Puff! E a Belgica já não é – Parte II

Continuamos com a análise da situação belga.
Também porque faz lembrar uma realidade bem maior: a da Europa.
E, ironia, a “capital” da União, Bruxelas, fica mesmo neste pequeno Reino.

Uma pequena Europa

 

A última vez que na Bélgica foram realizadas eleições, em 2007, foram precisos 282 dias para formar um governo de maioria. Agora, após novas eleições, criar uma maioria parlamentar, poderia ser ainda mais difícil.

Entre os candidatos de língua holandesa na Flandres, no norte, a maioria dos votos foram para Bart de Wever, um populista que descreve o sul francófono do País, como os dependentes já acostumados às transferências fiscais dos poupados Flamengos. Quer dividir o sistema fiscal em dois, assim como o welfare e a maioria das despesas públicas. O rei e a nação chamada Bélgica podem ficar, por agora, mas a “evolução natural” das Flandres, diz De Wever,  vai na direcção da independência plena.

Entre os francófonos, que constituem 40% da população belga, a maioria dos votos foi para Elio Di Rupo, um socialista cujo grito de guerra é “solidariedade” entre os Belgas (ou seja, continuar com as transferências das Flandres). Embora a dívida pública da Bélgica seja 99% da receita, Di Rupo promete aumentos acima da inflação para despesas de cuidados de saúde e pensões. A última “invenção” foi o exigir controles dos preços de duas centenas de mercadorias, incluindo o pão e o leite. Bom, a maioria do governo terá que ser encontrada através do consenso entre estes dois homens.

Não foi uma campanha eleitoral memorável. Os líderes belgas falaram muito poucos da grande questão da crise económica, a pior numa geração. Preferiram enfrentar-se sobre os direitos linguísticos de uma série de enclaves na comunidade flamenga e acerca de outros mistérios locais.

Durante anos, o Estado federal belga foi um exemplo para a União Europeia, na qual o poder teria fluido para cima, das regiões até o super-estado europeu, num longo processo que finalmente teria transformado os estados nacionais em cascas vazias. Não surpreende que os belgas gostassem desta perspectiva: era a promessa de desmantelar o problemático Reino deles nos Estados Unidos da Europa (dos quais Bruxelas teria sido a capital). Mas a Europa tem tomado um caminho diferente. Os Estados-nações têm-se revelado difíceis de morrer e a política europeia tem vindo a ser dominada por alguns líderes nacionais.

De facto, também estas eleições tornaram a Bélgica numa espécie de modelo para a Europa: uma união na qual as divisões norte-sul minam a integração política e económica. Considerem o repertório propagandista de De Wever. As suas reivindicações não limitam-se a atacar os bilhões de Euros transferidos das Flandres para o sul. Lançar a acusação de que os inspectores fiscais são muito menos zelosos no sul. Reclama que as auto-estradas estão repletas de radares na Flandres, enquanto não há nada na Valónia. O ministro do orçamento regional, seu colega de partido, queixou-se da frugalidade financeira das Flandres, que visa atingir um superavit em 2011, quando os líderes da Valónia francófona e de Bruxelas estão a preparar-se para deixar correr o deficit por mais cinco anos . Um responsável da Saúde do N-VA, o partido de De Wever, falou de lucros, preços inflacionados e abusos francófonos em hospitais do sul.

Também a norte da Bélgica, na Holanda, falou-se de Europa nas eleições de 09 de Junho. Mas Mark Rutte, líder do liberal VVD e próximo primeiro ministro, prometeu cortes drásticos no pagamento dos Países Baixos para a UE e rejeitou como “lavagem de dinheiro” os fundos europeus destinados às áreas atrasadas da União Europeia. Sinais evidentes dum choque cultural norte-sul, que na Alemanha ocupam as primeiras páginas dos jornais quando a imprensa local pergunta porque os Alemães deveriam pagar os Gregos para estes aposentar-se aos 55 anos.

O que eles precisam é disciplina

Tudo isto tem impacto sobre a Europa. O continente é dividido entre um bloco alemão, determinado a salvar o Euro através da disciplina orçamental, e um bloco meridional, liderados pela França, que quer salvar a situação por meio de empréstimos a baixo custo através de Eurobonds, transferências dos ricos para os pobres dentro duma união fiscal e assim por diante.

Mas se a Bélgica, que é um único e pequeno Estado, está a lutar arduamente para preservar a própria união fiscal, que esperança pode ter a Europa de criar uma união a partir do zero? Os apoiantes do Sul da “solidariedade” acusam os nortistas de egoísmo. Esta é uma óbvia simplificação: a disputa em curso não é simplesmente uma questão de dinheiro. A Bélgica oferece à Europa uma lição adicional: para os eleitores concordarem com a transferência dos próprios recursos, querem ter a certeza de que aqueles que os recebem possam ser democraticamente chamados à explicar como os utiliza.

As razões para as quais a Bélgica está a morrer como nação são muitos, e uma das principais é a falta de democracia nacional. Os sulistas que acreditam na Bélgica não pode votar contra De Wever. Os eleitores Flamengos preocupados com o deficit orçamental não podem fazer nada para punir o gastador Di Rupo. Este deficit democrático é reflectido na Europa. A Alemanha tem sido criticada por propor normas punitivas para a Zona Euro, segundo as quais os membros que não cumpram os pactos perderiam os fundos comunitários ou o direito de voto. Mas a atenção dos Alemães para a disciplina fiscal é provavelmente uma tentativa de introduzir um “deficit democrático”. Os Alemães poderiam encontrar-se a salvar a Grécia e a Espanha sem ter qualquer poder para escolher um governo espanhol ou grego com vontade de empenhar-se nas reformas. O próximo passo pode ser condicionar o resgate à regras vinculativas para que os governos do sul levem a sério as coisas das quais os eleitores Alemães gostam.

Os sonhadores europeístas dizem que uma união fiscal continental pode ser construída sobre a legitimidade do Parlamento Europeu. No mundo real, a maioria dos eleitores não sabem quem são os próprios representantes em Estrasburgo, nem quer saber. Construir um prédio tão grande com uma base tão frágil equivale a ter a certeza de vê-lo ruir. Tudo bem, respondem estes sonhadores, nas próximas eleições europeias os Presidentes da Comissão Europeia e alguns membros do Europarlamento devem candidatar-se em colégios pan-europeus. Uma vez que o continente irá abraçar as políticas pan-europeias, qualquer ideia de união fiscal ou de orçamento comum pode tornar-se possível. Parece bastante lógico, mas as divisões europeias são muito profundas. Perguntem à Bélgica, um país de dez milhões de pessoas que lutam para alcançar políticas pan-belgas.

Fonte: The Economist

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