Os bancos do Islão

Nada se diz no mundo ocidental acerca de outros sistemas bancários.
Mas existem. E funcionam.

A ideia pela qual um banco pode viver só graças aos interesses maturados sobre o dinheiro emprestado é falsa.

É um ideia cómoda para os bancos do sistema capitalista (isso é, o nosso), pois permite que bancos e investidores possam ganhar dinheiro a partir de dinheiro; não só com os empréstimos, mas também com outras aplicações financeiras, como os derivados e os future.
Mas, tal como afirmado, é uma ideia falsa.

De facto, existe um sistema bancário baseado numa ideia simples e contrária: não se pode ganhar dinheiro a partir de dinheiro. Em outras palavras: os juros não são permitidos.
Este sistema é o islâmico.

Antes de proceder na descrição deste modelo, reflectimos numa simples questão: qual a diferença entre “juro” e “usura”?
Resposta: nenhuma.

Usura é o nome dado à prática de cobrar juros excessivos pelo empréstimo de uma determinada quantia de dinheiro.
Mas quem decide quando os juros são excessivos?
A lei. E a lei é criada pelos homens, os quais podem altera-la em qualquer altura.

De facto, até à Idade Média a palavra usura era utilizada como sinonimo de juro. Essa prática era proibida, pois acreditava-se que dinheiro não poderia gerar dinheiro. A cobrança de juros era considerada uma forma de explorar uma pessoa que estava a passar por uma situação difícil, portanto todos os empréstimos financeiros deveriam ser realizados sem cobrança de taxas.

Depois, os pensadores do século XV começaram a achar justo que o credor recebesse uma parte dos lucros obtidos com o empréstimo, sob a forma de juros.
Explorar uma pessoa que estava a passar por uma situação difícil tornou-se legitimo. E esta chama-se “evolução”.

Na aldeia egípcia de Mit Ghamr nasceu a finança islâmica. Era o ano 1963. Tratava-se duma pequena caixa rural fundada tendo como modelo as homólogas alemãs e fornecia micro-credito aos pequenos empreendedores privados, favorecendo também o hábito da poupança.
Tudo sem juros.

A primeira grande crise petrolífera (1973-74) forneceu ao Países Árabes os fundos para implementar as instituições financeiras islâmicas.
Em 1975 foi criada a Islamic Development Bank seguida pela Dubai Islamic Bank, o primeiro banco comercial islâmico não de propriedade dum governo. Em 1979 o Irão islamizou todo o sistema bancário nacional, imitado pelo Paquistão na década dos anos ’80 e pelo Sudão em 1992.

Hoje a finança islâmica opera em quase todos os sectores financeiros, e só em Londres são presentes mais de 20 instituições bancárias que actuam segundo os preceitos do Alcorão.

Isso é: sem juros.

Os princípios da finança islâmica

Todas as instituições financeiras islâmicas (ifi) gerem fundos sem dar ou receber juros.

Identificam os projectos nos quais investir o capital próprio e dos clientes.
Os depositários dum banco islâmico não são verdadeiros credores, mas são parecidos com os investidores de fundos comuns ou accionistas sem direitos de voto. Assumem o risco de ver o capital do banco afectado em caso de perdas.

Para perceber esta visão (que, como vimos, era típica da Europa também até a Idade Média) temos que perceber o ponto de vista muçulmano.

A Charia, ou chariá, xaria, xariá (em árabe شريعة), é o nome que se dá ao código de leis do islamismo e contém preceitos relativos não só à esfera pessoal, mas também social, política e económica. O Alcorão distingue o que é permitido (baiai) e o que proibido (haram), mesmo ao incentivar os negócios e o empreendedorismo. Os juristas do direito comercial islâmico determinam quais as barreiras intransponíveis.

As proibições mais importantes que afectam a esfera económica são quatro: a proibição de juros (riba), que está associada ao princípio fundamental da “participação nos lucros e nas perdas”, segundo o qual, tecnicamente, o dinheiro é emprestado, a Gharar (incerteza, risco), maysir (especulação) e, finalmente, actividades haram (produção e distribuição de álcool, carne de porco, armas, pornografia, jogos de azar e de seguro de vida).

A estas proibições são adicionados o dever geral da zakat e o de purificar, através da caridade, o dinheiro ganho sem respeitar a Sharia. O Zakat, o imposto anual que cada muçulmano deve pagar para ajudar os menos afortunados, é um dos cinco pilares do Islão. Os ricos têm a obrigação de ser generosos, porque a acumulação de riqueza só é legítima se esta for distribuída de forma equitativa e justa.

