Swift: a identidade vendida

Já pensaram na Vossa conta bancária?
Ou seja, além de saber se temos saldo ou não, já pensaram em quantos dados pessoais a conta apresenta?

Cada conta bancária indica em primeiro lugar:
o titular da conta
o endereço dele
o código fiscal

A seguir: as operações efectuadas, com data, tipo (p.e.: depósito, cheque, levantamento), o valor das mesmas operações e o saldo.

Já estes são dados “sensíveis”. Mas há mais.

Uma fotografia

Hoje em dia todos utilizamos cartões (de crédito ou de débito) e/ou a domiciliação bancária de várias facturas (água, electricidade, auto-estrada…). E cada vez que pagamos com estes meios, na nossa conta fica uma pequena “fotografia” nossa.

Tendo à disposição a lista dos movimentos bancários efectuados, é possível conhecer muitas coisas a nosso respeito.
Alguns exemplos:

– A que horas vamos ao trabalho? E qual o percurso? Fica gravado na factura da auto-estrada, do parque de estacionamento.
– Tomamos o pequeno almoço? E que comemos? Lemos um jornal ou uma revista? (pagamento com cartão numa área de serviço).
– Temos um carro a gasóleo ou a gasolina? (pagamento bomba de abastecimento) De que marca? Fazemos a manutenção regular? (pagamento oficina)
– O que comemos ao almoço? E em qual restaurante? Sozinhos ou acompanhados? (pagamento restaurante)
– Temos leitor dvd? Que tipo de filmes costumamos ver? (cartão vídeo-clube)

E, obviamente, muito, muito mais. Estes são só alguns exemplos. Seria possível continuar: roupa, marca e número do telemóvel, se temos um cão ou um gato, onde passamos as férias, o que lemos…

Estes são dados mais que sensíveis: são um retrato fidedigno da nossa vida.
Para boa sorte, os bancos são obrigados a respeitar o sigilo absoluto acerca do assunto e não podem disponibilizar a terceiros estes dados.

Ehm, desculpem, uma pequena correcção: os bancos não podiam disponibilizar. Pois agora podem. Pelo menos na Europa.
De facto, se o leitor for um cidadão europeu, será feliz (?) em aprender que a partir de agora os seus dados podem ser transferidos para uma empresa americana, a Swift. E tudo de forma legal, pois esta é obra das mentes pensantes (os nosso representantes) em Bruxelas.

“Como assim? Ninguém me avisou! Ninguém disse nada!”

Pois é: e esta é a parte mais divertida da história. A notícia não foi escondida mas nem foi divulgada.
Mas vamos com ordem.

A UE defende a privacy mas também não

Em Fevereiro deste ano, os Estados Unidos propuseram um acordo à União Europeia para que os dados de todos os cidadãos europeus fossem transferidos para uma empresa, a Swift.
A razão? Obviamente o combate ao terrorismo internacional.

É normal, de facto, para os terroristas (em particular os de Al-Qaida) utilizar não contas de qualquer obscuro País onde não haja controles, mas usufruir dos balcões europeus. E na causal do depósito é frequente encontrar “Transferência para aquisição kg. 8 de explosivo, próximo atentado Metro Londres”.

E depois dizem que o terrorismo não dá jeito. Perguntem aos Estados Unidos.

Bom, seja como for a proposta foi rejeitada. Porquê? Porque a União é sensível quando em causa está a privacy do cidadão. Em Fevereiro. Em Junho já é muito menos sensível e por isso assinou o acordo.

Por isso os dados irão agora para…a Administração Obama? O Departamento da Defesa dos EUA? CIA? Seria normal, afinal é a luta ao terror.
Nada disso. Os dados irão para uma empresa americana sediada na Bélgica, a Swift.

A Swift

Mas quem é esta Swift?
Fomos ver o site da empresa e espreitar quem é que ali manda (oficialmente, claro; pois é óbvio que quem puxa os fios fica no outro lado do oceano).

A seguir alguns dos membros da direcção.

  • Michael Fish, ex senior manager da AT&T, a maior empresa americana de telefonia fixa e a segunda na área dos telemóveis.

Pois é normal encontrar entre os executivos da Swift pessoas ligada a grandes empresas privadas dos EUA.

  • Rosie Halfhead, ex da Nielsen, empresa lider global no sector do marketing e ferramentas analíticas, cujos clientes são os principais produtores e retalhistas mundiais de produtos embalados.

