Portugal: o cerco aperta

A situação fica mais complicada para Portugal.

E não era preciso ser um vidente para antever uma situação como esta. As notícias que circulam hoje nos órgãos de comunicação reflectem uma situação já anunciada: as atenções dos mercados internacionais já não são só para a Grécia.

Aliás, agora que a ajuda económica para Atenas está em marcha, o elo mais fraco pode ser outro.

Adivinhem quem?

Começamos com o Jornal de Economia transmitido pela Sic hoje.

Tudo claro?

As possibilidades de Portugal estão ligadas à capacidade de reduzir o enorme deficit; e reduzir o deficit é possível, segundo as previsões de crescimento feitas pelo governo. O problema é que nestas previsões parece acreditar só o governo: os operadores económicos internacionais são mais pessimistas. E com os fracos sinais de recuperação que circulam aos quais podemos somar os riscos de uma queda (ver relatório FMI), bom, não é difícil entender esta falta de confiança. 

Por outro lado o governo português tem uma atitude…bah, como defini-la?
É sempre de hoje a notícia segundo a qual Portugal colocou no mercado mais dívida do que inicialmente previsto. Assim o total da emissão fica pelos 1.075 milhões de euros, segundo a Bloomberg.
Financiar a dívida contraindo nova dívida. Agora é mais fácil entender a desconfiança dos mercados.

É verdade que a Grécia pôs no mercado ainda mais dívida; e é verdade que os juros helénicos são mais altos. Todavia falamos sempre de números péssimos: os juros das Obrigações do Tesouro portuguesas a 10 anos estão a subir 15 pontos base para os 4,762%.

Isso significa que os investidores estrangeiros querem mais para apostar nos títulos portugueses. O que, dito de outra forma, indica uma coisa simples: o mercado português é considerado cada vez mais arriscado.

Jornal de Negócios:

É a quarta sessão consecutiva de aumento da pressão sobre o custo da dívida portuguesa. É preciso recuar até 8 de Fevereiro, período em que o mercado começou a acreditar que a Grécia estava a ter dificuldades de acesso a financiamento externo, para encontrar um momento em que os juros exigidos para adquirir dívida portuguesa fossem tão elevados.

Simplificando: continua o jogo de financiar a dívida com outra dívida, tal como afirmado. Na esperança, claro, que capitais estrangeiros aceitem financiar esta espiral.

Como se financia uma dívida com outra dívida? 

É simples. O nosso amigo João pede 100€ ao Paulo para pagar as prestações do carro. Ao fim de uma semana Paulo quer o seu dinheiro de volta e que faz João? Pede um empréstimo ao Luís.
Mas entretanto João gastou os 100€ da prestação e contraiu uma dívida de 20€ com a gasolineira, pois João gosta de viajar. Assim Luís concorda um empréstimo de 120€: 100 para ser devolvidos ao Paulo mais 20 para a gasolineira. 
Passada uma semana a situação repete-se: mas desta vez João terá que encontrar 120€ para o Luís mais a gasolina que entretanto gastou, isso é, outros 20€. Total do novo empréstimo: 140€. 
E o esquema continua…

Portugal é como João. Pede dinheiro emprestado para pagar dívidas já contraídas; e estas dívidas foram contraídas para pagar outras dívidas…

Numa economia normal Portugal (e não só ele) teria falido há muito. Mas como é todo o sistema da economia mundial que é fundado sobre este mecanismo, Portugal pode ir em frente.
Só que existem limites: o sistema das dívidas que pagam dívidas funciona numa altura em que tudo corre bem: as empresas produzem, os cidadãos têm dinheiro para gastar… Mas quando chegar uma crise? Aqui a situação fica mais complicada: neste caso todos precisam de dinheiro e quem o tem redobra as atenções. Por isso o jogo de financiar a própria dívida com novos empréstimos torna-se mais complicado.
É o que se passa com a Grécia e com Portugal.

Diário i:

Em apenas um ano, os investidores internacionais duplicaram o valor das apostas a favor de uma falência de Portugal. Trata-se de o maior aumento num conjunto de dez países, sendo até superior ao da Grécia.

De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), ontem divulgados no relatório sobre a Estabilidade Financeira Global, o valor contratado em seguros de crédito (CDS) sobre a dívida pública portuguesa aumentou cerca de 105% até ao dia 5 de Fevereiro em apenas um ano, atingindo um total de 60,1 mil milhões de dólares (quase 45 mil milhões de euros a preços de ontem). Se o período considerado for de Outubro de 2009 a Fevereiro de 2010, então o valor contratado em CDS da dívida pública nacional quase quadruplica.

Na prática, estes CDS cobrem o risco de incumprimento ou mesmo de falência das nações. O problema (para os contribuintes portugueses, por exemplo) é que, em muitos casos, quanto maior o risco e quanto pior estiver o país, mais ganham os investidores em CDS (pois compram esses seguros baratos para os vender mais caros já o seu valor acompanha as taxas de juro). Assim, admitem vários especialistas, existem incentivos em agravar ou em aproveitar as avaliações negativas que se fazem das contas públicas e das respectivas situações económicas internas. Portugal e Grécia, devido aos seus problemas estruturais graves, como o excesso de endividamento do Estado, empresas e particulares acumulados ao longo dos últimos anos e agravados com a crise financeira, tornaram-se agora alvos fáceis dos operadores de mercado.

O resultado está à vista. Os grandes bancos internacionais admitem estar a lucrar bastante com operações nos mercados obrigacionistas (ver pág. 24 e 25) e até a Comissão Europeia aponta o dedo a estas instituições e aos fundos de investimento de alto risco (hedge funds) que acusa de serem co-responsáveis pelo agravamento dos spreads (prémios de risco da dívida pública, que agravam a taxa de juro cobrada por emprestar aos governos) e de, assim, colocarem os países mais perto do precipício Isto é, de uma situação de pré-falência. A Grécia já lá está. Portugal ainda não, mas não tem sido poupado na praça pública internacional – já se diz que o país é “o próximo problema global”.

A instabilidade da dívida de Portugal é a segunda mais alta a seguir à da Grécia, sendo que os mais prejudicados são a Áustria e logo a seguir a Holanda e Espanha.

De forma inversa, a dívida soberana que mais pode prejudicar Portugal é a grega e a espanhola.

Única notícia positiva: começam hoje as conversações entre as autoridades gregas e os delegados do FMI, UE e Banco Central Europeu acerca da ajuda económica. 40 ou 45 mil milhões de Euros para sair da crise: montante não suficiente, como já realçado num post anterior, mas mesmo assim oxigénio para as desastradas finanças de Atenas.

É este o futuro próximo de Portugal? A resposta dos mercados parece ser cada vez mais um “sim”.

Ipse dixit

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