Ao fiel muçulmano e às IFI não é proibido investir em acções. Mas quando há suspeita de que uma parte residual dos dividendos provem de actividades haram, então a percentagem correspondente dos rendimentos provenientes das acções deve ser purificada. São proibidos, e não purificáveis, investimentos accionários ou a compra de sociedades tradicionais onde a relação entre dívida e património supera 33 por cento. Supõe-se que estas últimas têm conexões com empréstimos a juros.

A proibição da riba destina-se a preservar um desenvolvimento justo e equitativo na sociedade, evitando todas as formas de exploração. Hoje, esse preceito não é somente interpretado como uma proibição da usura, para proteger os pobres da exploração numa situação de emergência

A lei islâmica proíbe qualquer tipo de interesse financeiro. A Sharia proíbe a fixação dum retorno fixo a priori para o capital conferido, porque o dinheiro em si não pode actuar como uma “reserva de valor.”

Em vez disso, o pagamento de taxas por serviços adicionais é permitido, mas não deve ser uma forma disfarçada de juros. Além disso, as transações financeiras devem ser sempre ligadas a actividades comerciais, nomeadamente à aquisição de bens de consumo ou investimentos para a produção e distribuição de bens e serviços reais (como a da mesma finança islâmica). Não é possível comprar ou vender empréstimos, nem emprestar dinheiro para fazê-lo; nem é permitido comerciar com quem não tem dinheiro.

A Sharia determina que quem empresta dinheiro fique envolvido, numa percentagem prefixada, nos lucros e nas perdas de quem toma o dinheiro.
Um conceito que pode provocar o desmaio nos banqueiros ocidentais.

O retorno financeiro não é dado segundo um valor fixo, mas depende da bondade do investimento.

Abrangidos pela proibição da riba, em geral, ficam também os produtos financeiros estruturados: nestes, a recolha de dinheiro serve para a aquisição de outros produtos financeiros (como os derivados, por exemplo) que poderiam garantir a solvibilidade dos primeiros.

Mas a proibição de gharar exige que qualquer contrato ou transacção esteja livre de incertezas e ambigüidade. A referência é para condições de indefinições sobre o preço, o objecto da venda e o conteúdo do contrato (por exemplo, condições de eventos aleatórios).
Em geral, os diversos produtos financeiros, taxas de câmbio e de interesse sobre derivados ou mercadorias (as commodities: trigo, óleo, etc.) pertencem a essa proibição.

O excesso de incerteza é equiparado à aposta (al-qimar), que é proibida pelo Alcorão. Portanto, a proibição maysir indica a proibição de apostas sobre o resultado dum evento aleatório futuro. Por isso os seguros de vida em caso de morte são haram. Os derivados mais sofisticados, como os Credit Default Swaps (CDS), enquadram-se nessa proibição, porque são freqüentemente usados para apostar na capacidade do emissor em pagar as próprias dívidas.

Conclusões

Resumindo, o sistema bancário islâmico vai contra muitos dos princípios que regulam o homólogo ocidental, e a diferença mais evidente é a falta de juros.

Mas não só, pois isso, afinal, não passa dum factor secundário.
A crise que estamos a viver encontra os seus alicerces numa finança doentia, envenenada por produtos cada vez mais afastados da economia real: no mundo islâmico, uma crise destas seria tecnicamente impossível.
E não acaso o colapso iniciado em 2008 com os subprimes americanos não viu falir nenhum banco islâmico.

A ideia de participar nos lucros como nas perdas do cliente é vista como uma heresia por qualquer banco ocidental. Que deixaram, de facto, de fazer os bancos.
Qual o sentido de emprestar dinheiro perante garantias? O banco empresta-me 100.000 € se eu tiver uma casa do mesmo valor? Este não é um empréstimo, esta é a actividade duma casa de penhores.

Claro, o sistema árabe está longe de ser perfeito. E pressupõe uma sociedade com uma fortíssima penetração religiosa.

Mas objectivo aqui é outro: demonstrar que um sistema bancário diferente é possível.

E não só é possível: até funciona.

Ipse dixit.

