Ontem estava a fixar o ecrã e a pensar: “Inacreditável: as Mentes Pensantes conseguiram pensar”.
Uma coisa que faz em certo efeito, até para um ex-europeísta convencido como eu: já havia motivos para sair na rua, começar a buzinar, lançar foguetes.
Na televisão era anunciado não um plano de salvação mas directamente “A Salvação”, as Bolsas davam saltos em frente nunca vistos enquanto os jornais fadigavam a encontrar adjectivos hiperbólicos com menos de 32 letras.
Problema: onde raio estava o texto do acordo?
Porque uma coisa é ler os proclamas das Mentes Pensantes, outra coisa é ler o seu pensamento, preto no branco.
E eis o que realmente as Mentes deram à luz.
Além do empréstimo de 110 mil milhões de Euros do ano passado, concedidos pela UE e FMI, eis que começa um novo plano, sempre da dupla maravilha UE-FMI, de 109 mil milhões de Euros.
E não é possível realçar como de facto na Grécia as coisas estejam bem melhores: em 2010 foram 110 mil milhões, em 2011 só 109 mil milhões.
Com este ritmo, em 2119 a Grécia terá uma dívida de apenas 1.000 milhões de Euros.
Milhares de milhões como se chovesse. Sempre em dívida.
Pois dinheiro não há. Por isso: dívida.
Transferimos as dívidas dos bancos insolventes para os Estados e agora passamos a mesma aos super-estados. São dois anos e meio que continuam assim, a ninguém passa pela cabeça que se calhar o esquema não funciona?
O único resultado obtido, como sempre, é adiar o desastre; e piorar as coisas, claro, pois não podemos esquecer os juros.
Ah, pois, os juros.
Até o sector bancário (bancos, fundos de investimentos, seguros e fundos de pensões) vai participar no esforço de resgate com uma base voluntária, através operações de debt-swapt, rollovers e buy-back.
O montante total estimado é de 37 mil milhões de Euros até 2014 com as duas primeiras opções, mais 12.000 milhões com o buy-back.
Resumindo: os Estados não têm um tostão, por isso pedem a ajuda dos privados. É mesmo este o termo utilizado nos proclamas: “privados”. E que tal chamar as coisas com o nome deles? “Bancos”, por exemplo?
Pois os únicos que têm capacidade para pagar contas destas são….. (rufar de tambores) bancos e seguradoras, instituições conhecidas pelo vício de ajudar o próximo sem pedir nada em troca.
Esta é a parte do plano que pode levar ao juízo de “default selectivo e parcial” das agências de rating, pois o contrato é alterado, causando uma perda de dinheiro.
O que as Mentes Pensantes tentam dizer é que foi actuada uma pequena renegociação da dívida. “Pequena” porque são cortados os juros (não o capital em dívida) e porque boa parte da operação tem como base a “voluntariedade” dos bancos.
Eu teria desfrutado a ocasião para uma renegociação “em grande”, mas as Mentes Pensantes não querem dar a impressão duma bancarrota. Que dizer, Grécia, Irlanda e Portugal estão falidos, todos sabem disso, mas ninguém pode dize-lo, apenas pensa-lo.
Lógico que perante uma renegociação (pequena ou grande) as agências de rating que fazem? Falam em default.
Porque são más? Não, simplesmente porque uma renegociação é uma bancarrota.
Pensamos nisso: eu tenho uma dívida de 100, vou até o meu credor e digo “Caro o meu credor, posso devolver-te o dinheiro não na próxima semana mas no próximo ano e com os juros um pouco mais baixos? Ah, e já que falámos nisso, não querem ajudar-me voluntariamente, sei lá, ao comprar o meu carro velho por exemplo?”.
Mas porque peço isso? Porque não tenho dinheiro, isso é, estou falido.
Se e quando será emitido o juízo de “default seletivo “, o BCE não poderá usar os Títulos gregos como garantia dos empréstimos aos bancos gregos.
Para remediar a esta situação, o acordo prevê que sejam os Estados-Membros a dar ao BCE as garantias necessárias, através do fundo de resgate (EFSF) criado em 2010 para emprestar dinheiro nos casos da Irlanda e Portugal. Por alguns dias de default selectivo são estimadas como necessárias garantias entre 20 e 30 mil milhões de Euros
Isso é brilhante. O Banco Central Europeu utiliza os Títulos gregos como garantia dos empréstimos…aos bancos gregos! Mas qual garantia podem dar os Títulos dum País falido?
Faz lembrar a história do marinheiro sarraceno que agarrou-se pelos cabelos, puxou para cima e ao faze-lo ficava levantado da terra de cerca 3 metros. Sozinho.
