Coisas da Zona (N)Euro

E vamos espreitar a situação do Velho Continente.

Há um ar de satisfação generalizada, do tipo “o pior já passou”. Os (n)euro-políticos continuam a repetir que o a moeda única já está fora de perigo, que sim, arriscámos, mas agora é Primavera, voltaram as andorinhas e tudo está bem melhor.

Portugal e o Nirvana

Portugal, por exemplo: uma maravilha.

Em Março o deficit subiu até 799 milhões de Euros, contra os 274 milhões do ano passado, uma subida de 2.91 vezes. Esta sim que é saúde.
A despesa pública foi de 7.06 biliões de Euros, mais 3,5% do que no Março de 2011. E as entradas? 6.26 biliões de Euros, uma queda de 4.3%.
O desemprego atingiu um novo máximo em Fevereiro: 15%.
Resumo: Portugal já estava na cova, o governo Coelho decidiu continuar a cavar. Com sucesso.
Mas lembrem: estamos pior agora para ficar melhor depois.

Dúvida: e que tal tentar ficar melhor desde já?
Reposta: não, não não e ainda não. Antes é preciso matar a economia, desmantelar o Estado, enriquecer as grandes empresas, cortar os ordenados, diminuir as reformas, eliminar os subsídios de desemprego, reduzir os serviços, subir os impostos. Depois será um paraíso.

E já é possível vislumbrar um pedacinho deste futuro Nirvana.
EuroNews:

A crise é uma realidade que atinge de perto os Portugueses. Se a massa das dívidas das autarquias atinge os nove biliões de Euros e agora estão perto da insolvência, o mesmo fenómeno está a tingir os cidadãos lusitanos, cujo número de falências está a aumentar.[…]
O quadro geral não convida ao optimismo, com uma previsão de crescimento negativo que segundo so analistas deve atingir 3.3% no final de 2012. Resultado: as falências pessoais devem amplamente ultrapassar o total record de 600.000 unidades.

Mas não é o caso de ficar preocupados: o primeiro ministro lembra que é sempre possível emigrar e já tem outro trunfo na manga.
De facto, é de hoje a notícia segundo a qual os clubes de futebol, que este ano não iriam receber quaisquer verbas dos jogos sociais (como Totobola), vão pelo contrário ver assegurada a manutenção desses valores na sequência do acordo entre a Federação Portuguesa de Futebol e o governo. Aliás, a Federação já se propõe assumir, de imediato, o pagamento de 13 milhões de Euros de dívidas.

Deve ser por isso que o  Comissário Europeu para os Assuntos Económicos e Monetários afiram que “Portugal está no bom caminho”, pois estas são medidas que pintam de cor de rosa o quadro do futuro.

A minha humilde e incompetente opinião: sem uma reestruturação da dívida (isso é, ré-negociar o pagamento das dívidas) Portugal não conseguirá ir para lado nenhum. E uma reestruturação permitiria apenas a sobrevivência, enquanto uma eventual nova ajuda internacional significaria apenas piorar a situação (ajuda = nova dívida).

A Alemanha e a tempestade

Abandonemos o paradisíaco Portugal para falar de Europa no geral.
Diz Bloomberg:

A Bundesbank é o primeiro dos 17 bancos centrais da área do Euro que se recusa aceitar como colaterais  títulos dos Estados-Membros que beneficiam do apoio da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional.

Ok, vamos ver: o que é um colateral? É uma garantia, a mesma que o banco pede antes de conceder um empréstimo.
Uma garantia que pode ser constituída por acções, obrigações, Títulos de Estado, etc.
Então a notícia significa que o banco central alemão não empresta mais dinheiro aos bancos que oferecem como garantia os Títulos de Estado de Grécia, Portugal e Irlanda, por exemplo.

Porquê? Porque estes Títulos de Estado não têm valor: são Títulos de Países falidos, que não têm dinheiro.

Parece uma notícia óbvia, mas na realidade tem implicações pesadas. De facto, é um tiro de artilharia contra o Banco Central Europeu.

O Banco Central Europeu, perante os gritos de dor dos bancos privados, entregou o LTRO (Long Term Refinancing Operation), um empréstimo com juro de 1%, tendo aceite como garantias os Títulos de Estados dos Países em dificuldades. Isso é: lixo.

Agora a Bundesbank vai no sentido contrário: os alemães não tinham apreciado o LTRO e agora passam das palavras aos factos.

E agora?
Agora é inevitável que Espanha e Italia entrem no restrito (mas nem muito) círculo dos Países “ajudados”: os colaterais deles irão tornar-se oficialmente lixo também. E a Bundesbank não aceitará os Títulos de Estado de Madrid e Roma como garantias.

Isso significa uma Europa invadida por Títulos inúteis. Mas nem esta é a verdadeira novidade (os Títulos-lixo são uma imensidade e não desde hoje): a novidade é que, provavelmente, outros “financiadores” e “especuladores” seguirão a Bundesbank. E salvar Espanha ou, ainda pior, Italia será um pesadelo. Já era antes, agora ainda pior.

