Curdos: A guerra não declarada

Outra guerra esquecida, desta vez perto da Europa, muito perto.

O número de Curdos que vivem no sudeste da Ásia é cerca de 30 milhões e  este povo representa a quarta etnia do Oriente Médio após os Árabes, os Persas e os Turcos.

De acordo com o CIA World Factbook, os Curdos compreendem 10% da população da Turquia, 7-10% do Iraque, talvez 6% na Síria, 4% no Irão e 1% da Arménia.

Em todos estes Países, excepto no Irão, os Curdos formam o segundo maior grupo étnico. Cerca de 55% dos Curdos de tudo o mundo vivem na Turquia.

Os Curdos representam o mais sério e persistente adversário da imagem oficial, a duma sociedade turca homogénea. Durante as décadas ’30 e ’40, o governo mascarou a presença dos Curdos, classificados como “Turcos da montanha”. Esta classificação foi substituída por um novo eufemismo em 1980: Turcos Orientais.

Os Curdos aceitaram o governo de Ankara ao longo de anos; nos anos recentes, todavia, surgiu a vontade de manter viva a tradição imperial do Curdistão; mas as oposições políticas na Turquia são objecto de procedimento penal que pode resultar em prisão perpétua, de acordo com a Lei de 15 de Outubro de 1925, n º 1796 do Código Penal turco.

Neste artigo de Cuarto Poder, o relato da nova ofensiva de Ankara.

A Turquia volta ao clima de guerra da década ’90

Parece inevitável.

A Turquia cai numa atmosfera bélica que não era conhecida desde os anos ’90, quando a guerra contra os Curdos causou centenas de vítimas, mais de 3.000 aldeias destruídas e cerca de um milhão de refugiados.

Segundo várias fontes, as operações do Exército contra os guerrilheiros do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK)  espalham-se em todas as províncias do leste, as batalhas têm lugar em locais tão distantes como a costa do Mediterrâneo, a Anatólia central, a fronteiras com a Geórgia e a Arménia e, acima de tudo, toda a linha divisória com o Iraque.

O comando militar reconheceu que nos últimos dois meses perdeu uma meia centena de soldados e oficiais. A tensão aumentou progressivamente ao longo de 2009, mas intensificou-se desde que Abdullah Ocalan, o líder curdo preso na ilha de Imrali no passado 31 de Maio, reconheceu que os seus esforços para encontrar uma solução política haviam fracassado. No dia seguinte, a Confederação dos Povos do Curdistão (KCK), braço político do PKK, acabou com a trégua unilateral em vigor desde 13 de Abril do ano passado.

Desde este anúncio, não pararam os ataques aos postos de polícia e do exército da província de Kars, que faz fronteira com a Geórgia, no Golfo do Iskenderun, no Mediterrâneo, de Erzincan, na Anatólia central, e da zona fronteiriça com o Irão. Também houve confrontos nas províncias de Elazig, Bingol, Mus, Mardin e Sirnak, mas especialmente na zona montanhosa que separa este país do Iraque.

Como noticiado amplamente na imprensa turca, o incidente mais grave ocorreu em 19 de Junho em Gediktepe, uma pequena cidade localizada na província de Hakkari, perto da fronteira com o Iraque, onde morreram pelo menos 11 soldados. O primeiro-ministro Tayyip Erdogan, teve que cancelar uma reunião com representantes de Países europeus para assistir na cidade de Van ao funeral dos soldados mortos.

O comando militar turco também reconheceu que, em resposta a este ataque, as unidades turcas penetraram vários quilómetros em território iraquiano, apoiadas por aviões e helicópteros, e voltaram a bombardear regiões do Iraque onde, segundo Ankara, tem as suas bases o PKK. Devido a estas acções, várias aldeias no norte do Iraque foram evacuados e os habitantes denunciaram a destruição de casas e danos severos aos seus rebanhos.

ONU e IHD

Para provar estas alegações, uma delegação das Nações Unidas viajou no dia 21 de Junho nesta área para monitorizar os efeitos do bombardeio na região de Amadiyah, Mergasur e Sidek. De acordo com a Associação Turca de Direitos Humanos (IHD), devido ao clima de guerra morreram nos últimos dois anos cerca de 40 civis.

Entre as últimas vítimas há Islam Kesici, que foi baleado quando, no final de Maio, juntamente com outros habitantes de sua aldeia estava a atravessar a fronteira com o Irão; também teriam morrido em atentados recentes Rusen Mihemed Haci, uma menina de 14 anos, outra de 15, Zahide Muhamed Mecid, e Rekan Huseyin, cuja casa foi atingida por uma bomba no distrito de Çukurca.

Ainda de acordo com fontes locais, o Exército está a concentrar milhares de tropas para lançar uma nova operação no Iraque. Ao longo desta fronteira, os militares turcos mantêm bases, há vários anos, em território iraquiano, tendo até um aeroporto na cidade de Bamarni.

O ministro iraquiano dos Negócios Estrangeiros, Hosyar Zibari, denunciou estes ataques e atentados como violação da soberania do Iraque, e uma organização de juventude local anunciou que, se a Turquia continuar as invasões, serão enviado para a fronteira “escudos humanos”.

 Os protestos em Ankara

Com o objectivo de parar as operações militares, em 26 de Junho dezenas de pessoas reuniram-se na praça de Taksim, a conhecida central praça de Istambul, carregando cartazes que diziam: “Nós não queremos morrer”, “Não à guerra, paz honrosa “. As organizações aproveitaram a ocasião para lembrar que neste conflito morreram desde 1984, mais de 40.000 pessoas.

A Associação de Direitos Humanos (IHD) também relatou que nestes dias estão a registar-se eventos que não ocorreram desde meados da década de ’90, o mais difícil período desta guerra não declarada.

Por exemplo, próprios observadores confirmaram que no distrito de Hasankeyf, perto da cidade de Batman, os militares queimaram as aldeias de Keçeli e Pulumatu, impedindo aos habitantes de apagar o fogo que consumiu as casas. De acordo com vários relatórios, incluindo um do Parlamento turco, nos anos ’90 anos mais de 3.000 aldeias e vilas foram queimadas ou destruídas, com o fim de privar os guerrilheiros do apoio popular.

Da mesma forma, os habitantes das regiões de Hizán, Tatvan e Güroymak estão alegando que, por meio dos alto-falantes das mesquitas, os comandantes militares proibiram os habitantes de deixar as aldeias sem a permissão do Exército, dando instruções para que sejam explicadas as razões da saída no posto de policia ou militar mais próximo.

Neste clima de guerra, a imprensa turca destacou as palavras da mãe de um dos 11 soldados mortos em Gediktepe (Hakkari), perguntando como é possível enviar um rapaz para o combate contra uma guerrilha experientes nas montanhas depois de apenas duas semanas de treino. “Entreguei o meu filho vivo e foi devolvido morto”, disse Husnucemar, mãe de Mutlu Saydam, e acrescentou que estava “orgulhosa de ser turca” mas exortava o exército e o governo “a acabar com esta guerra antes que  o número de mortos possa ainda aumentar. “

Fonte: Cuarto Poder
Tradução: Informação Incorrecta

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