Porque é preciso apoiar a Rússia

Porque temos que apoiar a Rússia?
Porque sim. Que como resposta pode não ser o máximo mas é sem dúvida a melhor.

Sem ilusões (a Rússia está bem longe de ser perfeita), mas porque sim. Vamos ver qual a razão.

O colapso

Os Estados Unidos não são o império do mal. São a expressão duma elite económica e financeira que utiliza a classe política para manter a sua posição de poder. Para que isso funcione, nesta altura são obrigados a impor a sua visão ao resto do mundo.

Todavia, os EUA entraram numa fase que provavelmente será irreversível (o condicional é obrigatório, não podemos conhecer os futuros desenvolvimentos): a crise de 2007 foi, na verdade, uma lógica consequência cuja origens remontam a alguns anos antes, quando a política deixou de existir enquanto instituição autónoma para entregar-se totalmente ao poder económico-financeiro. Aí começou o colapso, mas os EUA ainda são muito poderosos e podem causar grandes estragos durante a queda. 

Washington vê o crescimento do Pequim, de Moscovo e sabe que aí será jogada a partida mais importante. Mas não há muito tempo à disposição: se Reino Unido, Canadá e Austrália ainda regem como fieis aliados (os media de Murdock fazem um óptimo trabalho neste aspecto), no resto do mundo as coisas estão diferentes.

A Administração sabe que não pode contar com a Europa Unida, oficialmente aliada, na verdade cada vez mais fragmentada e à beira da dissolução. Além disso, o sentimento anti-EUA cresce e até alguns governos começam a ficar muito desconfortáveis com as decisões de Washington (ver o caso das sanções contra a Rússia). No coração de Nações ocidentais, os líderes empresariais estão quase todos em favor de uma estreita cooperação com a Rússia e contra as medidas de punição.

Países que anteriormente altura tinham aderido à União Europeia com entusiasmo, agora aproximam-se ao lado de Moscovo. É o caso da Hungria (que nunca foi uma grande amiga da Rússia), da Bulgária. Mesmo os Polacos começaram a fazer as contas.

Obama e os neoconservadores pensavam que Putin teria-se rendido se for atacado na Ucrânia. Mas estavam clamorosamente errados. A ofensiva americana, pelo contrário, ajudou dezenas de milhões de Russos a tomar consciência da situação e Putin consegue representa-los muito bem. De facto, na Ucrânia a situação entrou numa fase de espera sem fim à vista.

No Oriente Médio a situação não é melhor. A Síria, que parecia condenada, resistiu e agora o governo de Bassad recupera terreno. O Irão mudou os tons, escolheu a via diplomática, subtraindo assim razões de queixa à Washington. Os Países onde passou a vaga da Primavera Árabe ou estão numa situação de caos da qual ninguém consegue trazer benefícios (Líbia) ou abdicaram das soluções impostas pelos americanos (Morsi no Egipto) ou voltaram à normalidade (Tunísia).

Sobra o Iraque (outro fracasso dos EUA), onde agora actuam as tropas americanas na luta contra o “Califado”, última esperança para desestabilizar de forma dramática as fronteiras da região. Mas a contra o Isis arrisca ser uma guerra muito dispendiosa, com um final que ainda não foi escrito e, sobretudo, longa. E Washington não tem este tempo todo.

Neste aspecto é importante quanto acontecido com o preço do petróleo: os americanos, na tentativa de pôr de joelhos a Rússia, deram luz verde aos Árabes da Península para uma operação de dumping que ao mesmo tempo, torna anti-económico o gas shale em pátria. Mas nem isso foi suficiente.

Washington sabe que a Rússia é um obstáculo fundamental na guerra não declarada contra a China, o verdadeiro último objectivo. Pelo que as alternativas, e com elas o tempo, estão a esgotar-se. Portanto, a agenda para o próximo futuro é simples: guerra sim ou guerra não.

Não com a actual Presidência. Antes disso, os Estados Unidos terão que resolver alguns problemas internos.

Raridade: um F-35 que voa

A máquina militar, por exemplo.  

O caos no mundo deve ser mantido, porque é a única maneira com a qual a estrutura militar americana pode justificar a sua existência. Mas é uma máquina cara e nem particularmente eficiente.

O novo jacto F-35 é paradigmático: custou mais de um trilião de Dólares só na fase de desenvolvimento, mas nasceu como projecto já fracassado e nunca deveria ter entrado em produção.

À despeito dessas despesas “pródigas”, os militares dos EUA demonstraram não ser capazes de alcançar vitórias decisivas em nenhum conflito, independentemente do adversário. Estes, fracos ou esgotados, conseguem resistir e tornar uma guerra “relâmpago” num conflito perpétuo de baixa intensidade. O Afeganistão é o caso mais emblemático, mas nem podemos esquecer o já citado Iraque, a Somália, a Líbia, as Filipinas.

Pelo que é lícito prever que os últimos meses da Presidência Obama terão entre os vários objectivos também aquele de rever algo na máquina bélica. Uma vez arrumado o assunto, com um Presidente Republicano ou (mais provável) com Hillary Clinton, a discurso será diferente.

