Os problemas das águas: o Nilo

Geopolítica? Sim, mas desta vez acerca duma zona muitas vezes esquecida.

A bacia do Nilo foi um dos berços da civilização, mas agora enfrenta grandes problemas. A causa? O ouro azul, a água.

Enquanto nos Países ocidentais o pesadelo é o petróleo, em outros locais do mundo as necessidades são muito mais básicas e importantes: beber, dar água aos animais, irrigar os campos.

Dito de forma mais simples: sobreviver.

Scienzeedintorni dedica espaço a um longo artigo que explica a situação vivida pelos Países à beira do rio:

Com mais de 6.500 mil quilómetros, o Nilo nasce da confluência do Nilo Branco, originária dos planaltos da Etiópia, e do Nilo Azul, o emissário do lago Victoria. A partir da região dos Grandes Lagos na África para o Mediterrâneo, através de muitos Países é um dos rios mais cheios de história. As suas águas fizeram a fortuna e o azar dos antigos Egípcios e dos seus Faraós: com as suas cheias cobria a terra de fértil lama, alem de fornecer a água necessária para a agricultura. Muitas fases da turbulenta história do antigo Egipto têm sido recentemente associadas a períodos de instabilidade climática, onde o Nilo não fazia o seu “dever”.

160 milhões de pessoas em 10 Países dependem do Nilo e dos seus afluentes, números que deverão duplicar nos próximos 25 anos. E além de uso potável e da irrigação, também as perspectivas de desenvolvimento industrial irão aumentar o valor da captação de água per capita.
O impacto sobre o ambiente, até mesmo a vida no Mediterrâneo, duma utilização excessiva dos recursos hídricos poderia ser devastador num ecossistema que, com a construção da barragem de Assuão, já sofreu danos graves a partir de solos mais pobres, desequilíbrios na zona do  delta e uma série de outros problemas, incluindo até mesmo uma mudança nas correntes marinhas.

Em 1929 foi assinado o “Nile Water Agreement”. Estamos em plena era colonial. Além de ter reservado para a grande nação do Norte Africano uma grande quantidade de água, o acordo daria ao Egipto o direito de vetar qualquer trabalho sobre a exploração do rio. Este acordo foi actualizado em 1959.

O problema fundamental é que, ao exercer o seu direito de veto, o Egipto sempre se opôs a qualquer obra inerente ao curso do Nilo nos Países da parte superior do rio, especialmente obras de desvio para a irrigação.
Agora os Estados do Leste Africano têm chegado à conclusão de que esta lei é um anacronismo e antinatural. Representando a voz dos Países em causa, o primeiro-ministro etíope Meles Zenawi,afirmou recentemente que “no Egipto ainda há que tenha aquelas ideias ultrapassadas segundo a qual as águas do Nilo pertencem ao Egipto”; mas agora “as circunstâncias históricas mudaram” e, portanto, o governo do Cairo deve entender que “não pode parar processos que não podem ser interrompidos”, esperando “um esforço diplomático” para resolver a questão.

Mas o esforço ou não aconteceu ou foi inútil: no 14 de Maio em Entebbe, quatro destes Países (Ruanda, Etiópia, Uganda e Tanzânia) assinaram um acordo para a utilização e a partilha das águas do Nilo para uma utilização potável, irrigação e para produção de electricidade. A estes Países, o Quénia (país regularmente atingido por secas severas) deu o seu apoio público: em 2004, Nairobi tinha julgado claramente inadaptado o Tratado de 1929. Nos termos deste acordo, o poder de regulação, agora sempre formalmente nas mãos do Egipto, deveria pertencer a um organismo supranacional, a Nile Basin Commission, com sede em Adis Abeba, uma transformação da actual Nile Basin Initiative.

Ao organismo actual aderem Congo, Ruanda, Uganda, Burundi, Quénia, Tanzânia, Etiópia, Sudão e Egipto, enquanto a Eritreia tem apenas estatuto de observador. No organismo futuro o Egipto perderia o direito de veto, mantendo o direito de expressar uma opinião significativa, embora não vinculativa, tendo em consideração que tem quase a metade dos habitantes da bacia. O governo do Cairo não gosta deste “favor”.
A Nile Basin Initiative oficialmente procura um desenvolvimento sustentável para uma região caracterizada pela sede e pela pobreza. Algumas ONG, porém, contestam porque os planos teriam uma abordagem muito autoritária  e não levariam em conta as necessidades reais das populações.

