Os limites da Ciência e a nova Idade Média

Ao ver uma corrida de automóveis na televisão somos constantemente informados acerca da posição e da velocidade de cada carro. O que dá jeito.

Agora, imaginem que o comentador diga:

Queridos telespectadores, informamos que a partir deste preciso instante será possível determinar apenas a velocidade dos carros mas não a relativa posição. Em alternativa, ao carregar a tecla vermelha do vosso comando, podem descobrir qual a posição do vosso piloto favorito mas não a velocidade dele.

Aborrecido, não é? Mas é isso que se passa na mecânica quântica. De facto, o que acabamos de descrever é o principio de indeterminação de Heisenberg, formulado em 1926: podemos conhecer a posição duma partícula mas não a velocidade dela; ou, em alternativa, podemos descobrir a velocidade mas não a posição.

Complicado? Parece, pois isso é contrário à nossa experiência do dia a dia. Mas não é.
Eis uma simplificação extrema para explicar este que é um dos princípios básicos da mecânica quântica.

A lupa e a barata

Cada vez que efectuamos uma observação, utilizamos a luz (energia) para ver. Ao observar um objecto “grande” isso não cria problemas: é o caso dum carro em movimento. Mas se começamos a estudar coisas cada vez mais pequenas, então tudo muda.

Ao estudar objectos extremamente pequenos (menores do que um átomo, por exemplo), surge um problema: a energia que utilizamos para a nossa observação altera a condição do objecto observado.

Seria um pouco como estudar uma barata com uma lupa de quatro metros de diâmetro: a barata ficaria esmagada pelo peso da lupa.

Nesta condição, ou determinamos a velocidade da barata (mantendo a lupa afastada, mas sem a possibilidade de ver o ponto exacto onde a barata fica), ou escolhemos a posição (que será o ponto onde fica a barata esmagada pela lupa) em detrimento da velocidade (pois a barata morta não corre).

Tá bom, mas afinal qual o problema?
O problema é que isso é exactamente o contrário da nossa experiência do dia a dia: um navegador GPS não tem problemas em determinar a posição do nosso carro e a relativa velocidade.

Da mesma forma, a ciência semeia muitas certezas quando baseada na física clássica, mas encontra dificuldades ao entrar no mundo do infinitamente pequeno: este é o reino da mecânica quântica.

Ao ponto que hoje não existe uma teoria que consiga unificar a física clássica com a mecânica quântica.

Na relatividade (baseada nas teorias de Albert Einstein), o movimento é algo de contínuo, bem definido: um objecto parte do ponto A e chega ao ponto B. Mas na física quântica isso não é verdade, pois o movimento é descontinuo e não bem definido. As duas teorias não parecem conciliáveis.

Os limites do génio

Albert Einstein sempre olhou para a mecânica quântica com desconfiança. Ele, génio reconhecido, foi o melhor exemplo das limitações humanas: era um homem de ciência, mas as suas raízes ficavam no século XIX (embora, na verdade, Einstein teve a rara capacidade de ir muito além do tempo dele); e, enquanto homem de religião, não conseguia aceitar plenamente uma teoria que deixava o acaso ser (ou parecer) determinante.

Na mecânica quântica, por exemplo, assumem fundamental importância as “predições” (isso é, a estatística): nós podemos “prever” com base estatística um determinado número de soluções, mas nunca será possível ter em antecipação a rigorosa certeza do resultado.

Einstein entendia que a mecânica quântica obtinha resultados correctos, mas percebia isso como uma espécie de abstração, pois os resultados não estavam ligados a dados certos determinados a priori mas a uma previsão meramente estatística.

De facto, a mudança mais radical introduzida pela mecânica quântica interessa o conceito de ordem, fruto das teorias de Isaac Newton (séc. XVII): o princípio de indeterminação de Heisenberg torna impossível “ordenar” de forma pormenorizada o espaço e o tempo.