Esta a razão pela qual é preciso escolher a Rússia. O País de Putin hoje é o primeiro e mais importante baluarte para travar os Estados Unidos, que estão a preparar-se para a guerra. Se a resistência da Rússia caísse,  o conflito entre China e EUA seria o seguinte e inevitável passo.

A Rússia

O que é hoje a Rússia? Como afirmado, está longe de ser perfeita. Não podemos esquecer que, como todos os BRICS, falamos dum País que escolheu a economia do “livre mercado”, isso é, do Capitalismo. Os “mas” e os “ses” apenas servem para adocicar a pílula aos mais nostálgicos: são economias capitalistas e ponto final.

Mais: o actual sistema político da Rússia não se pode considerar um modelo de Democracia. O mesmo Putin é aquele que em Portugal é definido como “cromo” (não acaso é amigo pessoal de Berlusconi…).

É mesmo o caso?

Mas a Rússia tem enviado sinais moderados e inteligentes nos últimos tempos.

Decidiu não intervir de forma directa no conflito da Ucrânia, mantendo uma postura nos bastidores, tal como feito pelos Estados Unidos. Decidiu não intervir na Crimeia, deixando que fossem as populações (de maioria russa) a viabilizar a anexão. Decidiu fornecer de carvão a Ucrânia, apesar do governo de Kiev tentar tudo e mais alguma coisa para provocar Moscovo.

Ao mesmo tempo, conseguiu defender o Rublo (até a data, pelo menos), tem trabalhado para sair dos esquemas financeiros ocidentais e para uma alternativa euro-asiática, sem que isso prejudicasse as tentativas de diálogo com a Países da Europa Ocidental.

Na prática, a Rússia evita qualquer atitude “belicosa”, deixando que seja Washington a esgotar-se nas tentativas hostis. A Rússia pode fazer isso, pois sabe que o entendimento com Pequim avança com bom ritmo e se anuncia cada vez mais promissor. Tem “as costas quentes” e não está disposta a perder o que construiu nas últimas décadas em troca duma aventura sangrenta e do êxito indecifrável. Esta é a razão pela qual é preciso apoiar a Rússia: não será ela a procurar o conflito.

Mais uma vez: nem Moscovo, nem Pequim, nem nenhum dos outros BRICS poderá ser considerado uma alternativa ao actual sistema até quando continuar a utilizar as mesmas ferramentas. O paradigma da mudança ainda não está no horizonte, infelizmente.

Mas no curto e médio prazo, Moscovo é a melhor garantia de Paz.
E isso é mais do que suficiente.

Ipse dixit.

18 Replies to “Porque é preciso apoiar a Rússia”

  1. Realmente neste momento por incrível que pareça ou não… Putin figura-se como um dos poucos grandes estadistas (Papa Francisco e o numero um) que tenta manter um frágil equilíbrio entre os "bons" e os maus… Mas termo que a paciência de Putin esteja a se esgotar e com isso as consequencias podem ser muito perigosas…. Enfim

    KABRAL

    1. Olá!

      Não, é mesmo Filipinas: é um dos muitos teatros de guerra onde os militares americanos foram empenhados durante a "guerra ao terror", tal como Afeganistão, Corno de África, Caribe, África Subsariana e Geórgia.

      Apesar desta vertente da guerra não ser muito publicitada, os EUA começaram-a em 2002, actualmente têm deslocado nas ilhas 6.000 soldados mas os resultados são escassos.

      Enquanto o Moro Islamic Liberation Front aceitou parar as actividades bélicas (que tinham iniciado em 1978), os grupos radicais Abu Sayyaf e Jemaah Islamiah continuam alegremente a atacar as forças governativas, apesar dos 13 anos de participação americana no conflito.

      Abraço!

  2. Sempre vi com bons olhos a existência de um mundo multipolar pois é a única forma de haver algum equilíbrio geopolítico.
    É portanto importante e lógico que exista uma Rússia forte e mesmo uma China forte.

    Krowler

    1. Sem dúvida.

      Eu, todavia, queria que no meio desta "multipolaridade" surgisse alguém que experimentasse uma estrada nova, caso contrário sempre estamos a falar de Capitalismo. O que é um pouco aborrecido…

      Grande abraço!!!

  3. A russia sera como uma rolha de champanhe no mundo;
    Tem segurado toda pressao q os eua tem empurrado, porem a russia esta totalmemte resistente aos eua, mas qdo essa rolha estourar a pressao o bicho vai pegar no mundo

    1. Olá Carlos.

      Sim, é assim. Até agora resistiu, mas no dia em que tivesse que ceder (por exemplo aceitando um conflito com os EUA)…melhor fechar as janelas.

      Abraço!!!

  4. A Russia esta actualmente na arena geopolitica e geoestrategica como um especialista em xadrez.
    Sabe bem que os eua e mundo ocidental devido as aventuras neoliberais e seus vigaristas
    da finança e bancos esta prestes a implodir e tudo fara para desencadear uma guerra em grande
    escala como especie de reset para encobrir a maioria dos crimes que andaram a cometer.
    Sabe tambem que apesar de ser uma potencia militar e quase impossivel vencer a maquina militar
    dos eua cujo os gastos em meios militares sao identicos a soma dos gastos militares de todos os paises do mundo juntos.
    Para terminar procurem no

    youtube por "eua extreme police brutality"

    e constatarão que aquela sociedade esta doente, descontrolada e prestes a descarrilar.
    Se tratam assim os proprios cidadaos em sua terra o que nos farão quando tornarem o mundo no seu oeste selvagem?

