Espanha, Italia, mas não só: os rapazes da Puerta del Sol e de Milão são apenas a ponta do icebergue, pois há um profundo mau estar na Europa. Estamos a observar o fim da pacto social.
Ao longo dos anos, este pacto fez a fortuna de muitos Países, na prática de todos os Países que hoje são parte da União Europeia.
Mas agora o sistema deixou de funcionar. E não apenas no âmbito europeu, mas também num nível mais baixo, o nível nacional.
Pacto social. Porque de facto havia um pacto; nunca abertamente declarado, mas existia. E era o seguinte: uma parte dos nossos proventos são destinados para a formação da classe média, que representa o futuro do continente.
Eis o simples acesso à escola e à universidade. Eis uma série de “paraquedas” sociais para que o espectro da pobreza ficasse afastado. Eis os olhos fechados perante condutas empresariais não propriamente limpas, sobretudo nas mais pequenas das sociedades.
Assim nasceram os milagres económicos italiano, franceses, alemão, espanhol.
E assim, mais tarde, nasceu a União Europeia, quando ainda o nome dela era CEE.
Querem construir uma autoestrada? Peçam 100 e Bruxelas responderá com 150.
Esta riqueza tinha um custo, que era projectado para o exterior. Pois o nosso crescimento fazia vítimas nos Países mais pobres, o chamado “Terceiro Mundo”. As riquezas eram literalmente rapinada na África ou na Ásia e depois distribuídas no mundo ocidental.
Problemas? Não muitos. Até a classe dos trabalhadores participava neste roubo, mas o facto de votar na Esquerda ajudava a limpar as consciências.
Depois algo aconteceu. O quê?
Simplesmente, alguém decidiu que o jogo já era suficientemente velho e que tinha chegado a altura de mudar as regras. Este Capitalismo de rapina (pois é, já na altura o Capitalismo autêntico não existia) foi substituído por algo de novo: antes o Turbo-Capitalismo, abaixo do qual escondeu-se o nascimento dum novo sujeito económico, que ainda não tem nome. E que é a condição na qual vivemos hoje.
Ao mesmo tempo, o Terceiro Mundo começou a deixar de ser tão Terceiro. Paradoxalmente, com as armas mostradas pelos Países Ocidentais. Um “paradoxo” até um certo ponto, pois alguém já tinha previsto um tal desfecho.
E os partidos? De facto, aqui começam os grandes problemas para os “representantes do povo”.
Uma coisa é fingir de gerir um mundo prospero em franco crescimento: podemos deixar que os mercados façam o trabalho deles, um comício de vez em quando e o trabalho está feito.
Mas outra coisa é ter de gerir uma sociedade em sérias dificuldades: quando o mercado não funciona, o comício arrisca irritar e nada mais.
Pior: cedo ou tarde alguém pede para que sejam tomadas decisões.
Decisões?!? Minha nossa, assim, de repente…e que decisão podemos tomar? E com que meios?
De facto, não há decisões. E o pacto social morre, pois a classe política não é capaz de responder às novas exigências dos eleitores.
Em boa verdade não são “novas” exigências. São sempre as mesmas, o cidadão quer voltar aos tempos “felizes”. Mas os partidos não podem fazer isso. Porque nunca fizeram nada (deixaram as rédeas soltas, isso foi o truque) e porque agora é tarde. É tarde demais.
É tão tarde que os mesmos partidos têm que ir contra a vontade do cidadão. Não apenas o político não pode fornecer um nível de vida como antes, mas até é obrigado a baixar os níveis actuais. Não é este um pensamento do político, são as ordens dos novos (novos???) patrões. Os mesmos aos quais o político tinha entregue o verdadeiro poder, em silêncio, de forma lenta mas inexorável.
Sistema de saúde? Sim, mas só “tendencialmente” gratuito.
O património do Estado? Privatizado.
Os salários? Lamentamos, mas têm que baixar.
Os impostos? Lamentamos, mas têm que subir.
Emprego? Ehhh, o emprego…
Então na Grécia o cidadão ocupa a rua. Como em Madrid. Como em Milão.
E novos movimentos surgem no resto da Europa.
Estamos perante os primeiros passos do funeral dos partidos? Provavelmente sim.
A crise começada em 2008 mostrou o verdadeiro rosto dos partidos; máquinas de poder, geridas por campeões de marketing, cujo trabalho é hoje impor medidas exigidas pelo mundo financeiro.
De verdadeiros políticos, nem a sombra.
Dignidade? Defesa do interesse nacional? Zero.
Para recuperar um mínimo de credibilidade, a actual classe dos políticos deveria ter coragem: a coragem de dizer “não”. Mas não foram treinados para isso. Pelo contrário: existem porque aprenderam a dizer “sim”, em qualquer altura.
É uma situação delicada, é uma situação que favorece o aparecimento de fenómenos de Direita (ver o caso Finlândia).
Mas Direita porquê? Porque o Centro colapsou, porque a Esquerda não existe (também entrou no jogo de poder, esta é a verdade) e a Direita pode estimular cordas sensíveis no eleitorado: oferece egoísmo e nesta altura é o egoísmo que o eleitor procura.
E não é a previsão dum insignificante blogueiro esta: é uma lição da História.
Ipse dixit.
Foto: Tristan Savatier
Max, Dez pela perfeita análise histórica:
"oferece egoísmo e nesta altura é o egoísmo que o eleitor procura"
Assim se passou antes de todas as guerras.
Abraços
Olá Eduardo!
Pois é: o egoísmo, com um pouco de nacionalismo (do pior, neste caso) é a receita perfeita.
Abraço!