Entrevista: Chomsky e o terrorismo

Avran Noam Chomsky é um activista político americano. Além disso é um conceituado linguista e filosofo.

Assumidamente de esquerda, descreve-se como um socialista-libertário e é conhecido pelas próprias posições criticas da politica exterior dos Estado Unidos.

Chomsky, cujo website pode ser visitando com este link, foi entrevistado pelo Excalibur Online:

Quanto é importante a compreensão do papel desempenhado pelos estados como os EUA e o Reino Unido ao considerar a questão do terrorismo?

Depende, se desejarmos ser honestos e verdadeiros, ou se iremos servir o poder do Estado (…) Devemos considerar todas as formas de terrorismo.

Escrevo sobre o terrorismo há  25 anos, desde quando a administração Reagan tomou posse em 1981 declarou que o ponto focal de sua política externa teria sido a guerra contra o terror. A guerra contra o terrorismo definindo como flagelo do mundo moderno por causa da barbaridade e assim por diante. Esta foi a peça central de política externa e, a partir daí, escrevi sobre o terrorismo.

Mas o que escrevo causa raiva extrema pela simples razão de que eu uso a definição oficial de terrorismo fornecidos pelo governo EUA e que está no texto oficial da lei oficiais dos Estados Unidos. Se usarmos essa definição, percebe-se claramente que os EUA são o maior estado terrorista e o maior apoiante do terrorismo e, porque tal conclusão é inaceitável, causa raiva furiosa.

Mas o problema é a recusa em reconhecer que o teu terrorismo é terrorismo. Isto é válido não só nos Estados Unidos, é verdade em geral. O terrorismo é uma coisa que fazem contra nós. Em ambos os casos, é terrorismo, e se desejarmos ser sérios temos que encarar o problema.

Em 1979, a Rússia invadiu o Afeganistão. Os EUA utilizaram o regime de Ziaul Haq no Paquistão para financiar o aumento da revolta. Isso deu a luz verde para Ziaul financiar o terrorismo transfronteiriço de Caxemira. Agora parece que temos alguns desses grupos que explodem bombas em Mumbai. É claro que esses grupos não são mais controlados por nenhum governo.

Os movimentos da jihad na sua forma moderna baseiam-se numa altura anterior ao Afeganistão. Foram originalmente formados no Egipto na década de ’70. Estas são as raízes do movimento jihad, nascido das bases intelectuais, activistas e até do mesmo terrorismo.

Mas quando a Rússia invadiu o Afeganistão, a administração Reagan considerou isso como uma oportunidade para atingir o seus objectivos da Guerra Fria. Actuou bem com a intensa cooperação do Paquistão e da Arábia Saudita e de outros (…) e a administração Reagan organizou os extremistas islâmicos mais radicais que podia encontrar em qualquer lugar do mundo e trouxe-os para o Afeganistão, para treinar e armar-los.

Entretanto, os EUA apoiavam Ziaul Haq enquanto transformava o Paquistão num País cheio de madrassas e fundamentalistas. (…) Além disso, a administração Reagan continuou a confirmar oficialmente ao Congresso que o Paquistão não está desenvolvendo armas nucleares, como na verdade, de modo que EUA ajuda ao Paquistão pôde continuar. O resultado final destes programas foi de armar perigosamente o Paquistão e também de criar um movimento jihadista internacional, do qual Osama bin Laden é um produto. O movimento jihad é então multiplicou-se (…) podem não gostar, mas foram eles que o criaram.

E agora, como observou, é na Caxemira.

A Caxemira, no entanto, é uma história ainda mais complexa. Há muitos problemas na Caxemira e derivam do passado, mas a maioria dos conflitos actuais são da década de ’80. Em 1986, quando a Índia bloqueou a eleição, na verdade roubou-a, o que levou à revolta, à violência do terrorismo e à atrocidades, incluindo as atrocidades cometidas pelo exército indiano.

O legado colonial é geralmente esquecido pela media. Qual é o papel desse legado no surgimento de terroristas criados em pátria e crescidos em Países como EUA, Reino Unido e Canadá, além da criação de terrorismo como um todo?