Ao aplicar a mecânica quântica na teoria da relatividade no mundo sub-atómico (distâncias infinitamente pequenas), as nossas ideias de tempo e espaço quebram-se, perdem validade.

A física clássica sugere um mundo onde a realidade é feita de pequenas partículas que dividem o mundo em elementos independentes. Um átomo de hélio, por exemplo, é constituído por um núcleo de dois neutrões e dois protões, com dois electrões que rodam.

A mecânica quântica sugere que o electrão não exista de forma contínua, mas seja algo que apareça, para depois “sair” e “voltar” outra vez, num ciclo contínuo. “Sair” para onde? Este é o grande desafio: “sair” para o espaço, que é o ambiente natural do electrão e do qual não pode ser separado.

Num conhecido experimento, uma partícula é disparada contra uma “parede” que contem duas aberturas. A partícula embate contra a parede, parte-se e as duas metades travessam a parede cada uma numa abertura diferente.

A nossa experiência ensina que nesta altura as duas metades são objectos distintos e separados; mas na mecânica quântica isso não é verdade: as duas metades continuam ligadas e têm as mesmas reacções mesmo uma vez quebradas, como se ainda estivessem unidas.

A nova Idade Média

A mecânica quântica demonstra assim que a ciência está longe de poder explicar toda a nossa realidade. E realça os limites da física clássica:
– a astronomia estuda o espaço mas não sabe o que é o espaço;
– a biologia estuda a vida mas não sabe o que é a vida;
– a medicina combate a morte mas não sabe o que é a morte;
– a história estuda os eventos no tempo mas não sabe o que é o tempo;
– a física estuda a matéria mas não sabe o que é a matéria.

Mais no geral: a ciência moderna esquece (ou gosta de esquecer) que assim como houve uma ciência do século XIX, haverá uma ciência do século XXII, XXIII, XXIV…A estrada que estamos a percorrer não será a última.

Mas isso não significa recusar em bloco tudo o que foi descoberto e percebido até hoje. Se o Leitor pode ler este artigo, comodamente sentado em sua casa, perante um ecrã, é porque a ciência conseguiu isso.

As teorias de Newton continuam válidas quando aplicadas em sistemas restritos como no caso do sistema solar (em verdade, mesmo no interior do sistema solar, as leis da gravitação de Newton encontram limitações); a relatividade geral permite uma visão de maior alcance, fornecendo vislumbres acerca da realidade de conceitos como o do “tempo”; a mecânica quântica, além de aplicações práticas (laser, microscópio electrónico, super-condutores, transístor), abre novos campos que hoje podemos apenas imaginar (universos paralelos, por exemplo).

Do meu ponto de vista, o maior delito da ciência é ter focalizado a própria atenção em assuntos exclusivamente materiais e ter assim posto de lado uma outra realidade, que desde sempre acompanhou o Homem: a realidade do invisível.

Não é apenas religião, é algo mais. E as muitas crenças que florescem (as igrejas, as seitas, a fé no sobrenatural e inexplicável) demonstram que o Homem necessita disso, sendo uma componente não secundária de cada um de nós. A Ciência, tal como entendida até agora, não consegue satisfazer todas as nossas necessidades.

Acho que no futuro a nossa época será observada como uma nova Idade Média: se na primeira o “sobrenatural” tinha afastado quase por completo as pesquisas científicas, na nossa Idade das Trevas acabámos com o cair na armadilha oposta: tudo é Ciência e o que não pode ser explicado cientificamente não existe. Ou ainda pior.

Sentimentos? Não, doenças

Pegamos num conceito aparentemente simples, o conceito de Amor. Como é que o mundo científico descreve este sentimento?

