Um Nobel sabe

Há pessoas que sabem e outras que não sabem.
É por isso que existem os especialistas.

Nós não sabemos, por isso dependemos das pessoas que sabem. Estas passaram a vida a estudar, a preparar-se, a pensar. Por isso, quando falam, temos que ser humildes e aprender.

E se o especialista em questão até ganhou um Nobel? Neste caso o silêncio é de ouro: cada sílaba tem de ser gravada, pois um Nobel não é estúpido e sabe o que diz.

Paul Samuelson nasceu em Gary, uma pequena cidade do Indiana, Estados Unidos, em 1915, duma família israelita.
Conhecida Gary por via das empresas siderúrgicas e pela alta taxa de criminalidade, Samuelson tinha a possibilidade de trabalhar perto dum alto-forno ou nas ruas da violência.
Escolheu simplesmente não trabalhar e ser economista.


Mais tarde, a Academia Real Sueca reconheceu o sucesso nesta área e premiou Samuelson com um Nobel, primeiro entre todos os economistas americanos, com a seguinte justificação:

fez mais do que qualquer outro economista contemporâneo para elevar o nível das análises científicas na teoria económica.

O New York Times falou dele como o “primeiro entre os economistas do 20º século”.

Cum caraças! Um economista e peras (a propósito: alguém pode explicar-me esta coisa das “peras”?).

Mas que disse Samuelson? Quais os seus profundos pensamentos?

Na edição de 1973 do seu famoso livro Economics, afirmou que a União Soviética tinha, na altura, rendimentos per capita de cerca de metade dos Estados Unidos, mas previu que teria alcançado o mesmo valor em 1990 e quase certamente ultrapassado os EUA em 2015, precisamente por causa do seu sistema económico superior.

Eis alguns excertos das Samuelson-teorias, da obra prima The Road to Serfdom, 1985 :

Cada economia tem as suas contradições […] O que importa são os resultados e sem dúvida o sistema de planeamento soviético tem sido um poderoso motor para o crescimento económico.

Eh sim, de facto o que conta são os resultados. E a economia soviética era poderosa mesmo. Doutro lado, quando um sistema económico é superior, há bem pouco a fazer.

Todavia algumas pessoas de baixo nível, ignorantes e invejosas, faziam notar que a URSS não estava tão bem e que se calhar era até possível falar em pequenos problemitos.

Na edição de 1989, Samuelson respondeu às criticas com a força da inteligência e da observação.

Ao contrário do que muitos céticos acreditavam antes, a economia soviética é prova de que […] uma economia socialista pode funcionar e até mesmo prosperar

Toma.
Infelizmente, Boris Yeltsin, na altura Presidente da União Soviética, era entre os que não gostavam das teorias de Samuelson e por isso declarou extinta a antiga URSS, só por despeito.

Mas Samuelson não percebia apenas da União Soviética.Os seus conhecimentos abrangiam boa parte do saber humano.

Na página 495 do já citado Economics, lembra-nos como uma agência do monopólio da violência (a Federal Reserve), caso tivesse que escolher entre prosseguir o lucro e ajudar o interesse público, definitivamente teria escolhido o último. Sem pestanejar.

Uma visão que parece estranhamente distante daquela de Alan Blinder (ex-vice-presidente da Federal Reserve), segundo o qual : “A última coisa que um banqueiro central deve fazer é dizer a verdade às pessoas.”

Enfim, pontos de vista.
Mas em quem acreditar?

A resposta surge clara e cristalina: em Samuelson, que já antes tinha dado provas duma extraordinária lucidez unida a uma invulgar capacidade de previsão.

Eis uma das suas profecias, contida na monumental obra Full Employment after the War, de 1943:   

Quando esta guerra acabar, mais do que um em cada dois trabalhadores dependerá directa ou indirectamente das ordens militares. Teremos cerca de 10 milhões de homens para colocar no mercado de trabalho. Enfrentaremos um período difícil durante o qual os actuais bens não poderão ser produzidos e serão muitos os despedimentos.[…]

A conclusão final que tem de ser obtida a partir da nossa experiência da última guerra é inevitável: se a guerra tivesse que acabar repentinamente dentro dos próximos seis meses, se tivéssemos que acabar com o nosso esforço bélico depressa, desmobilizar as tropas, acabar com os controles dos preços, passar de deficit astronómicos para deficit superiores aos dos anos trinta, então começaria o período de maior desemprego e deslocamento visto em qualquer economia.

E sabemos como a história acabou: uma vez terminada a guerra, os Estados Unidos precipitaram numa profunda crise, pobreza mesmo, da qual começaram a ressurgir apenas graças aos esforços do Presidente G. Bush (o filho) e à empresa de demolições controladas dele.

Não acaso Paul Samuelson, prematuramente falecido em 2009 com 94 anos de idade, é ainda hoje considerado um dos economistas mais iluminados, cujas teorias são amplamente debatidas nas faculdades económicas do planeta.

Se o mundo é um lugar maravilhoso, isso deve-se também ao trabalho deste grande homem.

A única esperança é que não haja muitos outros assim.

Ipse dixit.

Fontes: Freedonia, Rischio Calcolato

2 Replies to “Um Nobel sabe”

  1. olá Max: louvo tua iniciativa de desconstruir a suposta sapiência dos donos do saber, daqueles que o poder autoriza para aí apontar: "aqui está o lugar possível do saber!". Então o sujeito sai da academia para a glória conhecida do Nobel. Mas tenho dúvidas…Lembro de Pierre e Marie Curie que também sairam da universidade e, acredito que com justiça foram destacados com o Nobel. Talvez outra época, talvez a história do Nobel não estivesse tão comprometida com os interesses dos podres poderes. Sabes sobre isso um pouco mais? Me irrita profundamente como as pessoas em geral reverenciam os títulos e condecorações, como se toma como verdade qualquer imbecilidade dita de um certo lugar destacado e como têm dificuldade de entender como saber os frutos da experiência vivida, o conhecimento auto didata. E como isso tudo atrapalha as manifestações inteligentes daqueles que são inferiorizados por não compartilharem dos espaços de eleição do conhecimento. Se sabes a cerca dos nobéis através do tempo e de como e porque chegaram a ser nobéis, considera a possibilidade de nos contar a respeito. Garanto que eu,W. taxista do Rio, Observer e outros tantos vamos apreciar!Garanto que LEO – grande filósofo autodidata – compartilha da minha irritação.

  2. Olá Maria!

    Verdade: a gloria é muitas vezes alcançada não apenas por causa dos próprios méritos mas por uma série de circunstancias quais o facto de conhecer as pessoas certas, frequentar os lugares certos e outras amenidades.

    Um dos casos mais tristes é representado pelo prémio da Académica Real da Suécia: o Nobel vale o que vale.

    Barack Obama Nobel da Paz? Está tudo dito.

    Vice-versa, há pessoas que permanecem no anonimato, apesar dos trabalho e dos resultados conseguidos.

    Depois, claro, há casos "normais". pessoas que obtêm o reconhecimento que de facto merecem.

    História de Nobéis? Com certeza, há. E a primeira que consigo lembrar é uma Nobel italiana, Rita Levi Montalcini, cujo Nobel envergonhou o País.

    Proximamente, neste mesmo canal 🙂

    Abraço!

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