Com a diferença que, neste caso, alguém acaba com pôr as mãos nos bolsos dos cidadãos.
E aqui fica explicado o porquê das Mentes Pensantes recusarem a ideia da bancarrota: no caso de incumprimento, o BCE não poderá continuar com este esquema: a Grécia estará oficialmente falida e como podemos utilizar como garantia os Títulos dum Estado que oficialmente não tem dinheiro?
Solução: o EFSF, o fundo de resgate.
Aumenta a flexibilidade do Fundo de Resgate, que pode agir de forma a financiar a recapitalização das instituições financeiras com empréstimos […] e comprar a dívida dos Países em dificuldades.
Então, mais poderes para esta organização supranacional, composta, é bom lembrar, por pessoas nomeadas, não eleitas.
Cada vez melhor.
E quem vai dar ao EFSF o dinheiro?
Isto pode ser feito somente se o BCE considerar a existência de circunstâncias excepcionais e com a unanimidade dos governos.
A unanimidade dos governos? Mas se nem conseguiam acordar-se acerca da data da reunião! E que significa “evento extraordinário”? Deve ser algo de terrível mesmo, o equivalente económico do 11 de Setembro.
Assim, quem fornece as garantias são agora os Estados Membros.
Eu, Portugal (que estou falido), garanto os empréstimos aos bancos da Grécia, outro País falido.
Não é maravilhoso?
A intervenção do Efsf no mercado secundário (para o qual será precisa uma alteração dos estatutos) vai proporcionar alívio aos bancos que têm na carteira títulos depreciados dos Países em crise. Segundo os observadores, é um primeiro passo para a criação dos Eurobonds.
Ok, e quem paga este Eurobonds? Ah, vamos vende-los no mercado primário, justo. Outra dívida. Funciona.
Devemos lembrar o que aconteceu na Bélgica quando decidiu emitir Títulos públicos federais? Todos começaram a comprar Títulos públicos federais e pararam de comprar os Títulos dos vários Estados federais, assim o governo federal teve de intervir.
Qual mente doentia pode imaginar a criação de Títulos europeus na altura em que no mercado há também (em quantidade quase ilimitada) os Títulos dos vários Estados? Quem será assim estúpido de comprar um Título da Grécia (mas também de Portugal, Irlanda, Espanha, Italia, Bélgica, França…) quando no mesmo mercado podem ser encontrados os Títulos garantidos pelo Banco Central Europeu?
A duração dos empréstimos aos Países em dificuldade, como a Grécia, Portugal e Irlanda, passou de 7,5 a 15 anos. Ao mesmo tempo, a taxa de juros é reduzida de 4,5% -5,8% para cerca de 3,5%.
Dívida. Sempre dívida. Com juros menores e prazo mais longo.
Em vez de ficar com uma dívida ao longo dos próximos 7 anos e meio, a mesma dívida fica para 15 anos.
Eis explicado porque utilizei o termo de “pequena renegociação”: aqui ninguém fala de cortes no capital, ninguém fala na redução (nem que seja “voluntária”) do montante devido.
E seria interessante pegar numa calculadora e ver qual a diferença entre juros de 5,8 % em 7 anos e meio e juros de 3,5% em 15 anos.
Mas é Sexta -feira. vamos em frente…
Mas o trabalho? Ninguém fala no trabalho? Porque a dívida é sagrada, tudo bem , mas alguém terá que trabalhar para pagar, ou não?
O objetivo é promover o emprego e o crescimento na Grécia através duma utilização revista dos fundos estruturais europeus de mil milhões de Euros.
Ohhh, finalmente algo interessante.
Os Leaders estão empenhados em aprovar rapidamente o pacote acerca da nova governance económica que reforça o pacto de estabilidade e introduz novas ferramentas na vigilância do orçamento.
Governance.
Mais poderes a uma elite não eleita, mas nomeada.
Duas vezes em poucas linhas.
Bingo.
O acordo prevê que a Comissão Europeia apresente uma proposta para reduzir o peso das agências internacionais de rating.
Ou seja, a Comissão dará recomendações dietéticas.
E as agências, entretanto, já decidiram:
Fitch declarou que o rating dos títulos de Estado gregos serão postos em default após a ratificação do acordo do Eurogrupo para salvar Atenas.
Pois: as dietas com os Americanos não funcionam.
O Primeiro Ministro de Portugal, Pedro Olha que Passa um Coelho (ou algo de parecido):
Portugal sai de Bruxelas com melhores condições para cumprir programa
Ma vaffan…(auto-censura)
Ipse dixit
Fontes: Informazione Scorretta, Wall Street Italia, Corriere della Sera, Público