Além do capitalismo

Giorgio Ruffolo é um político, jornalista, economista e escritor italiano, ex-ministro da República.

Ao longo da semana passada publicou um notável artigo que aqui reportamos e cujo pensamento central pode ser assim resumido: o capitalismo actual chegou ao fim, é altura de pensar num novo modelo. Um modelo onde a questão ética não esteja limitada num papel secundário.

O capitalismo, a ética, a crise

Começo com a afirmação aparentemente paradoxal, contida num bom artigo de Mario Pirani (La Repubblica de 17 de Junho), pelo qual o derrame de petróleo no Golfo do México é comparável à crise financeira global. Ambas são pulsões dum capitalismo desregulado. No primeiro caso, a imprudência é a utilização ecologicamente e economicamente insensata dos escassos recursos. No segundo, a acção frenética igualmente insensata na direcção de recursos inexistentes: a poupança das gerações futuras.

No primeiro caso, o capitalismo começa com um crescimento impossível. No segundo, uma mercantilização igualmente impossível do futuro. Quanto ao primeiro, as consequências estão agora sob os olhos de todos: aquecimento global, poluição, lixo. O segundo foi, no entanto, até recentemente declamado como o mais prodigioso sucesso da história do capitalismo.

O verdadeiro sucesso histórico do capitalismo tinha sido a criação, nas primeiras décadas do pós-guerra, no Ocidente, dum pacto entre capitalismo e democracia, um compromisso social-democrata em Europa e liberal-democrata nos Estados Unidos, que ligava a promessa de prosperidade económica com a de aumentar a equidade social.

Esse compromisso foi varrido pela liberalização dos movimentos de capitais. A globalização resultante virou os equilíbrios de poder entre os governos e as empresas multinacionais, entre capital e trabalho, entre política e economia. Tem gerado um enorme e crescente desequilíbrio entre rendimentos do trabalho e ganhos de capital. Este desequilíbrio poderia ter ressuscitado os conflitos ruinosos do pré-guerra. Foram evitados graças a um “movimento do cavalo”: o uso maciço e desinibido do endividamento. O endividamento empurrou os consumos americanos para além dos limites da produção ignorando, graças à impunidade do Dólar, o problema do deficit.

O endividamento resultou na extraordinária expansão das actividades financeiras até quatro vezes o produto real, constituindo a base do novo super-poder financeiro. A condição de sustentabilidade desta dívida colossal era que o crédito fosse continuamente renovado. Como o economista Marc Bloch afirmou, o capitalismo parecia ter-se tornado o único regime em que as dívidas nunca são reembolsadas. Ilusão. Como as ondas do mar, que se sobrepõem unas às outras, também as ondas da dívida foram quebrar-se contra a margem. No final da primeira década do século, a crise mais devastadora dos últimos oitenta anos tem investido a América propagando-se a seguir em todo o mundo.
Desta vez, a reacção foi rápida. Os Estados pagaram as contas da crise. A dívida passou de privada para pública.

Ao contrário do que acontece com o sector privado, no entanto, a dívida pública é logo visível. E o mais grotesco é a sua denúncia por parte daqueles que foram beneficiados. Nestas condições, surge a questão de como regular a finança sem retardar o crescimento. Travar a finança significa reduzir a dívida, o que é extremamente difícil tanto para o Estado que tem de enfrentar a reacção política aos cortes na despesa pública, tanto para as empresas, uma grande parte das quais confiam nos empréstimos para fechar as contas.

Mas, acima de tudo, travar a finança significa limitar drasticamente o poder dos bancos de criar dinheiro, como têm abundantemente feito nas formas mais variadas e disfarçadas. Até agora, ninguém sequer tentou. E, finalmente, se fosse possível reduzir a dívida, onde encontrar os recursos para financiar os investimentos necessários para o crescimento? Temo que a escolha seria entre a renúncia com a aceitação dum longo período de estagnação (ver Japão) ou extrair recursos da compressão dos rendimentos de trabalho e das despesas sociais. Não é o que é provável que aconteça na Europa?

Sobra a perspectiva mais improvável: a de reorientar a economia para um desenvolvimento, como diz Pirani, “razoável e compatível” ecologicamente e financeiramente. O que implica grandes mudanças na distribuição dos rendimentos […] e na redistribuição dos recursos, incluindo a propriedade privada e bens sociais. Mas também, e acima de tudo, uma reorientação ética. Claro, é possível. Aliás, é necessário. Mas para aqueles que passaram uma vida a argumentar que este é o problema real, é difícil imaginar que o milagre aconteça.

Portanto: o que pode existir além deste capitalismo selvagem?
Um capitalismo ético? Um rumo comunista? Socialista? Um forma totalmente nova e ainda para ser elaborada?
Seja como for, uma coisa parece certa: o mercado assim como o conhecemos pertence a um modelo de desenvolvimento ultrapassado.
É tempo de mudar.
O que não vai ser nada fácil.

Ipse dixit
 

Fonte: Notizielibere
Tradução: Informação Incorrecta

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