Deuses e porcos: como vamos morrer

Enquanto estava a traduzir o GEAB, eis que os Deuses enviaram outro envelope.

Olha, uma outra visão do futuro! Grande sorte hoje…

Então vamos ler.

Querido Leonardo,

em anexo enviamos-te um dos possíveis futuros para os próximos meses.
Pode tornar-se realidade, pode não tornar-se: quem sabe?
Em qualquer caso, aqui fala-se do futuro dos Humanos: tu, como canídeo, podes ficar descansado, nunca vão faltar ossos.
Medita acerca disso.
Cumprimenta o outro também, como se chama?, Max, é isso.

Atenciosamente,
os Deuses.

Ok, então vamos copiar o texto original, para grande felicidade dos Leitores de Informação Incorrecta.

Querido Leo,

os Humanos são como os porcos: nada se deita fora, tudo se aproveita.

Na Grande Quinta do Mundo, nos últimos tempos, os porcos ficaram indignados por causa da exclusão: os outros comiam, bebiam, divertiam-se, e eles, a maioria, passavam o tempo à procura de comida, com grande esforço.

Mas quem eram “os outros”? Eram os Donos da Quinta. Há vozes, segundo as quais eles são porcos também. São ou eram, pois algo mudou neles. Nós, enquanto Deuses, conhecemos a verdade, mas, querido Leo, desta vez deixaremos que seja o teu arguto cérebro a procurar a correcta solução.

Agora o problema é que a Quinta tem de ser remodelada: é preciso mais espaço, tem de ser modernizada.

“E que fazemos?” perguntam os Donos, “Matamos alguns porcos para fazer espaço?”.
Isso não: pois, tal como dito, do porco nada se deita fora e tudo se aproveita.
Por isso: matança do porco.
Grande festa na Quinta!

Mas a Grande Quinta do Mundo é grande mesmo: como podem poucos Donos reunir tamanha vara? Seria uma empresa enorme. Melhor que sejam os porcos a dirigir-se até o matadouro. É mais prático. E, se bem convencido, até o porco fica mais feliz.

Em primeiro lugar, os Donos começam a fazer circular vozes: há por ai uma “mudança sistémica”.
O porco não é muito inteligente nem culto, por isso ao ouvir algo de sistémico fica logo preocupado.
É “sistémico”? Então significa que todo o sistema vai ruir. Ahi Minha Nossa, ahi que tempos, ahi que é o fim da Quinta!

O porco, coitado, não percebe que é ele mesmo a ser alvo da mudança sistémica, não a Quinta.
Doutro lado, se fosse inteligente seria um porco anormal. Uma aberração.

A prova da falta de inteligência reside também num outro facto: esta altura, altura da mudança sistémica, foi sabiamente organizada ao longo do tempo; mas o porco nunca tinha reparado nisso.

“Ò Sr. Dono”, perguntava de vez em quando, “porque está a abater o carvalho? Sem carvalho não haverá bolotas, e sem bolotas para procurar o que vamos comer nós?”.

“Fica descansado, querido porco”, respondia o Dono, “já passou o tempo da procura: agora as bolotas serão servidas a partir duma outra quinta, mais fresquinhas ainda, mais saborosas e com menor esforço para todos. Então o carvalho é abatido para que todos vocês possam gozar de mais espaço”.
“Que grande Dono que temos: um pouco malandro, se calhar, mas sabe o que faz”, pensava o porco e corria a espalhar a voz entre o resto da vara.

Alguém entre os mais desconfiados perguntava: “Mas qual outra quinta? Que eu saiba, somos a única quinta com bolotas aqui”.
“És sempre o mesmo”, respondiam os outros, “Não consegues aceitar a realidade: o Dono é melhor do que tu, o Dono é que sabe, tu não. Goza connosco dos novos tempos!”.

Isso foi o passado.
Agora é diferente: agora chegou a altura da grande mudança, a mudança sistémica.

Não apenas os Donos da Grande Quinta explicam que é tempo de mudar, mas os servos dos Donos também: o que está em risco é a mesma sobrevivência da Grande Quinta!

Querido Leo, como podes ver está tudo escrito.
Tu, como já dissemos, podes ficar descansado. Mas os outros, os Humanos…aquele estúpido do teu dono, por exemplo: poderá salvar-se? E os outros bípedes?

Em verdade, em verdade Nós dizemos: sei lá. As probabilidades são poucas.
Repara: ninguém se mexe. E quem diz: “Epá, meus senhores, fazer algo não é melhor de que ficar parado?” até leva na cabeça, é acusado de ser cúmplice dos Donos da Grande Quinta.

Os Humanos são assim, querido Leo, não há nada para fazer.
Mas agora continuemos, pois tens de saber como as coisas irão processar-se. É justo que assim seja, és um bom cão.

