Nuclear: compensa? Com certeza, ora essa!

Nuclear sim ou nuclear não?

Nesta altura uma central nuclear daria jeito: com o preço do petróleo que sobe e as energias alternativas que prometem muito mas custam muito também (perante resultados ainda limitados), a opção nuclear poderia ser um bom investimento.

Todavia, em particular nos últimos tempos, surge com cada vez maior frequência um “novo” problema: como desmantelar uma central nuclear?

Stop, alto, pára tudo: antes demais, o que é uma central nuclear?

Fissão “faça você mesmo”

A central electronuclear é um lugar engraçado que desfruta o calor duma reacção de fissão nuclear para gerar vapor (ou outro gás); este alimenta turbinas que produzem electricidade.

É claro? Não, não é claro: que é esta fissão?

Isso é simples, cada um de nós pode experimentar o mesmo processo na própria cozinha.

Pega-se do congelador uma barra de urânio fresquinha (controlar o prazo de validade), e da despensa uma mão cheia de neutrões.

Agora começa a parte mais complicada, onde é precisa um pouco de paciência: temos de cortar o urânio em fatias subtis, e depois ainda mais subtis, e ainda mais, até obter um átomo. É uma operação um pouco aborrecida mas compensa.

Nesta altura pega-se num neutrão e com este dividimos o átomo de urânio em duas partes.

O que acontece?
Acontece uma coisa divertida: ao ser dividido, o átomo de urânio produz energia, e muita (por isso aconselho o uso de luvas para o forno). E mais. O átomo assim dividido irrita-se ao ponto que obriga os seus amigos a dividir-se também: uma verdadeira reacção em cadeia.

Nas centrais nucleares o funcionamento é o mesmo, só que usam mais urânio e luvas melhores.

O aborrecido factor “segurança”

Mas se o processo for só este, qual o problema das centrais?

Existe um problema de fundo: a energia libertada pela divisão do neutrão precisa de ser controlada.

Na cozinha, por exemplo, podemos imergir o nosso átomo no caldo de galinha (frio, óbvio), mas imaginem numa central nuclear, com todo o urânio utilizado: quanto caldo seria preciso? Quantas galinhas? E quanto iria custar esta raio de energia?

Por isso é utilizada a água, muito mais barata. Esta, ao contacto com os átomos partidos, fica quente, transforma-se em vapor e faz girar as turbinas (e a seguir é produzida a electricidade).

Só que após o uso a água sabe mal. Não pode ser simplesmente despejada na sanita, não fica bem.

Além disso, que fazer com todas as cascas dos átomos divididos (escórias nucleares)? Estas ficam enervadas ao longo de tempos que podem chegar até as dezenas de anos. E acreditem, não é nada divertido ficar perto duma casca de neutrão zangada.

Na verdade haveria outros pormenores ainda (por exemplo: a pressão do vapor produzido, que foi a causa do incidente de Chernobyl, nos anos ’80), mas hoje o assunto não é a segurança, é a rentabilidade duma central nuclear. E aqui é preciso fazer duas contas.

Desligar as luzes, fechar o cadeado 

As centrais nucleares, como todas as coisas neste planeta, têm um início e um fim. A vida média é de 30 anos, mais ou menos. E nesta altura muitas das centrais abertas nos anos ´70 e ’80 estão a chegar ao fim do ciclo de produção. Têm de ser fechadas.

“Boh,” pode pensar o leitor, “fecha-se tudo e o último desliga as luzes, qual a crise?”. Mas não é tão simples. Uma vez desligado o reactor (onde são partidos os átomos), temos muito material radioactivo.

Um exemplo, o caso britânico. A Nuclear Decomissioning Authority, cuja tarefa é fechar 39 centrais do Reino Unido, estima em 55,8 mil milhões de Libras (81 mil milhões de Euros) o custo da operação. É uma enormidade, sobretudo num período de crise como este.

Mas a situação não é melhor em outros lugares. Limpar os 25 reactores já parados nos Estados Unidos custaria, de acordo com a local Nuclear Regulatory Commission, entre 280 e 612 milhões de Dólares por planta.
Com um acréscimo de 1-2 cêntimos por kilowatt-hora produzidos, já foram juntados 23,7 mil milhões, mas ainda faltam 11,6 mil milhões para limpar toda a “frota” de 104 usinas que ainda operam.

Centrais nucleares no mundo

Entre instalações comerciais ou de pesquisa, no mundo existem hoje 124 reactores parados, que aguardam o desmantelamento.

Mais uma centena cuja vida útil termina em meados da década ou pouco depois. Em alguns casos, como na Bélgica, a opção é prolongar a vida útil, mas é uma opção extraordinária e muito dispendiosa.

Sem contar o delicado assunto dos reactores militares marinhos: só na Rússia são mais de 450, já abandonados nas bases de Murmansk e Vladivostok.

Mas não podemos simplesmente fechar e fazer finta de nada?
Infelizmente não: o factor tempo joga contra. As instalações degradam-se mais rapidamente do que escórias nelas contidas.

O aborrecido factor “tempo”

E agora? Como intervir? Que fazer?
Ainda uma vez: calma. Temos a AIEA, a Agência Internacional de Energia Atómica.
Tratar destas coisas é o trabalho deles, aliás, já encontraram duas soluções.

A primeira é simples na sua genialidade: trata-se de cobrir tudo com uma espessa camada de cimento. Todas as escórias, todas as cascas de neutrões, tudo abaixo do cimento.

Esta intervenção tem pelo menos duas grandes vantagens: a primeira é que nada mais é possível ver (e, como sabemos, “olho não vê…), a segunda é de ordem estético, pois desta forma é possível transformar um aborrecido panorama bucólico numa construção que, a bem ver, tem a sua graça.

A segunda e a terceira soluções são parecidas entre elas: trata-se de bonificar a zona e restituir o aspecto original do local.

A AIEA não explica o que fazer com as escórias. A ideia é “bonificar”, isso é, transportar tudo num outro lugar, mas onde não é sabido.

E afinal, que interessa? Problemas dos “outros” que vivem no “outro” lugar, ora essa, nós temos já problemas que cheguem.

Nestas duas últimas soluções o único aspecto que pode criar algumas dúvidas é o tempo.

Um recente estudo da Universidade do Ohio acredita que deve haver pelo menos 50 anos de “encerramento da fábrica” antes de ter níveis de radioactividade aceitáveis. A seguir, serão suficientes uns 60 anos para obter um definitivo desmantelamento.
Total: 110 anos.

Isso sem contar os casos mais complicados: 330 anos.
330 anos de trabalhos. 330 anos de custos.

O leitor acha muito? Essa é boa. Vive numa sociedade de dívidas, onde descarregamos as nossas despesas nas próximas gerações e ainda se preocupa com uns miseráveis 330 anos?

O problema é o custo: como vimos, quando se trata duma pequena fissão caseira não há crise, quando, pelo contrário, falamos de grandes centrais…

Ipse dixit.

Fonte: Il Sole 24 Ore

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