Os feiticeiros de Teheran

Até bem pouco tempo, o Mundo parecia estar à beira duma nova guerra mundial: dum lado as Forças do Bem (sempre as mesmas, Estados Unidos, Israel, etc.), doutro as Forças do Mal (o Irão). Parecem anos, mas aconteceu há bem poucos meses.

A seguir foram criadas novas emergências: as revoltas na África do Norte, o terramoto-tsunami no Japão (com corolário nuclear), a guerra na Líbia, a morte de Bin Laden (a propósito:…não, se calhar já sabem…).

Assim, aos saltos duma grave crise até a outra, o Irão passou para a prateleira das crises esquecidas. Ou melhor: em fase de espera.

Um dia voltará a dar jeito, mas por enquanto encontra-se em stand-by.

Melhor assim. Seria difícil apresentar ao mundo o Irão como a maior ameaça nuclear do planeta enquanto do outro lado do globo o pacifico e amigo Japão arrisca desaparecer num mar de átomos zangados.

O Irão simplesmente desapareceu dos media. O que é pena, pois no País dos ayatollahs acontecem coisas interessantes.

Ahmadinejad Vs. Khamenei 

De facto, é choque ao rubro no topo da República Islâmica. Não entre reformistas e conservadores, como aconteceu em ocasião da contestada eleição presidencial de 2009: agora é uma batalha é no interior da facção conservadora, entre o “revolucionário” Ahmadinejad dum lado e o Presidente conservador clerical Ali Khamenei com o Presidente do Parlamento, Ali Larijani, do outro.
Em verdade a batalha não é nova, mas agora parece ter alcançado o ponto mais alto: são duas concepções de Estado opostas.

Mahmoud Ahmadinejad

Ahmadinejad está a tentar empurrar a República Islâmica na direcção dum sistema presidencial, cada vez mais afastado dos preceitos religiosos faqih e velayat (termos árabes que indicam um determinado tipo de ordenamento do Estado, muito próximo da tradição religiosa), reintroduzidos por Khomeini, segundo os quais é o jurista islâmico, que encarna o guia espiritual, o qual deve dirigir a Nação.

O homem no centro desta disputa ideológica, política e religiosa é Esfandiar Rahim Mashai, o mais próximo colaborador do Presidente, para alguns o “Rasputin” do executivo: uma amizade fraterna com Ahmadinejad, consolidada no fronte ao longo da guerra com o Irão (na década dos anos ’80), em seguida cimentada com casamentos entre as famílias.

Mashai é provavelmente o personagem mais polémica da elite do País. Repetidamente criticado, especialmente pelos chefes religiosos, por causa do seu estilo de vida, das suas declarações julgadas como não apropriadas, e por causa da visão política; basicamente Mashai gostaria de estabelecer uma República Islâmica construída sobre a recuperação da tradicional civilização persa, da qual o Islão é apenas uma mas não única fonte de inspiração.

O conceito é perturbador, pois vai directamente afectar as posições de poder dos “turbantes”, a  casta dos ayatollahs.

Marcha atrás

Após a reeleição em 2009, Ahmadinejad tinha apresentado uma equipa ministerial em que Mashai aparecia como seu primeiro vice. Cenas de pânico, protestos, e o Presidente foi forçado a mudar de rumo. Mesmo assim, Mashai tinha ficado como o colaborador mais próximo, embora sem um específico cargo institucional.

No passado dia 09 de Abril começaram os problemas. E não poucos.
Surpreendentemente, Mashai deixou o cargo, substituído por um homem perto dele, Hamid Baqaei.
Dez dias depois, Ahmadinejad demitiu o Ministro da Intelligence, Heidar Moslehi, um homem próximo de Khamenei, o qual logo recusava a demissão para integra-lo novamente no executivo.

Ao longo de quase duas semanas, o Presidente abandonava o Conselho dos Ministros, uma espécie de desafio que tinha como alvo Khamenei.

Até que foi obrigado a ceder. No dia 01 de Maio, após ter presidido o Conselho, declarava:

Eu digo, para aqueles que nos últimos dias procuraram insinuar desentendimentos entre as mais altas autoridades: ninguém pode negar a diversidade de opiniões, mas quando se trata de salvaguardar os objectivos da Revolução Islâmica e os interesses nacionais, estamos todos unidos.

Um turbante com Seyed Ali Hoseyni Khāmene’i  

A seguir, agradeceu Khamenei pelo apoio e chegou a confirmar que o “governo está completamente subserviente” ao Guia espiritual (como relatado pelo iraniana IRIB Broadcasting).

No dia anterior, o Parlamento tinha convidado Ahmadinejad a retomar a normal actividade, enquanto o mesmo Khamenei pediu para evitar conflitos institucionais.

Os Espíritos

Mas isso não foi suficiente para evitar o confronto. No dia 05 de Maio, o jornal britânico The Guardian relançou algumas vozes segundo as quais alguns membros perto do Presidente tinham sido presos com uma acusação surpreendente: horafat, isso é, feitiçaria ou incitamento à superstição.
Seriam “magos” que invocam os espíritos (sic!).

Entre os presos, Ghaffari Abbas, considerado “um homem com poderes especiais no domínio da metafisica e com ligações com o desconhecido”, Amirifar Abbas, responsável da oração e das actividades culturais do grupo presidencial, e alguns jornalistas que tinham acabado de lançar um novo jornal, sob a inspiração de Esfandiar Mashai.
No início parecia que até Mashai pudesse ter sido preso,  mas a notícia não foi posteriormente confirmada.

A acusação de bruxaria tem, na verdade, profundas implicações ideológicas e teológicas. O grupo dos presos era de facto a inspiração dum filme-documentário que está a ter grande sucesso no Irã e antecipa a próxima chegada do décimo segundo imã, o “Imam escondidos na tradição xiita”.

De acordo com a tradição, o décimo segundo Imam entrou, no século IX e por vontade de Deus, num estado de “camuflagem” para fugir à perseguição dos califas fieis à doutrina sunita. O décimo segundo imã, o Mahdi, voltará no fim dos tempos para dar o Juízo Final, numa visão messiânica não tão longe da judia e da cristã.

Ahmadinejad sempre venerou a figura de Mahdi e várias vezes disse de estar convencido da sua iminente chegada. Na verdade, Ahmadinejad e Mashai seriam uma espécie de apóstolos do Mahdi, e cujo trabalho visa promover e comemorar o regresso.

Esfandiar Rahim Mashai

Do ponto de vista político, uma vez mais a proximidade com o décimo segundo Imam liberta da protecção dos religiosos tradicionais, cujo trabalho de interpretação da doutrina e subsequente supervisão nos assuntos públicos é, portanto, prejudicada.

Não por acaso, os Ayatollahs tradicionalistas negam que seja possível prever a vinda do Mahdi e consideram superstição (feitiçaria) qualquer assunto relacionado.

A realidade

Mas no confronto espiritual é provável que um importante papel foi desenvolvido por uma decisão política muito mais prosaica: Ahmadinejad anunciou a intenção de apresentar para as próximas eleições parlamentares (Primavera de 2012) seus candidatos em todas os círculos do País, candidatos que iriam a lutar contra os tradicionalistas, também presentes.

Seria um ensaio geral para o lançamento de, Esfandiar Rahim Mashai, em vista da corrida presidencial de 2013.

Coisa que o clero quer evitar a qualquer custo.

Fonte: Clarissa

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