Redundant

Dívida, acções, inflação…é normal falar destes assunto ao pensar nas Bolsas. Por isso é normal esquecer que as Bolsas de Valores são locais de trabalho, onde operam pessoas como nós: com medos, esperanças, inseguranças, sobretudo numa altura complicada como esta.

A crise económica atinge também quem trabalha “no outro” lado dos ecrãs: os operadores de Bolsa.

James Charles Livermore nasceu no dia 11 de Junho de 1981. Depois de uma licenciatura em economia, a partir de 2005 trabalhou na banca de investimento, tratando de negociação e finanças estruturadas. A sua carreira profissional foi realizada em grande parte no distrito financeiro da cidade de Londres, a City, com episódios em Milão e Paris. Desde Londres segue com particular atenção os mercados de câmbio entre Euro e libra esterlina.

Dele é o seguinte testemunho que apresenta uma realidade diferente mas tragicamente real.

Para ter uma ideia de como é viver nos mercados nas últimas semanas, é preciso mergulhar no passado. Não é necessário ir muito longe: tudo aconteceu numa noite. Refiro-me à noite, ou talvez à tarde, quando todos os que trabalham nas finanças em Londres ficou familiarizado com o termo “redundante”.

Redundante é o eufemismo barroco com que os serviços de pessoal definem quem foi demitido. Recentemente aconteceu um pouco por todos os lados. A primeira rodada começou no final de 2007 e, desde então, o machado dos recursos humanos atingiu as salas do mercado a cada trimestre, até meados de 2009.

Difícil voltar no jogo uma vez acabados na rede. Por isso quem ainda caminha entre os becos da city tem entusiasmo, de certa forma inadequado, do sobrevivente. Quem ainda está aqui, em suma, da redundância conheceu apenas o procedimento inicial, o anúncio dado no centro da sala com o chef de pé em cima duma mesa, enquanto cai num silêncio irreal.

Depois a corrida para o computador para actualizar os e-mail, com a respiração suspensa até o vizinho pôr as mãos nos cabelos e tu percebes que escapaste mais uma vez. O que acontece com o redundante, desde a saída da sala, nós sobreviventes sabemos muito pouco. Numa determinada altura, todavia, tudo se torna terrivelmente real. Acontece na noite em que um sobrevivente vai ao pub para uma refeição e o seu amigo anuncia a queima-roupa: “Fizeram-me redundante.” Escusado dar as voltas: será uma noite de adeus.

Nas últimas semanas, a crise atingiu as dimensões globais que muitos temiam ser ao virar da esquina. Histórias como as dos meus amigos passam em silêncio, como o fim é inevitável. Estes rapazes vêm da América, a partir do hemisfério sul, vindos dos quatro cantos da Europa e do Mediterrâneo oriental, todos chegaram em Londres com uma saudável dose de ambição e vontade de queimar etapas.

Enquanto a grande maioria de nós faz as malas, debaixo dos holofotes ficam a dívida pública, o colapso do mercado e os salvamento de gigantes financeiros considerados inoxidáveis até a noite anterior. Paralelamente a estas figuras, floresce a literatura dos peritos, teorias de improváveis conspirações e, em alguns casos, o banqueiro aparece na crónica: breve aparição no papel do indivíduo sábio ou arrependido, muitas vezes viste o papel de bode expiatório.

Pessoalmente não acho que a montanha russa tenha acabado, mas sinto que entre a euforia duma salvação e o pânico para um novo fracasso, o que está em risco, antes mesmo do dinheiro, é perder nós mesmos. Esta é a confusão que podem encontrar, talvez disfarçada, na city. O estado de confusão em que já não sabemos para onde ir, ou, pior ainda, o que fomos fazer. E, com a incerteza, um caminho tem o mesmo valor dum outro.

É inútil procurar uma direcção na bússola louca dos mercados: o que parecia ser uma bola de cristal mostrou ser uma bolha especulativa, pontualmente explodida.

O que mais resta para analisar os próximos passos? Nas últimas semanas os agentes de fiscalização estão trabalhando duro, prontos para sustentar as operações financeiras com instrumentos cada vez mais eficientes e sofisticados. Os reguladores disseram que estão prontos para novas regras, os legisladores para novas leis e quase é tentador pensar que, basicamente, sim, talvez tudo realmente volte como antes.

A tentação de liquidar os últimos meses esfregando os olhos, como se estivéssemos num pesadelo irreal do qual vamos acordar mais cedo ou mais tarde, é forte. E a solução parece estar à mão (há uma conspiração para impedir, o banco para processar, a receita económica a prova de dívida…), embora fuja um pouco antes de ser agarrada.

No entanto, entre as muitas medidas a adoptar em breve, há um fenómeno que vale a pena realçar. A finança, especialmente de Londres, está a mudar de pele. Enterrada sob toneladas de processos, o banco de investimento é pouco provável que seja ainda capaz de atrair talentos de todo o mundo ao mesmo ritmo dos últimos vinte anos.

Agora é muito cedo para declarar o que será a nova fronteira: se o comércio de produtos locais, a informática ou a emigração em massa para o oriente. Certamente, para ter uma saída, será preciso investir nas intuições capazes, talvez contra todas as expectativas, de trazendo o talento de cada um ao serviço de todos.

Fonte: Il Sussidiario
Tradução: Massimo De Maria

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