O acordo de Entebbe reconhece o fracasso das negociações entre os Países do Alto Nilo e os do Baixo Nilo.

 Sudão e Egipto, que dependem quase exclusivamente dos recursos hídricos do Nilo, estão muito preocupados, um pouco porque até hoje fizeram a parte do leão na exploração do rio, um pouco porque é claro e evidente que a faca está nas mãos das Nações que estão no alto curso do rio (e que nalguns casos estão realmente sem água). O Egipto, onde a grande maioria da população vive numa faixa estreita ao longo do rio Nilo, depende em parte da electricidade produzida por mais de 10% pela barragem de Assuão. Além disso, se até agora ao País das pirâmides foram suficientes 55.000 milhões de metros cúbicos de água dos 86  que passam a cada ano, as previsões são para um aumento acentuado da quantidade.

Na prática, poderiam “saltar” os planos de desenvolvimento e de controle dos recursos, porque há um receio fundado de que muitos Países da parte Alta do curso possam desviar muita água para irrigação e nesta altura o Egipto já não poderia dispor à vontade do recurso. Também podem existir efeitos negativos sobre a mesma qualidade da água no caso de uma forte diminuição do caudal, devidos aos desvios e, no caso dum desenvolvimento industrial, também por causa da possível poluição. É também preciso manter o fluxo dentro de certos limites mínimos: no caso de uma excessiva diminuição poderia haver uma redução das águas subterrâneas nas redondezas e na área do delta, que já luta com os fenómenos de subsidência: poderia facilitar o aumento do teor de água marinha, com consequências desastrosas para a agricultura.
No Egipto, além do governo também as pessoas estão com medo, e há o temor dum ressurgimento nacionalista: o acordo de Entebbe é visto quase como uma sentença de morte para os Egípcios, que continuam a considerar a própria terra como um presente do rio. Há também críticas ao governo, que nas últimas décadas teve mais uma dimensão medioriental do que africana. Do Sudan, pelo contrário, poucas informações.
Por outro lado, imaginemos a situação de quem tem sede ou deve irrigar os campos, tem água na frente mas não pode toca-la…

Obviamente este poder do Egipto é muito impopular nos Países do Alto Nilo: o Parlamento do Uganda, por exemplo, perguntou porque o Egipto pode desenvolver-se utilizando a água do Nilo enquanto eles não, pedindo por isso, pelo menos, um reembolso em dinheiro. E que nos Países do Alto Nilo já existam projectos em andamento não é um segredo: como a Tanzânia que está a planear um aqueduto para captar água do lago Victoria; e embora, oficialmente, diz que será só apenas para fins domésticos e para dar água aso animais, existem temores de que as águas do facto serão usadas para a irrigação. Devemos considerar também a possibilidade de que estes Países possam construir aquedutos para servir outros povos, de zonas com dificuldade em encontrar água, mas fora da bacia do Nilo: o número dessas pessoas é notável este seria realmente um problema para áreas do baixo Nilo.

Ao desfrutar de forma excessiva o recurso Nilo, causando problemas nas zona mais perto do delta, haveria certamente ventos de guerra na região, como já foi ventilado há alguns anos pelas autoridades egípcias.
A União Europeia está a tentar uma difícil mas necessária mediação. Infelizmente a situação é complicada e razões técnicas soma-se ás razões políticas, incluindo o orgulho daqueles que “não podem” dar um passo atrás.
No entanto, nestes dias, há uma intensa prática diplomática que pede aos egípcios uma maior flexibilidade sobre a questão, é geralmente aceite a ideia que não pode durar muito tempo a motivação dos “direitos históricos”. O Quénia, que não assinou o acordo, está a responder aos apelos da União Europeia como principal negociador interno entre as duas posições: o primeiro-ministro Raila Odinga visitou há pouco o Cairo, onde ele usou tons conciliadores.

Fonte: Scienzeedintorni
Imagens: Wikipedia

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