Era uma vez um Governador que tinha que encontrar alguém que representasse a Província na capital do Reino num cargo importante: um lugar na Real Procuradoria. Um trabalho de responsabilidade: a Real Procuradoria era o órgão que combatia os crimes financeiros, a corrupção, o branqueamento de capitais… uma escolha difícil. Pelo que o sábio Governador decidiu enviar arautos para espalhar a notícia: a Província precisava dos melhores.
Nomeadamente, pedia-se que os candidatos:
- fossem membros no activos nos serviços do ministério público ou da magistratura judicial;
- oferecessem todas as garantias de independência;
- tivessem as habilitações necessárias para serem nomeados para o exercício das mais altas funções judiciais e também experiência prática relevante dos sistemas jurídicos nacionais, de investigações financeiras e de cooperação judiciária em matéria penal.
Eram um pedido de relevo: poucas pessoas podiam candidatar-se. Mesmo assim, houve três candidatos, que logo foram enviados até a capital onde um painel de sábios estava à espera para avalia-los.
Após a leituras das estrelas, dos fígados de ovelhas e dos fundos do café, o painel decidiu: era Ana a melhor dos três, era ela que tinha que ser nomeada. Mas havia um problema: o Governador não gostava de Ana, preferia José. Não se sabe a razão, mas o Governador queria fortemente que fosse José o escolhido. Só que José, na avaliação dos sábios, tinha ficado em segundo lugar.
Muito triste, o Governador convocou os seus Ministros: como sair da situação? E foi aí que a Ministra da Justiça, Francisca, teve uma ideia: “Excelência”, disse Francisca, “vamos nomear José. A seguir enviamos José para a capital com uma carta onde inventamos um curriculum para demonstrar que ele é melhor do que Ana. Por exemplo; podemos inventar que José já foi Procurador-Geral Adjunto, que teve papeis importantes em julgamentos de topo…”
“Senhora Ministra!” gritou o Governador, “Está a dizer-me que temos que mentir?!?”.
“Sim”, respondeu Francisca.
“Ah, era só para perceber. Parece-me uma boa ideia: avancemos!”.
E foi assim que José foi para a capital com um curriculum falso. Só que nem todos no Reino eram parvos: a maioria sim, mas alguns ainda teimavam em usar o cérebro. E o engano foi descoberto.
Logo a Ministra Francisca admitiu alguns “lapsos“, informação “errónea” e culpou os incapazes funcionários: mas confirmou a escolha. Entretanto o Governador minimizava a coisa: “Oh, acreditem que ninguém na capital ainda fala disso: não queiram fazer mistérios onde não existem“. José, por seu lado, chorava a partir do seu novo escritório na capital: “Eu não sabia de nada, estão a pôr em causa a minha habilitação e as minhas qualidades!”.
Tarde demais: todo o Reino tinha entendido o engano. E, poucas semanas depois, o Supremo Conselho dos Sábios mais Sábios (SCSS) enviou uma carta ao Governador, exprimindo “profunda preocupação”. Dos 690 sábios reunidos, 633 votaram a favor da carta, 39 contra e 18 abstiveram-se porque tinham que ir a fazer xixí.
A carta do SCSS dizia:
O Supremo Conselho dos Sábios mais Sábios manifesta profunda preocupação com as revelações dos meios de comunicação social, segundo as quais o Governador transmitiu ao Conselho informações erróneas sobre as qualificações e a experiência do candidato classificado em segundo lugar pelo comité de selecção europeu, o que conduziu à sua nomeação para o cargo de Real Procurador.
Agora, cabe ao Leitor adivinhar qual o fim desta triste história. Há três opções disponíveis:
- O Governador arrependeu-se e pediu que José abdicasse do cargo e voltasse para casa. A Ministra Francisca demitiu-se voluntariamente por causa da figura triste. A candidata Ana foi nomeada para a Real Procuradoria.
- O Governador e a Ministra Francisca não se arrependeram, mas o SCSS, depois da profunda preocupação, decidiu afastar José do cargo.
- O Governador não fez nada, tal como a Ministra Francisca e o SCSS: José ainda está no cargo e continua a queixar-se.
Qual, segundo o Leitor, o possível desfecho? Já decidiu?
O Leitor escolheu o final nº 1? Isso significa que nada entende de como funciona o mundo: vive numa dimensão de pura fantasia onde o Bem triunfa sempre. Feche-se em casa, não saia, pode ser perigoso.
O Leitor escolheu o final nº 2? Isso significa que tem uma certa noção de que nem tudo está perfeito, que há podridão aqui e aí: mas, mesmo assim, continua a cultivar sonhos infantis nos quais as mais altas instituições têm coragem suficiente para fazer triunfar a Justiça. Pode sair de casa mas com cuidado.
O Leitor escolheu o final nº 3? Parabéns, acertou: entende como funciona o mundo. Mas é preciso lembrar que foi o Leitor que elegeu tanto o Governador, indirectamente a Francisca a Ministra, directamente os 690 sábios do Supremo Conselho dos Sábios mais Sábios. Pelo que: não se pode queixar.
Ipse dixit.
Boa, gostei. escolhi o 3, como era de se esperar, conforme minha mentalidade.
Será que sou culpada ? Não voto, não elegi ninguém. Mas sou culpada, sim; não fiz o que devia ter feito.
Sou culpado pelos meus actos e só pelos meus actos… a regra existencial em vigor é a do livre-arbítrio.
Aqui pela tugalândia, em nada contribuí para a história relatada (entre outras). Pelo contrário…
Através do voto (vários) e expressão, convencer ou influenciar, as minhas escolhas foram as de oposição.
Acertei, claro está, nessa e em muitas outras histórias das que se sucedem por cá.
E queixo-me, todos os dias, mesmo aos já não me podem ouvir e aos de mentes estéreis ou frias.
Mas confesso-me desolado, pois este “Sancho” está cansado, por ver este meu povo ser o mais conformado.
(as rimas, são para puder ainda sorrir, cá dentro de mim)
Sou mais um dos estúpidos, em resultado das minhas escolhas partidárias, apesar de indirectas.