Uma das guerras esquecidas: Caxemira

Pode parecer esquisito, mas no mundo há guerras nas quais os Americanos não participam.
Não de forma directa, pelo menos.

Uma desta é um conflito antigo, “surdo” por assim dizer, que envolve dois Países orientais: a Índia e o Paquistão.

Uma das guerras esquecidas, acerca da qual pouco é dito.

Sabrina Cuccureddu, do óptimo Eurasia, explica quais as razões da guerra.

Jammu e Caxemira: origens e significados dum conflito

 
A disputa entre a Índia e o Paquistão é inerente, em particular, à soberania do fértil vale da Caxemira; na base das respectivas reivindicações são identificados factores geo-estratégicos, especialmente por parte do Paquistão, ideológicos e históricos. Na verdade, estes últimos são frequentemente utilizados para mascarar os primeiros, sobretudo aos olhos do povo da Caxemira.

Índia e Paquistão nasceram como Estados independentes em 1947, após o desmembramento do Império Britânico na área; os critérios considerados para a divisão foram basicamente geográficos e religiosos. Os mesmos critérios foram, no entanto, difícil de aplicar na região de Jammu e Caxemira; em 1947, de facto, havia um rei hindu nesta região e uma população de maioria muçulmana.

Esta primeira característica permite identificar as diferentes linhas tomadas por Islamabad e Nova Deli.

O Paquistão nasceu como pátria dos Indianos muçulmanos e, como tal, reclamava a anexação do vale. Desde Jinnah, primeiro governador-geral do Paquistão, todos os seus sucessores consideravam a identidade do Paquistão a dum Estado islâmico, embora não teocrático.
Esta visão foi desenvolvida ao longo dos anos, até chegar a um real irredentismo paquistanês: como alegada pátria dos Muçulmanos do subcontinente indiano, o Paquistão tentou incorporar o Estado com maioria muçulmana de Jammu e Caxemira na sua área.
As autoridades paquistanesas afirmaram que a anexação da Caxemira ao Paquistão era um dos objectivos necessários para completar o novo Estado.

Na Índia, o movimento nacionalista foi inspirado pelos princípios laicos: Gandhi teve um papel fundamental na revitalização da democratização do INC [Indian National Congress, NDT], quando Jawaharlal Nehru, que tornou-se primeiro-ministro da Índia, deu uma caracterização laica aos partidos políticos do Congresso.

Nestas bases reclamava a zona noroeste do subcontinente: controlar a Caxemira significava reiterar que o Estado criado pelo Congresso podia admitir no seu interior todas as facções políticas e qualquer comunidade religiosa, enquanto Estado de todos os Indianos.

Além disso, a notável diversidade étnica, regional e cultural da Índia não deixava outra escolha aos líderes políticos que queriam a unificação.

Parece clara, neste contexto, a origem do conflito indo-paquistanês.

O ponto de vista indiano, na verdade, era radicalmente oposta à ideia de Jinnah das “duas nações” (uma, o Paquistão, de maioria muçulmana, e outra, a Índia, a maioria hindu): um Estado laico baseado no nacionalismo civil é claramente opostos ao que apoia a construção das próprias instituições na base étnico-religiosa.

Quatro guerras opuseram ao longo de meio século a Índia e o Paquistão:

– Em 1947-48, logo após a independência, enfrentaram-se numa longa batalha para o Estado de Jammu e Caxemira, que tinha sido independente até então.

– Em 1956, outra guerra travada para o mesmo território.

– Em 1971,entraram em conflito durante a guerra civil que levou à divisão do Paquistão e ao nascimento do Bangladesh, no território do Paquistão Oriental.

– Em 1999, lutaram novamente nas montanhas da Caxemira.

Além destes conflitos reais, os dois Países foram os protagonistas de duas outras grandes crises em que a guerra foi quase desencadeada.

Dum ponto de vista ideológico (laicismo contra identidade religiosa), hoje as razões do antagonismo poderiam ser consideradas obsoletas, sobretudo dados os fracassos do Paquistão na defesa das próprias teorias; por isso há razões para além do factor ideológico e que têm em conta o valor geopolítico do território.

A Caxemira é, de facto, o nó geopolítico do subcontinente indiano, o fulcro em torno do qual são estudadas as estratégias da Índia e do Paquistão.

Para os estrategistas militares paquistaneses os rios Indo, Jhelum e Chenab que correm nesta região são considerados uma linha de defesa vital.

A prioridade deles é na verdade uma defesa segura contra ataques externos e a protecção das próprias fronteiras.
Apoiar o separatismo de Caxemira é vital para o Paquistão do ponto de vista militar, porque obriga as forças da Índia a ficar deslocadas em Jammu e Caxemira com uma parte substancial do exército (maior e melhor equipado do que o Paquistanês).

No que diz a respeito da segurança interna, no entanto, a identificação dum inimigo externo e duma causa comum, são usados pelos políticos para sublimar a existência dum válido elemento de agregação nacional (o mesmo vale para a Índia também).
A campanha anti-indiana é baseada na condução dum conflito “de baixa intensidade” para quebrar a Índia sem uma guerra convencional em grande escala (da qual sairia derrotado).

A Índia, também preocupada por um possível efeito dominó, insiste em considerar o separatismo na Caxemira como um problema interno; o seu objectivo é o reconhecimento da Linha de Controlo como fronteira permanentes, mantendo assim o Vale da Caxemira, o Jammu e boa parte do Ladakh.
Essa fronteira, de facto, seguem aproximadamente os mesmos limites étnicos e geográficos da região central da Caxemira, mas é obviamente obstaculizada pelo Paquistão.

A independência é o objectivo desejado por muitos habitantes da Caxemira (é o objectivo da Frente de Libertação do Jammu e Caxemira); o governo do Paquistão rejeita categoricamente esta opção bem como os nacionalistas indianos que descartam a possibilidade de perder a “jóia da coroa” do Himalaia.

Dual, portanto, a natureza deste processo; o paralelo que foi criado serve principalmente para realçar como entre as muitas razões (étnicas, religiosas, ideológicas), a mais importante seja a económica e política; a partir deste são organizadas as estratégias dos Países. É possível perceber isso pelo fato de que, mesmo faltando os fundamentos originais de oposição entre Islamabad e Nova Deli, os confrontos não acabaram e mesmo nos últimos meses têm prosseguido com intensidade crescente.

A solução a curto prazo parece improvável, até porque não devemos esquecer a situação de toda a área e a influência que os grandes actores da cena internacional (sobretudo China, Rússia e EUA [aqui estão eles, NDT]) têm sobre esta macro-região; as várias intervenções nas vicissitudes destes povos têm como pano de fundo o intrincado sistema de alianças geopolíticas para promover agora um agora outro País, sem ter em conta a legitimidade (inclusive jurídica) da soberania reivindicada.

O Jammu e Caxemira não é certamente um caso isolado; é, sim, um exemplo de como as estratégias são forjadas em considerações geopolíticas, levando em conta a riqueza do território, as relações com os pilares do equilíbrio global e da posição relativa dos diversos Estados. Às vezes, não é possível encontrar uma solução devido à falta de adequadas opções geopolíticas, que incluam todos os elementos que são utilizados para a estabilidade e equilíbrio.

Nesse sentido, examinar os detalhes da história destes Países serviria para tomar melhores decisões; com um olhar para o passado, você poderia encontrar uma nova linha política que Índia e Paquistão poderiam percorrer lado a lado; e com os Caxemires finalmente numa situação de equilíbrio e estabilidade que nunca tiveram.

Fonte: Eurasia

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