Wikipedia (o negrito é meu):

Na área da neurobiologia, existem estudos apoiados em resultados de eletroencefalografia e no registro das correntes elétricas que ocorrem no cérebro durante o estado “paixão”, comprovam que apresenta a mesma elevada atividade como aquela registrada durante a libido.
Quando alguém se apaixona registra-se maior produção de dopamina, responsável pelo estado de euforia, adrenalina, responsável pela excitação, a endorfina, pela sensação de felicidade e bem estar e finalmente eleva a testosterona que contribui para a maior apetência sexual. 
Simultaneamente são libertados substâncias químicas, os feromônios ou feromonas que exercem atração olfativa em animais da mesma espécie. Por outro lado diminui drasticamente o nível de serotonina, o que faz com que o estado “estar apaixonado” se assemelha ao estado registrado durante outras doenças psíquicas.
Por isso muitos apaixonados se comportam mais impulsivamente, sem inibição como se estivessem fora do seu controlo racional. Após alguns meses, o corpo se acostuma as estas elevadas doses (segundo a OMS dura no máximo 24 a 36 meses) e diminui gradualmente a “intoxicação” do cérebro.

Simplesmente não explica, pois é incapaz de fazer isso. Fala de hormonas, de correntes eléctricas, de atracção olfactiva, até chama em jogo as doenças psíquicas e a intoxicação, pois a Ciência irrita-se perante coisas que não entende. Só não pode negar o Amor porque as pessoas, teimosas, continuam a amar.

Mas em vez que reconhecer os limites da doutrina científica (a Ciência não consegue explicar o Amor), afirma-se que o que não pode ser experimentado nos laboratórios não pode ser real e, nos casos mais complicados, eis que entram em cena hormonas e doenças.

O ciúme, por exemplo:

O ciúme patológico é visto pela psiquiatria como uma espécie de paranoia (distúrbio mental caracterizado por delírios de perseguição e pelo temor imaginário de a pessoa estar sendo vítima de conspiração). Para o ciumento, a fronteira entre imaginação, fantasia, crença e certeza se torna vaga e imprecisa, as dúvidas podem se transformar em ideias supervalorizadas ou delirantes.

Concordamos: o ciúme é negativo, mas não é uma doença, é um sentimento.

Raiva:

A raiva é como uma doença que vai corroendo de dentro para fora, e que causa diversos prejuízos físicos, mentais e espirituais para o próprio enfermo e para as pessoas que a este acompanham.

Pronto, eis outra doença. Parece que qualquer forma de emoção afinal não passe dum estado patológico. O que na Idade Média era obra do Diabo, agora é obra das doenças. E como na Idade Média a cura era a Igreja, hoje temos a Ciência.
 
Como diziam os Romanos? In medio stat virtu, a virtude está no meio.
Pois.

Ipse dixit

5 Replies to “Os limites da Ciência e a nova Idade Média”

  1. Felizmente o Homem tem sempre tanta coisa para descobrir. Afinal, acho que é isso que nos move – o querer conhecer e saber mais.

    A Mecânica Quântica tem muitas cartas para dar, tal como a descoberta "ciêntifica" de fluídos e matérias em outros níveis de eteriedade. Fluídos estes já conhecidos no Espiritismo e as áreas que abordam o Magnetismo (podem pesquisar o Passe, Imposição das Mãos, Médiuns Passistas, Reiki, entre outras coisas).

    Grande abraço,
    — —
    R. Saraiva

  2. Excelente post, Max!

    Podemos dizer que a ciência moderna é de certa forma uma religião, questioná-la é heresia.

  3. Bons posts caro blogger.

    Tenho uma teoria desde que estudei Física no 11º e 12º ano, e que nenhum professor me contradisse:

    Nas condições de temperatura de 0º absoluto (-273ºC) não há lugar à passagem de energia potencial a energia cinética, ou seja, não há movimento, os átomos estão num estado de matéria que seja transitório ou não, leva a que acumulem energia potencial, mas… muito quietinho no espaço.

    E se se pudesse usar este estado de matéria para então usar os focos de electrões e direccioná-los aos
    átomos que estão muito sossegadinhos no sitío, mas a acumular imensa energia potencial, o que aconteceria???

    São só pensamentos como este que me ocorrem de manhã enquanto faço a barba ou quando estou a meter gasóleo no carro…

Obrigado por participar na discussão!

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