O Brasil nuclear – Parte I

Brasil potência nuclear?
Sim, e não desde hoje.

As primeiras incursões em âmbito atómico datam dos anos ’50. Desde então a pesquisa, apesar de alguns temporários retrocessos, não parou.

Qual a situação actual? O Brasil actua com o próprio conhecimento nuclear na área civil? Ou já estará na posse de bombas? E quais são as perspectivas?

Neste artigo de Limes o ponto da situação.

 O Brasil, o Irão, os EUA e a AIEA

Nos últimos anos, o mundo público assistiu com alguma surpresa ao activismo do governo Lula na arena internacional, tendente a prosseguir sem complexos um processo de política estrangeira soberana e de interesses autónomos de poder regional e global player. As principais questões decorrem dalgumas posições do Brasil em termos de segurança nuclear global, mas vamos com alguma ordem.

Em 2004, devido a uma inspecção de rotina, houve uma crise com a Agência Internacional Energia Atómica (AIEA), com causa na recusa em permitir o pleno acesso às instalações dos técnicos da Agência nas instalações nucleares em Resende, Estado do Rio de Janeiro. As autoridades brasileiras não permitiram a inspecção dos equipamentos de centrifugação para proteger segredos tecnológicos em matéria de levitação electromagnética. Depois de meses de negociações, foi encontrado um compromisso amplamente favorável ao Brasil: a AIEA teria controlado a composição dos gases em entrada e saída das centrífugas, mas não as centrifugas. O então secretário de Estado dos Estados Unidos, Colin Powell, justificou esta fraqueza declarando ter a “certeza” de que o Brasil não tinha planos para desenvolver armas nucleares e dois anos depois a sucessora, Condoleezza Rice, confirmou que não estava incomodada com a hipótese do Brasil tentar obter armas nucleares.

Angra 1

Ao longo dos últimos dez anos, o Brasil resistiu à pressão internacional para assinar o Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), que permitiria inspecções sem aviso prévio por parte da AIEA num grande número de instalações. Nos últimos meses, multiplicaram-se as posições dos altos funcionários do governo que justificam como inadequada a adesão do Brasil. O primeiro deles é o Ministro Chefe da Secretaria dos Assuntos Estratégicos (órgão consultivo directamente dependente do Presidente da República), Samuel Pinheiro Guimarães, para o qual o TNP, do qual o Brasil é signatário desde 1997, é um tratado injusto pois focaliza os poderes em quem já tem armas nucleares e a “aceitação do regime de inspecção equivaleria a um crime contra a nação”. Nenhuma surpresa, então, para a recusa da proposta duma moratória sobre novas instalações de enriquecimento.

Nos últimos meses o Brasil tornou-se protagonista, juntamente com a Turquia, da famosa tentativa diplomática para encontrar uma solução para o caso do Irão. Com esta acto, o País ficou realmente colocado em oposição dialéctica às tentativas do presidente Obama para um consenso global em torno da tese do Ocidente de bloquear os avanços nucleares iranianos. Nesta Primavera, o governo dos EUA tem feito um esforço considerável em reforçar a cooperação para combater a proliferação e para segurança de todos os materiais nucleares. Quis colocar a questão no quadro multilateral do direito decorrente do TNP e também assumiu compromissos importantes, como a redução de ogivas nucleares (o Tratado Russo-Americano de Praga) e uma nova doutrina nuclear, limitativa do número de casos em que seria possível a utilização da atómica. O acordo entre o Brasil, a Turquia e o Irão tem tido para muitos o sabor do desafio para a política das potências ocidentais, que têm, de facto, contestado o acordo como insuficiente e decidiram impor sanções ao Irão.

Outras questões em seguida, colocadas pela posição arriscada de defender o Irão e votar contra as mesmas sanções no Conselho de Segurança da ONU, onde o Brasil tem um dos assentos em rotatividade.

