Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha já estão a tornar-se o leitmotiv das reflexões da comunidade financeira internacional, como se a única preocupação fossem as finanças públicas desses Países.
Todavia a dúvida principal não é tanto qual Título de Estado está em risco, mas qual não está e não irá estar.
A crise da dívida soberana na Europa é uma crise estrutural, não cíclica, como agora todos parecem ter percebido; esta é devida a fenómenos macroeconómicos que exprimiram todo o potencial de detonação com um modelo de desenvolvimento económico turbo-alimentado, com baixas taxas de juro e baixos custos de mão de obra. Isso tem, entre outras coisas, o nome de globalização.
E em caso de dúvida acerca desta afirmação é bom dar uma vista de olhos a quanto afirmado pelo ex-ministro italiano Giulio Tremonti em 2008. A globalização não nasce da natural evolução do Capitalismo clássico: esta que estamos a viver é uma solução previamente estudada para resolver a diminuição dos lucros das empresas dos Estados Unidos e da Europa, provocada pelo envelhecimento da população e pelo baixo índice de natalidade.
Mas não só. Não é imaginável um continuo aumento dos úteis em mercados “restritos”, existe um limite fisiológico.
Eu posso encher a minha casa de 3, 4 ou 5 televisões; e o mesmo pode ser feito por todos os cidadãos do País no qual vivo, ou de todo o continente. Mas chegará uma altura na qual ninguém comprará outras televisões só para fazer felizes os produtores.
As grandes multinacionais cedo ou tarde (mais cedo do que mais tarde) assistirão a uma progressiva diminuição das receitas, pois os mercados ocidentais são maduros, saturados ou até em declínio.
No prazo de quinze ou vinte anos, os idosos, as pessoas com mais de sessenta anos, representarão uma percentagem cada vez maior das populações ocidentais.
Uma pessoa idosa, infelizmente, não representa o clichê do consumidor ideal, na verdade contribui de forma marginal para os níveis de consumo se comparado com uma pessoa de trinta anos: esta última é apenas no início do seu plano de vida, tem que casar, tem que comprar uma casa , ter filhos, comprar um carro, divertir-se no tempo livre, ir de férias, comprar roupas e assim por diante.
Enquanto dum lado irá diminuir o nível de consumo, por outro lado aumentará o peso do welfare social (lares, internações hospitalares, assistência médica, pensões de reforma), que cada vez mais pesarão sobre o total da riqueza produzida.
Basicamente estamos a falar de países (Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Espanha & Company) cujo destino está muito bem definido: inexorável envelhecimento da população, aumento da dívida pública, lenta desindustrialização e empobrecimento brutal.
Por isso surge uma pergunta: a austerity, os dramáticos cortes da despesa social e da pública administração, afinal, quanto podem servir?
Quem desenhou a globalização já pensou nisso tudo e na forma como proteger os níveis de lucro das empresas contra uma época de mudança na geografia do consumo mundial.
Na Ásia, com China e Índia em primeiro lugar, 75% da população tem uma idade inferior a trinta anos e um rendimento per capita em ascensão: era necessário, portanto, definir as bases para aumentar o número de pessoas destas regiões que podem começar a consumir com níveis semelhantes aos do Ocidente.
Graças ao WTO conseguiu-se implementar uma fenomenal transferência de postos de trabalho através das “oportunidades” da deslocalização produtiva, literalmente mover fábricas que dariam o tempo para o nascimento duma nova classe média burguesa, disposta a gastar em modas e tendências de consumo para o novo milênio.
Não é necessário ser economistas para perceber isso: em 2000, a Ásia contribuía com apenas 10% dos consumos mundiais, em 2030 será responsável por quase 40%. Como potencial de crescimento, além dos mercados orientais, aparecem os da América Latina com o Brasil como locomotiva.
Estamos a testemunhar uma mudança histórica: o centro geopolítico e econômico mundial desloca-se para o leste, e também para o sul.
A crise da dívida soberana na Europa até é inconsistente se comparada aos problemas que irão surgir nos próximos anos face às dificuldades objectivas na oferta de alimentos: especialmente no Oriente, que tem terra cultivável incapaz, infelizmente, de atender à demanda crescente de cereais e de gado.
Daqui a vinte anos, o modelo económico actual deverá ser capaz de disponibilizar habitações, automóveis, alimentos, combustíveis e água, para 600 milhões de pessoas novas: por isso é bom começar a fazer duas contas e perguntar quem ainda poderá ter um luxo como um frigorífico cheio ou bancos do supermercado carregados para agradar o consumismo desenfreado e perverso do novo milênio.
Alguns dados.
O primeiro gráfico mostra o impressionante aumento demográfico dos últimos séculos (dados em biliões de indivíduos): a Humanidade demorou milénios para atingir o primeiro bilião (no século XIX), mas nos últimos 150 anos o incremento foi exponencial.
As projecções segundo o Census Bureau Office dos Estados Unidos e segundo as Nações Unidas: em ambos os casos, em 2050 será ultrapassada a fasquia dos 9 biliões de seres humanos.
Cada vez menos mortes infantis e vida mais longa: qual o limite de sustentamento do planeta?
Projecções de crescimento demográfico segundo 4 variáveis: neste caso os níveis variam entre os 8 biliões escassos e os quase 12 biliões.
As projecções para os Países em desenvolvimento são concordes: até 2045 será crescimento, até lamber a fasquia dos 9 biliões segundo a hipótese de crescimento alto.
Bem diferente a situação dos Países desenvolvidos: a curva descendente pode já ter começado e só numa hipótese, a de crescimento alto, a população irá aumentar.
Por enquanto, o Pib dos Países desenvolvido ultrapassa o dos Países em desenvolvimento. Mas em 2050 a situação será oposta: os Países em desenvolvimento ultrapassarão, e muito, os desenvolvidos.
Ipse dixit.
Fontes: www.eugeniobenetazzo.com, Universidade Federal de Rio de Janeiro, United Nations ESA