Em primeiro lugar, os Donos da Quinta vão salvar todo o património deles: todas as bolotas são reunidas nos armazéns fechados, o resto da comida é submetido a racionamento. E se uns porcos perguntarem “Mas porquê?” a resposta será: “Porque são tempos difíceis, temos que salvar o que pode ser salvo: poupamos agora, até sofremos um bocado, para poder viver melhor depois”.

E os porcos pensam: “Grande sorte a nossa, temos Donos previdentes”.

A seguir, as bolotas serão cada vez menos: simplesmente serão retiradas. O que tornará os porcos bastante enervados.
“Ò Dono, mas sem bolotas não podemos comer!”
“Verdade, meu querido porco, tens razão: mas, como podes ver, a culpa não é nossa, é das outras quintas que já deixaram de produzir e exportar bolotas; e, dito entre nós, há por aí outros Donos que não querem compartilhar as bolotas que ainda têm”.

Na terceira e última fase do plano os Donos mudam o nome do Matadouro e com tinta vermelha escrevem “Direcção” por cima do portão. Porquê?
Porque os Donos sabem que no meio da vara há desapontamento. E não apenas não tentam acalmar isso, mas contribuem para que o mau humor aumente, cada vez mais. Por exemplo, com porcos corruptos que espalham notícias falsas ou tendenciosas.

“É culpa dos Donos, isso é que é.”
“Vejam, irmãos, eles fazem boa vida e nós aqui, cada vez com menos bolotas: ouvi dizer que na Direcção há cofres delas”.
“Irmãos, é altura de escolher: ficamos aqui ou vamos fazer algo?”

Os primeiros porcos ocupam parte da Grande Quinta, mas na verdade está tudo controlado. E, sobretudo, não é ainda a altura certa. Ainda há porcos que dizem “Não, os Donos sabem o que fazem e uma solução será encontrada, tenham fé”.

Outros, por fim, têm uma ideia um pouco esquisita: pensam que tudo não passe duma manobra dos Donos, que tudo seja falso. Mas, em vez de mexer-se, dizem: “Eu não me mexo, é tudo inútil”.

Outros ainda, os menos numerosos, pensam o mesmo mas dizem: “Ainda há possibilidade, vamos agora, não esperemos para o último minuto, porque será demasiado tarde”. Mas levam na cabeça, são acusados de ser cúmplices do Donos e até irritam os outros ao dizer certas coisas..

Assim chega o Dia dos Dias: perante um número cada vez mais reduzido de bolotas, já amplamente insuficientes, a raiva explode e os porcos, todos juntos, rumam em direcção da Direcção, com as caras feias.

No meio da confusão, ninguém já lembra do antigo Matadouro, de como este fosse muito semelhante a esta nova Direcção. Até o interior era muito, muito parecido: mesmos instrumentos de tortura, mesma disposição…

Mas que importa? É tempo de Revolução, é tempo de Mudança. Alguns porcos irão morrer, outros ficarão imóveis: mas todos, sem exclusões, sofrerão as mudanças.

Seja feita a vontade da vara.

Querido Leonardo, este é o futuro. E entre os possíveis futuros, este é aquele com maiores probabilidades de tornar-se realidade.

Quando? Não falta muito.
Confia no teu faro, ele sim que acerta.

E fica descansado: tu és cão, não porco.

Bom, Leitores, esta é a reprodução fiel do texto enviado pelos Deuses.

O que possa significar, não entendo: é algo que me ultrapassa em termos de capacidades.
Afinal, não passo dum porco numa Grande Quinta.
E até haver bolotas posso ficar descansado.

Ipse dixit.

5 Replies to “Deuses e porcos: como vamos morrer”

  1. Poxa Max, Vai ver é isso, somos aberraçoes, nao deveriamos desconfiar, só aceitar, acho que vou desligar o computador e ligar a Tv, aposto que em pouco tempo serei feliz igual eles parecem, sem saber de nada…
    É vai ver é isto que vou fazer.
    No fim nada irá mudar mesmo.
    Nao sei se tu chegou nesta resposta por estes dias, mas eu já convivo com ela a anos…

  2. Max,
    aqui está uma coisa que vai gostar:

    TRABALHO INTERNO

    Está concorrendo a OSCAR de melhor documentário. Precisamos prestar atenção quando for lançado.

    abraço

  3. Isto só tem um grande inconveniente… para PORCOS como eu que não acreditam nem em DEUSES nem nos DONOS, como fico?

    Se calhar vou ser transformado em PRESUNTO SALGADO…

  4. É a velha história da Ratolândia. Os ratos pensam como os porcos e os porcos como os ratos. Esse é o problema. Pagar para ver, pode sair muito caro. Para mim, esta historia só faz sentido. Basta observar o comportamento dos porcos.

  5. Max,

    Teremos cenas de filme de terror quando nossa ração sumir das petshops. Qual a porcentagem de humanos nas grandes cidades? Quantos desaprenderam a cultivar a terra ou nunca souberam? Eu inclusive.

    O pior será o dia que os porcos resolverem comer as bistecas, os toucinhos, uns dos outros. Há vasto material cinematográfico a respeito.

    Walner.

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