A nossa passividade

Farto-me de falar mal da política portuguesa e europeia no geral.
Mas, pelos vistos, “fora” não é que as coisas estejam muito diferentes: embora seja preciso apontar as diversidades, que são importantes.

Fernanda (e Demosthenes também?) realça a seguinte notícia, trata da Folha:

Estudantes sobem rampa do Planalto em protesto a reajuste no Legislativo e Executivo

Cerca de 80 estudantes subiram a rampa do Palácio do Planalto para protestar contra o aumento salarial de mais de 60% concedido a deputados e senadores e que gerou efeito cascata em todo o país.

Eh? 60%? Mas não será demais?

O Congresso aprovou no último dia 15 o projecto que aumenta o salário dos deputados, senadores, presidente, vice-presidente da República e dos ministros de Estado para R$ 26,7 mil.
De acordo com o texto, deputados e senadores terão um reajuste de 61,8%, uma vez que recebem actualmente R$ 16,5 mil, além dos benefícios.

Ah, 61,8%, agora sim faz sentido…

No caso do presidente da República e do vice, que recebem atualmente R$ 11,4 mil, o reajuste será de 133,9%. O aumento dos ministros será maior ainda, já que eles recebem R$ 10,7 mil.

…mas 133,9% é ainda melhor.

Os parlamentares, o presidente, o vice e os ministros estão sem reajuste desde 2007. A inflação no período, porém, foi inferior a 20%. O PSOL foi o único partido a manifestar posição contrária.

 Feitas as contas…

Bom, vamos fazer duas contas.

O ordenado mínimo em Portugal é de 475 €.
Portanto, o Presidente da República português ganha 15,2 vezes o salário mínimo nacional (7.248 €),
enquanto os deputados da Assembleia da República 7,8 vezes (3.707 €).

Brasil: o salário mínimo é de R$ 510.
Com a nova lei, o Presidente da República passa a ganhar 52,3 vezes o salário mínimo nacional,

os deputados e senadores 32,3 vezes.

Nada mal,. nada mal mesmo: os políticos brasileiros decidiram tratar-se bem. 
E, óbvio, estamos a falar de ordenados líquidos mas sem regalias. Que existem e não são poucas.

As regalias em Brasília

Vamos esquecer agora Portugal e falamos do Brasil. Eis alguns exemplos das regalias concedidas aos políticos.

De auxílio família cada um deles ganha R$ 3 mil, mais R$ 4,2 mil para custos com telefone (imagine quanta ligação!), R$ 15 mil para gastos de escritórios nos estados (Setim, por exemplo, tem um em São José dos Pinhais e outro em Ponta Grossa).

O custeio para passagens aéreas é de no mínimo R$ 4,4 mil, chegando a R$ 16 mil – dependendo do estado de origem do parlamentar. Para pagar os assessores parlamentares cada deputado federal tem direito a R$ 60 mil.

Nisso tudo tem um outro dado interessante: deputado federal tem direito a até 15º salário (que não é mínimo, é claro!). E pensar que até pouco tempo atrás eles queriam ter direito a auxílio funeral (mais R$ 16,5 mil).

Resumindo: cada deputado federal custa em torno de R$ 100 mil por mês, mais ou menos R$ 1,4 milhão por ano. E não se deve esquecer que eles são num total de 513 deputados.

E os gastos públicos não param por aí. Os deputados estaduais do Paraná (citando os mais conhecidos do nosso município: Ratinho Junior, Francisco Buhrer, Alexandre Curi, Nelson Justus…) ganham R$ 12.384,00 de salário. Este somando com as despesas de gabinete totalizam quase R$ 80.000,00 por mês.

Culpados? Procurem um espelho

Que posso dizer? Caros leitores brasileiros (e caros leitores portugueses também, pois a situação não é tão diferente), deixem os vossos trabalhos e entrem na política, pois compensa grandemente.

Culpados? Sim, nós.
É inútil ir à procura de desculpas: quem votou nestas pessoas fomos nós, não outros.
E a nossa culpa ainda maior é de ter esquecido que estas pessoas estão ali só e exclusivamente para gerir a res publica, a “coisa pública”, os bens de todos.

Todos eles, sem excepções, são nossos dependentes.

Quando numa empresa há um trabalhador que não faz o dever dele, ou que até rouba, é despedido; e isso sem esperar que o contrato acabe.
Não podemos assumir pessoal com provas dadas de incapacidade e depois começar com as queixas.

Os estudantes do Palácio do Planalto, de facto, não estão a manifestar contra os políticos, mas contra a nossa atitude passiva.
Mas se devemos julgar com base nas fotografias, o número dos estudantes é reduzido.
E que significa isso?

Nota: Obrigado Fernanda!

Ipse dixit.

Fonte: Folha, In Verbis, Guia SJP 

Fotografias: Folha , Abobado, EdSouza

3 Replies to “A nossa passividade”

  1. É isso aí, temos as nossas responsabilidades sim.

    Mais do mesmo:
    http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,em-mes-sem-trabalho-cada-suplente-vai-custar-ate-r-114-mil-a-camara,658175,0.htm
    http://blogs.estadao.com.br/vox-publica/2010/12/20/quanto-vale-um-deputado-federal/

    Eu e meu marido o Demosthenes é que agradecemos a oportunidade de mostrar como nossa política está podre, e suas raízes estão profundas na degradação.
    Nossa passividade enoja, nossa paralisia beira a doença.

    Abraço amigo.

    Fernanda e Demosthenes

  2. "Vossa" política?

    Não, não, cara Fernanda: fique descansada pois aqui na Europa a coisa não está melhor.
    E não sei se até for pior.

    As sociedades ocidentais perderam o contacto com a política. As democracias representativas, como as nossas, criaram elites que já não representam o pensamento geral dos cidadãos. E esperar que a situação possa melhorar sem intervenções, ou com uma intervenção das mesmas pessoas que estão no poder, é uma ilusão.

    Doutro lado, esta "representatividade" é bem vista pois significa nada de preocupações, nada de problemas, nada de empenho: tudo é demandado para os homens escolhidos nas eleições, os políticos.
    Que funcionam também como óptimo álibi: as coisas não funcionam? Culpa dos políticos.

    É um sistema cómodo: para os cidadãos, desresponsabilizados, e para a elite política, que assim pode criar e gerir as próprias fortunas.

    Pode funcionar? Não, pois a "res pública", a "coisa pública" não é gerida bem.
    Pode durar? Sim, se assim os cidadãos desejarem…

  3. Já estou me corrigindo, Max, o mundo todo está podre, e a passividade mundial é que tem que mudar.

    Agradecida.

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