Não só, mas a Halfhead em 2003 abriu uma firma toda sua, que trata de consultoria e trabalha com nomes do calibre da Toyota, Tetrapack, e…Banco Central Europeu.
Conflito de interesses? Mas não, mas onde…

  • Gottfried Leibbrandt que, ao longo de 18 anos, trabalhou na McKinsey & Company, a firma de consultoria de gestão de topo, lider a nível mundial.
  • Alain Raes, ex da Citibank. Olha, a Citibank, também aqui!
  • Francis Vanbever, ex da Exxon.
  • Rich O’Brian, ex da Citibank (outra vez?), da Barclays, Deutsche Bank, Credit Lyonnais e Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.

E agora algumas das figuras do Conselho de Administração:

  • Yawar Shah, 20 anos na JP Morgan
  • Stephan Zimmermann que, ao mesmo tempo, participa em outras duas empresas de consultoria financeira, uma a nível europeu (Telekurs-Holding Ltd.) e outra Suíça (Six Group Ltdsd.). 

Conflitos de interesses? Não, claro que não. 

  • Ignace Combes, ex da JP Morgan
  • Alain Pochet, ex da JP Morgan
  • Marcus Treacher, ex da HSBC 
  • Eli I Sinyak, executivo da HSBC 
  • Jeffrey Tessler. executivo também da Edmond Israeli Foundation 

O que significa esta lista?
Nada. E ao mesmo tempo muito.

Não há nada que impeça uma pessoa de trabalhar numa empresa e a seguir mudar para outra. E ainda bem que assim é.

Mas não podemos negar que os homens-chave da Swift tiveram ou ainda têm fortes ligações com:

  • grandes empresas privadas que operam no mesmo sector da Swift
  • grandes empresas multinacionais
  • bancos que nos últimos meses têm surgido nas páginas da crónica financeira nem sempre pelos melhores motivos.

Reparem que nesta breve lista não reportámos todas as ligações por cada um dos sujeitos, pois caso contrário este post teria dimensões enormes.
Mas podem sempre consultar as biografias na seguinte página da Swift.

Um banco, dois  escândalos (leve dois pague um)

Só para fazer um exemplo: de Jeffrey Tessler reportámos a ligação com a Edmond Israeli Foundation. Mas em boa verdade Tessler ocupa cargos direccionais também nas seguintes empresas: Clearstream International S.A.; Clearstream Banking S.A.; Deutsche Börse Systems AG.

Clearstream? Faz lembrar algo, não é? Pois…

Em Révélation$ (2001), do repórter investigador Denis Robert e do ex-banqueiro Ernest Backes, a Clearstream foi acusada de ser uma plataforma internacional para a lavagem de dinheiro e evasão fiscal através dum sistema de contas secretas ilegais (o “Clearstream Affair”).

Na Primavera de 2004, a “Second Clearstream Affair” começou, mas só atraiu a atenção significativa em 2006. Acusou várias personalidades políticas francesas (incluindo Nicolas Sarkozy), líderes da indústria e membros dos serviços secretos de manter contas secretas no Clearstream, que, alegadamente, foram utilizadas para a transferência de propinas no caso das fragatas França-Taiwan. No processo resultante foram arguidos o antigo primeiro-ministro Dominique de Villepin, o ex-gerente da EADS Jean-Louis Gergorin, Imad Lahoud e Florian Bourges.

Jeffrey Tesser, agora membro do Concelho da Administração da Swift, ainda trabalha na Clearstream.

São estas as pessoas que agora, graças aos nossos representante em Bruxelas, terão acesso aos nossos dados privados.

Perguntas estúpidas

Antes de acabar, percebemos que o leitor perguntará:

“Mas existem garantias de que os dados não sejam conservados após ter verificado que estes não servem para a investigação?”
Não.

“Mas existe a garantia de que após 5 anos os dados serão apagados, como da lei?”
Não.

“Mas agora os meus dados serão visíveis para quem?”
Swift (sempre esperando que não haja “fugas” maciças de informações), CIA, Serviços Segredos Israelitas. 

“Mas este acordo não viola o direito à privacy, estabelecido pela Convenção Europea dos Direitos do Homem?”
Sim, então? 

Ipse dixit.

Fonte: Swift, European Parliament

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