Uma manobra da Bundebank para quê?
Segundo Zero Hedge para obrigar Espanha, Italia e os outros Países falidos a sair do Euro.
Não concordo: se a Alemanha e os outros Países “virtuosos” quisessem, já poderiam abandonar a Zona Euro e constituir uma Aliança do Bem. Além disso, a coisa parece um bocado complicada, demasiada complicada.

Acho que a explicação é outra. O que a Bundesbank faz é tentar sanear os próprios bancos e alertar os outros, os de “boa vontade”. 

A Alemanha arriscou (e ainda arrisca) com a questão da Grécia: os bancos alemães estão pesadamente envolvidos nos problemas da dívida grega e, caso Atenas falisse oficialmente (tecnicamente já faliu), os bancos de Berlim ficariam com não poucos problemas. 

Agora Berlim olha em redor e o que consegue ver? Vê dois Países que estão à beira de novas “ajudas” do Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional. Um deja-vú, mas com algumas diferenças: Espanha e Italia não são como Grécia, Portugal ou Irlanda. Se para salvar estes Países podem ser suficientes algumas dezenas de milhões de Euros, no caso de Madrid e Roma os montantes precisos seriam bem mais elevados, talvez além das possibilidades de BCE e FMI. 

A Alemanha “cheira” o perigo e tenta cautelar as próprios bancos.
Moral: “Livrem-se dos Títulos-lixo quanto mais depressa possível, pois o que vem aí não é um trovão mas uma tempestade”. 

E, nesta óptica, Berlim tem razão. Totalmente. 

Ipse dixit. 

Fontes: Bloomberg, Zero Hedge, EuroNews

4 Replies to “Coisas da Zona (N)Euro”

  1. ihihih… aqui só para nós que ninguém nos lê… Isto sem violência não tem graça nenhuma… cadê os comentários?!? (Este não conta como é evidente!!!)

  2. Supunha-se que este processo de crescimento globalizado derramaria riqueza a partir das camadas sociais mais altas para as mais baixas, distribuindo-a melhor e permitindo que mais integrantes da classe média se tornassem ricos.

    Entretanto, a realidade mostra que, na economia globalizada, a pobreza é o único fenómeno sustentável. Embora se possa argumentar que houve crescimento e expansão do mercado, a quantidade de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia nunca foi maior do que agora.

    Considerou-se que o controlo da explosão demográfica era um factor prioritário para um desenvolvimento social equitativo para todos no planeta. Porém, controlar o crescimento da população não é suficiente.

    A globalização vai estourar!!!

  3. O preço e o valor são coisas diferentes e nessa perspectiva parece-me que os títulos dos países falidos tem um valor , que é o valor a pagar para manter a estabilidade económica ( até quando? Boa pergunta…)
    De facto se a Alemanha obrigar esses países falidos a sair do euro eles vão adoptar nova moeda taxas alfandegarias elevadíssimas que irão fazer cair drasticamente as exportações alemãs. ( não me parece inteligente do ponto de vista alemão)
    Seguindo essa linha de raciocínio se o “evento” económico e social que se aproxima estará mais próximo de um relâmpago ou de uma tempestade essa classificação esta directamente dependente do comportamento da Alemanha antes do “evento” se a Alemanha não “ajudar” a salvar os parceiros económicos que fomentou como importadores do seu modelo económico, estará a médio / longo prazo a ditar a sua própria ruína …nas últimas duas vezes que isso aconteceu…reagiram, como se sabe, muito mal.
    Assim , parece-me que a Alemanha na ânsia de salvar a própria pele esta apenas a ver o curto prazo e a entrar num beco sem saída.
    Continuo a acreditar para já ( talvez ingenuamente) que os especuladores terão, nem que seja forçosamente, a assumir os riscos , pois a economia é como a agua, encontra sempre um curso alternativo quando barrada, mas a realidade pode surpreender mais que qualquer filme de ficção é que ao longo da Historia o animal humano sempre se refugiou nas soluções mais imediatas e consequentemente mais agressivas.

  4. Olá Fada: aqui no Brasil, por muito tempo (fase da ditadura, especialmente) falava-se (os entendidos economistas) de fazer crescer o bolo, para então distribuir. E o tempo da distribuição nunca chegava. O Gênio econômico que abalizava esta tese chama-se Delfim Neto, o mesmo que hoje cinicamente alinha-se as medidas heterodoxas do governo, e garante o status intelectual, assinando artigos semanais na única revista minimamente confiável no país – Carta Capital. Mas a memória dos brasileiros é tão prodigiosa que um general (Ulstra), reconhecidamente assassino e torturador, assina uma coluna na Folha de S.Paulo, o jornal de maior tiragem neste estado. Portanto, quem pode, diz o que quer, como quer, quando quer, e conforme a conjuntura, diz o oposto, afirmando que continua pensando do mesmo jeito, e tudo bem. Até porque a maioria das pessoas aceita qualquer coisa escrita. Abraços

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