    1. Olá Anónimo!

      Concordo, mas acerca de ser "quase impossivel vencer a maquina militar
      dos eua": em quantas frentes estão ou estiveram empenhados os EUA nos últimos anos? Quantos destes conflitos conseguiram ganhar? Aquele que é carinhosamente definido como "desempenho" no Afeganistão é uma retirada com a cauda entre as pernas.

      Abraço!!!

    2. Ola Max, boa noite.
      Guerras de ocupação estão quase sempre destinadas ao fracasso.
      Neste caso em relação á Rússia os eua e nato sabem bem que é impossivel invadi-la (pelo seu tamanho, geografia e povo)
      pelo que seria uma guerra de destruição em grande escala. Os eua nunca foram bons a invadir mas sim a destruir.
      Por outro lado há mais um factor a ter em atenção, em todas as outras guerras nunca sentiram o minimo risco de
      poderem sofrer uma retaliação em seu territorio o que no caso em analise seria bem diferente. E como vivem na histeria do medo
      neste caso ao sentir esse risco bem real como nunca sentiram concerteza iriam agir muito mais agressivamente.
      Bem sei que são cobardes e que gostam mais da estrategia do toca e foge que usavam com a urss mas caso as coisas aquecessem a serio
      ai seria o vale tudo.
      Do lado da Russia, mesmo sendo um pais muito forte militarmente tem limitações para se conseguir defender contra varios paises
      em varias frentes pois como bem sabemos os eua nunca avançariam sem os cachorros da nato a frente a servir de carne para canhao.
      E apenas a minha modesta opinião.
      Cumprimentos

      EXP001

  5. Concordo e gosto do artigo, apenas um senão: O Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin não é um "cromo". Acontece que é um dos politicos mais inteligentes e cultos do nosso tempo, se não mesmo o único. Só se for cromo por ser diferente e superior moralmente dos outros todos néscios e incompetentes, para não dizer coisas piores.Graças a Deus que ele existe, se não provavelmente já nem estaríamos aqui a fazer comentários!
    Natercia Pedroso

    1. Olá Natercia!

      Claramente o termo "cromo" está no texto com o significado de "diferente" e também de "exibicionista". Doutro lado, aconselhar apoiar um País cujo chefe é um idiota não faria muito sentido, não é?

      Quanto ao facto de ser "um dos politicos mais inteligentes e cultos do nosso tempo, se não mesmo o único", tenho as minhas dúvidas: os "outros" são, na maior parte dos casos, pessoas que tiveram a possibilidade de ter um tipo de formação superior; isso sem contar que para emergir no meio dum ninho de cobras é precisa também uma certa inteligência.

      Sobra a questão moral, na qual concordamos: contrariamente aos outros, decidiu pôr as suas capacidades (e aquelas do seu País) ao serviço duma visão diferente.
      O que não é pouco.

      Abraço e obrigado 🙂

  6. http://youtu.be/33oIF-ggK5U
    Está em Inglês, eu acho é que é alguém que realmente se preocupa com o bem do seu povo e não quer confusão.
    aliás aqui (antes se 2014) tratava os EUA como aliados. Não estaria à espera do que viria a acontecer.
    Alguém assim quer estabilidade. Não contava com não direi Obama, mas aqueles que o manipulam, como bem vincado no texto do Max.
    Nuno

  7. Identifico premissas equivocadas, tanto pelo autor do blog como dos comentaristas. Não dá mais para continuar enxergando apenas países e indivíduos isoladamente, no caso, Putin. As relações de poder globalizadas envolvem segmentos econômicos/financeiros que estão acima dos Estados nacionais. O melhor exemplo é o próprio EUA, que é totalmente comandado por grupos predominante sionista de origem anglo-saxônicas, cuja matriz é a City Londrina. Usam e abusam do mundo, inclusive da própria Europa, utilizando-se dos escudos dos países, um verdadeiro subterfúgio para ocultar seus interesses. As populações nacionais, assim como suas governanças, são meras massas de manobras e não exercem qualquer influência sobre suas atividades.

  8. Mas a ideia não é essa Chaplin, porque razão a city de Lonres tem leis próprias (ou falta delas). Ao contrário de Londres ou até do Reino Unido.
    Mais quem dá a cara e faz o trabalho sujo são os outros do lado do Atlântico, eles e quem lá está sempre soube mexer bem os cordelinhos, os outros é que sujam as mãos. Isso a séculos quem apoiou a pirataria e o saque não foi a própria rainha, aliás Sir Francis Drake e muitos mais não passavam de ladrões com titulo a rainha "fechava" os olhos. Nem os os conheço.
    Mas os tempos mudam e metade dos britânicos, já não têm pachorra para aturar isso.
    N

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