Fontes: Wikipedia, Medidea Review, Economia e Finanza

12 Replies to “Os bancos do Islão”

  1. Não é verdade que após invasão do Afeganistão e Iraque aquando da "reconstrução" patrocinada pelas grandes empresas mundiais os Rothschild implementaram um banco central em ambos os países com o mesmo sistema doentio que partilhamos no mundo Ocidental? Não me lembro da fonte mas lembro-me ler sobre isso.

  2. Olá Flávio!

    Não tinha visto as coisas neste aspecto. Mas afinal a História gosta de repetir-se. E, de facto, não seria a primeira vez.

    Já na Idade Média, enquanto o centro e o norte da Europa estavam mergulhados nas trevas, em algumas zonas do sul o continente prosperava. Zonas ocupadas pelos Islâmicos.

    A História gosta de repetir-se, mas nós não aprendemos a aprender.

    Abraço!

  3. Não encontrei nada acerca dos Rothschild. Mas visitei o site do banco central do Afeganistão e, pelo visto, está em curso a segunda tentativa.

    Governador do banco é Abdul Qadeer Fitrat, um fulano que trabalhava na First Union National Bank in Northen Virginia, ex consultor do FMI em Washington e do Banco Mundial.

    Vice-governador é Mohibullah Safi,que trabalhava nos Estados Unidos e colaborou com o FMI.

    Depois estranhamos ao ver os Afegãos enervados…

  4. Para além dos sistemas religiosos, esta estruturação dos bancos islãmicos previne as "quebradeiras" uma vez que não permite que se criem bolhas especulativas. É uma lição de economia para o Ocidente… e o Ocidente teima em não aprender. O tal "mundo livre" – no qual temos a liberdade de ser explorados – se não reciclar seu sistema econômico será engolido pelo islã.
    Sorte e saúde pra todos!

  5. Olá Ane, e muito obrigado por participar.

    E é verdade: não há "bolhas" no sistema bancário islâmico, nem pode haver.

    Esta é a parte melhor de viver no mundo "livre": aqui podemos rir dos atrasos muçulmanos enquanto os nosso salários são cortados, a reforma é cada vez mais uma miragem, os serviços são diminuídos ou apagados, o desemprega aumenta, o futuro das próximas gerações é hipotecado. Tudo para favorecer os bancos privados, uma minoria.

    Grande sorte a nossa, não há dúvida.

    Abraço!

  6. Bem…
    tudo isso parece tão bonito, não é? Bem de longe nos é possível focar num ponto (aspecto) da civilização islâmica e esquecer de todo o resto, do podre, do arcaico, do cruel e brutal. Acreditar que os islâmicos se chegarem ao poder na Europa vão tratar nós infiéis (como mesmo assim eles nos chamam) da mesma maneira que tratam os seguidores de Mohammed é uma infantilidade.

  7. Olá Anónimo!

    Concordo num aspecto: não é possível julgar uma sociedade tendo em conta só um aspecto e não o conjunto.
    Doutro lado o assunto aqui eram os bancos, e não o Islão como sociedade.

    E o objectivo deste blog não é converter ninguém, disso podem ter a certeza.

    Mas deixo aqui uma pergunta: se "acreditar que os islâmicos se chegarem ao poder na Europa vão tratar nós infiéis […]eles nos chamam) da mesma maneira que tratam os seguidores de Mohammed" é uma infantilidade, descrever 1.200.000.000 pessoas (o total dos fies islâmicos) como podres, arcaicos, cruéis e brutais, o que é?

    Um abraço!

  8. Sinceramente não acredito lá muito nos bancos islâmicos.
    Mas é óbvio que a banca ocidental não se recomenda e está mesmo a destruir a nossa sociedade.
    É que dantes, para ganhar dinheiro, era necessário produzir qualquer coisa.
    A banca ocidental acabou com isso. Os chineses que trabalhem!
    É que os bancos e sociedades financeiras inventaram como ganhar dinheiro, muito, sem produzir nada de palpável
    Inventam-se papéis (geralmente desmaterializados nas memórias dos computadores) e passa-se o tempo a comprar e a vender estes papéis arranjando formas de irem sempre subindo de valor, isto é, subindo até que a bolha arrebenta e tem-se uma crise.
    Nessa altura, como os bancos são TBTF b(too big to fail) os governos entram com o dinheiro. Isto numa primeira fase. Na seguinte cobra-se esse dinheiro ao trabalhador e ao desempregado.
    É óbvio que um sistema destes só pode conduzir ao caos e à guerra.

Obrigado por participar na discussão!

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