Entrevista: Saskia Sassen

Recebidos pelas Bolsas como verdadeiro oxigénio, o compromisso alcançado pelos ministros das Finanças da UE é, ao invés um desastre para Saskia Sassen.

Eis uma entrevista com esta estudiosa de origem holandesa, que ensina na Columbia University, na London School of Economics e é considerada uma das maiores autoridades intérpretes dos processos de globalização.

Como julga a crise grega e a solução adoptada pela União Europeia? Uma resposta necessária, ou um medicamento que é susceptível de agravar a doença?

Esta é uma solução financeira para uma crise financeira que não vai quebrar o círculo vicioso que causou a crise, que, na verdade, consolida. Com esta decisão, de facto, estende-se a vida útil do modelo financeiro. Em cinco anos vamos re-encontrar a mesma situação. Quanto mais vamos a financeirizar o sistema económico – ou, como neste caso, a realizar os seus desejos – tanto mais as crises tornam-se mais uma característica sistémica. Por isso acho que o povo grego, que cheirou a queimado, fez bem em manifestar. A maior parte das verbas atribuídas, de facto, não vai passar pelas suas mãos, nem temporariamente. Não vai ser usado para criar empregos. Pelo contrário, irá para os bancos, as grandes instituições financeiras. O Governo grego vai usa-lo para pedir mais empréstimos. É uma solução absurda e catastrófica. Uma forma extrema de arrogância do poder, assim como uma aguda falta de planeamento político por parte dos leader políticos.

Também desta vez a Europa, em que se insiste em olhar como uma incubadora de possíveis novos paradigmas políticos, parece ter simplesmente seguido as soluções que já vimos no passado. E, junto com o FMI, decidiu condicionar as ajudas com planos recuperação económica extremamente rígidos …

Às vezes parece que os políticos se renderam. Que tenham renunciado a inteligência para pensar na política e na sociedade. Esta solução não é que a aplicação de um modelo já adoptado pelos Estados Unidos de Barack Obama, que assim se torna sistémico. A Europa, também – que parecia possuir uma forte barreira contra a lógica financeira – tem caído na armadilha de salvar os bancos. Os 27 estados-nação da UE decidiram utilizar os instrumentos jurídicos e políticos nacionais para extorquir o dinheiro dos contribuintes para um fundo destinado na maioria parte às principais instituições financeiras globais. Em outras palavras, num piscar de olhos, estas instituições foram capazes de impor à União Europeia, laboriosamente construída peça por peça ao longo de sessenta anos, uma plataforma comum da qual tirar. Muitos anos atrás, quando o neoliberalismo impôs as suas regras, a propósito dos Estados Unidos eu falava de uma verdadeira reestruturação imposta pelo FMI, apesar de ter sido apresentada na forma de eficiência. Hoje vemos que os ajustes estruturais, que pensámos que só poderiam interessar a África, América Latina, os países pobres da Ásia, também afectam o Ocidente.
E o modelo que está por trás, destruindo as pequenas empresas e as pessoas mais pobres, promove a desigualdade e produz um excedente populacional entendida como desnecessária, entrou na Europa. Comprometendo, mesmo na Europa Ocidental, a capacidade do Estado em fornecer as ferramentas para promover o desenvolvimento da população. Ao escrever a história deste período, iremos reconhecer que este é um abuso de poder. No entanto, quando você começa a abusar de poder, como foi demonstrado pelos casos da União Soviética e da América Latina as ditaduras militares, é o começo do fim.

No entanto, apesar de “o começo do fim” e da vulnerabilidade do sistema neoliberal, os movimentos sociais estão em atraso, alguns até parecem em retirada, a esquerda europeia é sem voz, e as propostas políticas inovadoras não existem….

Estou convencida de que também a falta de poder, sob certas condições, pode “fazer história” e que essa falta pode tornar-se complexa quando são desestabilizados os significados políticos tornados estáveis. Mas como começar? Protesto, dizendo que o poder “aqui estamos, nós  também estamos aqui”, já não é suficiente, também porque corremos o risco de cair na dialéctica de Hegel dono-escravo, apenas para reclamar um pouco mais poder e liberdade. Pelo contrário, é preciso “fazer o social”, construído. E há muitas coisas que estão sendo construídas activamente em todo o mundo, graças as quais é estabelecida uma nova topografia política. Como a economia solidária na América Latina, o que não é só uma economia informal, mas um uso diferente dos tradicionais instrumentos económicos, uma mudança para fins alternativos. Isto não é fazer uma revolução socialista, mas agir, especialmente onde existem estruturas organizacionais consolidadas, em cidades, regiões ou simples localidades, e utilizando-as para diferentes fins. É possível faze-lo descentrando, distribuindo, re-urbanizando o sistema bancário, por exemplo: por causa da crise, as pessoas se tornam mais pobres, é de certa forma são forçadas a desenvolver as próprias ferramentas de produção.
E os bancos de pequeno porte – está necessariamente ligados à dimensão local – podem tornar-se os nossos meios colectivos de produção, mesmo se a propriedade não está em sintonia com os nossos interesses. Ou pode se feito com a agricultura urbana e regional, com os mercados agrícolas locais, com os trabalhos artesanais, com todos os projectos incluídos na greening economy. Em outras palavras, a economia deve se recuperada pedaço por pedaço, construir uma nova economia que seja “nossa” através de muitas iniciativas que se estão espalhando e que, mesmo que possam parecer soltas e desconexas, desenham uma trajectória precisa. Não há necessidade de perseguir um grande ideal: podemos começar a mudar as necessidades diárias, o espaço começar com o básico sem a ilusão de que podemos destruir tudo. Como tem acontecido em algumas fábricas ocupadas na Argentina: áreas totalmente alteradas através de práticas materiais também muito básicas. É através desta prática que pode dar-se vida a novas temporalidades. Alternativas às do poder.

Uma consideração pessoal: a Sr.a Sassen apresenta um ponto de vista clássico da esquerda norte-americana. Um análise que podemos partilhar mas com conclusões que parecem utópicas e minimalistas. Talvez não seja possível criar nichos nos quais viver felizes: os nichos seriam cedo ou tarde absorvidos e reciclados na lógica de produção…

Fonte: Liberazione
Tradução: Massimo De Maria

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