Angra 2

O governo Lula tem reavivado a partir de 2006 o programa de energia nuclear, que estava em estagnação desde 1985, com a decisão de investir 8,4 bilhões de Dólares para concluir a construção da central Angra 3 (suspensa por duas longas décadas) e a previsão de 4 – 8 novas centrais nucleares (até 10 GW de potência total) em 2020 e mais 40 estações em 2060. É preciso realçar a determinação dum rumo nacional, que torna o País totalmente independente, tanto tecnologicamente bem como para a capacidade industrial, no inteiro ciclo de produção de combustível nuclear. Esta atitude é severamente criticada por diversos observadores internacionais, que vêem motivações não económicas mas estratégicas ou militares. Além disso, a vocação de “auto-suficiência” é intrínseca ao programa de desenvolvimento, iniciado em 2007, duma frota de submarinos nucleares que serão lançados a partir de 2020.

Numa recente entrevista à BBC, o ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, em resposta à explicita pergunta, declarou: “renunciar à produção de artefactos militares, mas não podemos renunciar ao conhecimento científico”, confirmando que isso inclui o “conhecimento da fabricação da bomba atómica”. Mais: na revista Isto é Dinheiro, o Vice-Presidente da República, José Alencar, afirmou a importância das armas nucleares como armas de dissuasão para um País com 15 mil quilómetros de fronteiras e uma plataforma continental rica em petróleo (pré-sal) de quatro milhões de km2.

     O programa nuclear brasileiro
O programa brasileiro (clicar para ampliar)

Nos anos ’50, o Brasil e os Estados Unidos iniciaram um acordo de cooperação nuclear no âmbito do Programma Atoms for Peace: O Brasil recebeu dois reactores de investigação e, em 1971, o seu primeiro reactor de potência, Angra 1, da Westinghouse Electric . O governo brasileiro decidiu investir no início dos anos ’70 para dar ao País a plena capacidade no ciclo do combustível nuclear, na produção de reactores de pesquisa e de potência,  e no reprocessamento de combustível nuclear exausto. O primeiro objectivo foi aumentar a oferta de energia, utilizando as grandes reservas minerais de urânio e tório.  O acordo multi-bilionário de cooperação no sector com a Alemanha, lançado em 1975, previa a realização de oito reactores em 15 anos assim como a transferência do completo ciclo industrial do combustível com a tecnologia de enriquecimento por ultra-centrifugação.

Naquela época, o Brasil não era signatário do TNP e o negócio foi fortemente contestado pelos Estados Unidos: a transferência de tecnologia no Brasil foi impedido pela pressão dos EUA e promissora tecnologia de enriquecimento por ultra-centrifugação foi substituída com a jet-nozzle, que não teria abandonado o nível de protótipo. Houve assim um desperdício de aprox. 100 milhões de Dólares da época para uma instalação de enriquecimento com esta tecnologia não é competitiva e o atraso na inauguração da segunda central, Angra 2.

Também por causa dessa experiência, os governos militares decidiram lançar um outro programa nuclear não dependente da tecnologia estrangeira ou limitado por garantias internacionais: o chamado “programa paralelo”, caracterizado por um forte sigilo. Embora houvesse facções militares interessadas em adquirir armas nucleares, o programa operou principalmente com objectivos civis. Envolveu três Forças Armadas brasileiras, bem como centros de pesquisa e industriais. O Exército tinha planos para um reactor de urânio natural moderado a grafite, a Força Aérea começou a pesquisa sobre um método de enriquecimento a laser. Mas foi o programa da Marinha, que adoptou a ultra-centrifugação, o mais bem-sucedido. Tinha identificado a necessidade de operar com submarinos nucleares, na convicção de ter toda a infraestrutura necessária: bases de apoio, produção e manutenção dos componentes principais, enquanto que a dependência do estrangeiro teria implicado vulnerabilidade logística. A partir do mesmo ano, um programa estritamente reservado as armas nucleares (com um site para testes de explosões nucleares no coração da Amazónia, que permaneceu secreto até 1986) foi prosseguido até a chegada dos governos civis em 1985.

Acaba aqui a primeira parte do artigo dedicado ao tema do nuclear brasileiro.
A segunda parte aqui.

Fonte: Limes
Imagen Programa Nuclear Brasileiro: Galileu
Tradução: Informação Incorrecta

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