A questão não é abordada no Ocidente, porque é desconfortável pensar sobre os próprios crimes. Basta olhar para os grandes conflitos em curso na África, Oriente Médio, África do Sul, muitos deles são remanescentes dos sistemas coloniais.

Os sistemas coloniais impuseram e criaram estados artificiais que nada tinham a ver com as necessidades, os interesses e as relações das populações envolvidas. Foram criados no interesse das potências coloniais, e quando o velho colonialismo mudou para moderno neo-colonialismo, muitos desses conflitos acabaram em violência e representam muitas das atrocidades que acontecem no mundo hoje. Como podemos afirmar que o colonialismo não é relevante? Claro que é, e ainda mais directamente.

Pensamos o atentado de Londres em 2005. Blair tentou fingir que nada tinha a ver com a participação da Inglaterra na invasão do Iraque. Isso é totalmente ridículo. De acordo com a inteligência britânica e as histórias das pessoas ligadas ao ataque, a invasão britânica e os horrores cometidos no Iraque tinham inflamado estas pessoas que quiseram reagir de alguma forma.

Qual é o papel do intelectual, quando trata do imperialismo, e os intelectuais fazem o próprio trabalho?

Infelizmente, os intelectuais fazem a tarefa histórica deles. O papel histórico dos intelectuais, infelizmente, se olharmos para trás, foi de apoiar os sistemas de poder e justificar as suas atrocidades. Este é o artigo que podes ler no National Post, surgido da imaginação de grosseiros conhecedores estalinistas, isto é o que os intelectuais costumam fazer.

Se olharmos para a Bíblia, há uma categoria de pessoas chamados de profetas, o que pode ser traduzido como intelectuais. Eles eram o que chamaríamos de intelectuais dissidentes: criticavam o mal, dando análises geopolíticas, referindo-se ao tratamento ético das crianças órfãs e a comportamento decente. Eram dissidentes intelectual. Foram tratados da maneira correcta? Foram presos ou levados para o deserto e assim por diante, foram um aspecto marginal. As pessoas que foram bem tratados foram aqueles que, séculos mais tarde, como no Evangelho, foram chamados falsos profetas. O actual papel do intelectual é a de apoiante do poder.

Deveriam faze-lo? Certamente que não, deveriam procurar a verdade deveriam ser honestos, apoiar a liberdade e a justiça, e há alguns que o fazem. Há uma franja que o faz, mas não são bem tratados. Cumprir a tarefa que os intelectuais deveriam cumprir.

O que é que mantém a sua motivação?

Vou contar uma breve história. Um par de meses atrás estava em Beirute para uma conferência na universidade americana da cidade. Após o discurso, as pessoas vinham a falar-me em privado ou pedir um autógrafo no livro.

 Estava dando uma palestra num teatro no centro da cidade, em torno havia um grupo considerável de pessoas e uma mulher jovem, pouco mais de 20 anos, aproximou-se e disse assim: “O meu nome é Kinda” e praticamente desmaiou. Tu não sabes que é Kinda porque vivemos num tipo de sociedade onde a verdade está escondida. Mas eu sabia quem ele era. Tinha um dos meus livros abertos na página onde eu tinha citado uma das suas cartas que tinha escrito quando tinha sete anos.

Foi depois do bombardeio EUA na Líbia, a família dela vivia na Líbia na altura, e ela escreveu uma carta que foi encontrada por um meu amigo jornalista que tentou torna-la pública nos Estados Unidos, mas não conseguiu devido ao facto de que ninguém queria publica-la. Ele chamou-me e eu publiquei. A carta dizia algo como:

“Caro Sr. Reagan, tenho sete anos. Eu quero saber porque você matou a minha irmã, a minha amiga e minha boneca de pano. E porque somos palestinianos? Kinda.”

Esta é uma das letras mais tocantes que já vi e quando ela me abordou e disse de ser Kinda, como já disse, caiu sem sentidos, não só por causa dos acontecimentos, mas por causa do que tudo isso significava.

Aqui estão os Estados Unidos sem qualquer desculpa para bombardear outro país, matar e destruir, e ninguém quer saber o que uma criança de sete anos escreveu sobre as atrocidades. Este é o tipo de coisa que me mantém motivado e eu tenho que manter todos motivados. E podes multiplicar isso por 10.000.

Fonte: Chomsky.Info

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