paga os ordenados e as reformas, etc.
2. quando vende Títulos de Estado.
No primeiro caso as coisas ficam como já dissemos: o Estado quer construir uma escola, chama uma empresa, e bau,bau, bau.
-“Bla, bla, bla”, não “bau, bau, bau”.
– Tanto faz. Como pode esta ser uma dívida dos cidadãos? Dívida em relação a quem? Alguém emprestou dinheiro? Não, nada: o Estado simplesmente imprimiu dinheiro, ponto final.
– Mas isso ficou claro.
– Milagre…No segundo caso: o que acontece quando um Estado vender um Título de Estado? Acontece que quem comprar o Título vê o dinheiro dele mexer-se duma conta onde recebia interesses ridículos para uma conta especial onde recebe mais. Ou seja: o cidadão recebe mais dinheiro, fica mais rico. Onde está a Dívida do cidadão? Não existe. A despesa do Estado (despesas mais Títulos) que gasta o próprio dinheiro nunca é dívida dos cidadãos, é sempre riqueza deles. É óbvio: recebem mais dinheiro na gaveta deles, a gaveta dos privados. Lembras do discurso das gavetas?
– Sim, lembro.
– E percebeste?
– Sim, mais ou menos…
– Então eis algo dum pouco mais complicado: na realidade, sabe o que acontece quando alguém comprar um Título de Estado? Por exemplo, imagina que tu compras um Titulo por 10.000 Euros. O que acontece é que os funcionários do Banco Central carregam numa tecla do computador que mexe o teu dinheiro da tua conta, que fica nos computadores deles, para outra conta, a dos Títulos de Estado, que fica sempre nos computadores deles. Só isso, nada mais. São sempre e só números que se mexem, não é o dinheiro real que passa de mão em mão.
– Ehi, pára: mas se eu comprar este raio de Título, tenho que receber o dinheiro no fim, com interesses também, ou não? Existe um dívida e eu sou o credor.
– Claro, o Estado tem que devolver o dinheiro, mas na verdade não há dívida.
– O quê?
– Ok, imaginas que os interesses fossem 10%. Em primeiro lugar, o Estado diz aos funcionários do Banco Central de carregar de novo nas teclas e o dinheiro , o teu dinheiro, volta da conta dos Títulos até a tua conta normal. E os interesses? 10% de 10.000 são 1.000, correcto?
– Correcto.

– Então o Estado imprime uma nota de 1.000 que logo deposita na tua conta. Ou, mais simples ainda, imprime outro Título, que vende a outra pessoa, e com o dinheiro do segundo comprador o Estado paga os interesses do primeiro. E ainda sobra muito dinheiro. Quando também acabar o prazo do novo Título, o Estado pode ou imprimir dinheiro novo ou emitir outro Título, com o qual paga os interesses do segundo comprador e assim pela frente. Neste caso diz-se que o Título é “renovado”, e o Estado pode renovar para sempre. Ou, como afirmado, pode imprimir mais dinheiro, pagar o Título com os juros e quebrar a corrente. Mas de facto o que acontece é que o Título é sempre renovado: a moral é que o teu Título é sempre honrado com o dinheiro do novo comprador.
– Mas se o Estado gastar o dinheiro dos Títulos, então depois não chega carregar nas teclas, os dinheiro já desapareceu…
– Não, absolutamente não. Dá aqui uma bolacha.
– Toma.
– Ora bem, não faz sentido. Mas desculpa, eu, Estado, que posso inventar todo o dinheiro que quero, tenho que fazer esta confusão toda com estes Títulos para pedir a ti o dinheiro que posso imprimir como e quando quero? Eu, Estado, gasto o dinheiro, depois peço a ti o teu dinheiro e após um certo período eu devolvo tudo com juros? Qual o sentido? Olha Max, quando um Estado emitir Títulos, faz isso como escolha, por motivos técnicos, nunca para encontrar dinheiro.
– Ó Leo, e as taxas? Pagamos a Dívida com os impostos, não é?
– Nada disso, os impostos nunca serviram para pagar alguma coisa. A Dívida do Estado NUNCA É PÚBLICA, não insistir! Explico-te as taxas numa próxima vez.
– Mah…
– “Mah” o quê? Ó Max, sempre contaram estas coisas ao contrário, e a razão é muito, muito séria. Não dá para brincar, nem eu que sou cão me atrevo…lembra só isso: a Dívida Pública é uma invenção, na realidade é dívida falsa para o Estado mas riqueza verdadeira para os cidadãos. Olha, acabou o vento. Então vou dormir.
– Como assim? E eu que faço agora que estou acordado?
– Sei lá eu, tu és o dono, és tu que mandas, não é? Atordoado…

Ipse dixit.

Links:
As coisas que este cão sabe… – Parte I
As coisas que este cão sabe… – Parte III

4 Replies to “As coisas que este cão sabe… – Parte II”

  1. Sempre pensei assim, como pode haver dívida se quem faz o dinheiro é o estado??
    Não faz e nunca fez nenhum sentido…

    Agora com relaçao a "virgem dos croquetes": hauHAUHAuHAUHUAhUHAUHAuHAUHUA

  2. Ja agora, dêm uma olhadinha no video em baixo. N, n eh uma manif wall street style, apenas cidadãos a dizerem o q pensam:

    Tá a acordar Mundo!!!

    Namaste

  3. Excelente analogia, Leonardo. Mas há uma coisa que me está aqui a mexer na cabeça: se um Estado pode criar todo o dinheiro que quer e o faz, isso não diminuiria o valor do dinheiro, aumentando a inflação?

    Os melhores cumprimentos:
    Archangel

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