Offshore

Enquanto estamos aqui perante um novo artigo, há um enorme movimento de dinheiro.

É algo que nem conseguimos imaginar. Aliás, ninguém consegue imaginar ou gerir: é por isso que boa parte do trabalho é feito em automático.

Rios de dinheiro que com uma velocidade impressionante dão voltas ao planeta, com a ajuda da informática, tudo enquanto nós temos que lutar no carro para recolher as moedas da portagem que, obviamente, caíram debaixo do assento.

O dinheiro, de facto, percorre autoestradas, tal como nós. São autoestradas que não podemos ver, mas que existem e regulam as nossas vidas. Há faixas de rodagem normal, há faixas para as ultrapassagens, há as portagens.

De vez em quando há também um acidente e todos começam a chorar e chamar isso “a crise”.

Mas nas autoestradas do dinheiro há algumas saídas que levam até lugares esquisitos: são lugares onde poucos podem entrar, antes dos quais aparece o sinal “Acesso restrito: só pessoal autorizado”. Para lugares assim foi até inventada uma palavra inglesa: Offshores, que em bom Português é traduzido com Paraísos Fiscais.

Vamos ver como funcionam? Vamos.


No artigo Paraísos Fiscais: os bancos é possível encontrar a lista das instituições bancárias que utilizam os Offshores. Tranquilos, não falta ninguém. Mas seria errado pensar que esta é apenas uma coisa dos bancos: qualquer empresa que atinja um nível de desenvolvimento razoável tem que ter o próprio offshore.

Deve ser uma questão de honra também.

O que atrai num Paraíso Fiscal? Basicamente três coisas:

  • evitar os impostos
  • sigilo
  • as brandas regras financeiras.

Desde o século passado, grandes empresas e até pessoas ricas procuram os offshores: os impostos aumentam, a globalização e o electronic banking fazem o resto.

Porque eu, que ganho num ano o que um normal trabalhador ganhar numa vida, tenho que pagar os impostos? É esta justiça? Afinal demonstrei de ser mais esperto do que o trabalhador, por isso mereço pagar menos.

Podemos culpar quem raciocina assim? Claro que não.
Por isso existem legiões de advogados e contabilistas cuja ocupação principal é encontrar uma maneira para fazer poupar dinheiro a estas vitimas do sistema.

E a melhor maneira, óbvio, é um Offshore.

Uma vez encontrado um Paraíso Fiscal, é preciso dar o segundo passo: abrir uma filial da casa mãe.

Não importa que seja uma verdadeira filial: pode ser uma simples cave vazia, nem o telefone é preciso. O que conta é que tenha um endereço e um papel que diga “Sim, esta é a filial da Empresa XY”.

Assim tudo fica mais fácil e podemos avançar com a “Transferência dos preços”.

Com a manipulação dos preços, é possível transferir bens e serviços para a nossa filial e demonstrar que afinal quem ganhou foi ela, não a casa-mãe. Desta forma será a filial que terá de pagar os maiores impostos, não nós que ficamos sem um tostão.
O quê? A filial está sediada numa ilha onde os impostos são “zero”? Olha que pena.

Escreve o jornalista Nicholas Shaxson:

Nos mercado competitivos, o que é possível torna-se necessário. O volume dos lucros das grandes empresas dos Estados Unidos encaminhado para as estruturas offshore subiu 60% entre 1999 e 2007. 83% das maiores empresas americanas utilizam Paraísos Fiscais e, com base numa pequena amostra de teste entre 1998 e 2005, a maioria das empresas americanas e estrangeiras que trabalham nos Estados Unidos não pagam impostos federais.

O termo correcto seria “Evasão Fiscal”. Que, admitimos, é um pouco feio. Eu prefiro “Criatividade Fiscal”, que soa bem melhor.

O peso desta Criatividade Fiscal é arrasador. O Tesouro dos Estados Unidos calcula perdas de 60 bilhões de Dólares por ano. O Egipto 57 bilhões entre 2000 e 2008.

Nos últimos 50 anos, a quota dos impostos federais entregues pelas grandes empresas dos Estados Unidos caiu desde 30% até 6,6%.

Clicar! Ampliar!

Depois há a questão do sigilo.

Mas porque eu, pobre milionário, tenho que divulgar tudo acerca dos meus rendimentos? Onde fica a intimidade?

E, de facto, é uma vergonha.
Por isso existem os Offshores., para proteger dos olhares indiscretos.

Nos Paraísos Fiscais tudo é segredo: o dinheiro que os pobres milionários têm, quem detém as acções ou até a simples propriedade duma empresa.

Assim, só nos Estados Unidos, os pobres milionários conseguem poupar entre 40 e 70 bilhões por ano.

E no mundo? Em 2005, os ricos homens de negócio, os corruptos, os corruptores, os políticos, os ditadores, os boss do crime, na prática todas as pessoas das classes visivelmente desfavorecidas, detinham nos Paraísos Fiscais algo como 11,5 trilhões de Dólares.
Isso é, um quarto da riqueza global.

Mais ou menos 240 bilhões de Dólares que fugiram das caixas dos Estados. Por ano, claro. Mas o custo do sigilo é bem maior, pois isso facilita o crime e a corrupção. Em particular nos Países em desenvolvimento.

A fuga dos capitais atingiu dimensões épicas nos últimos 20 anos: 1 trilhão de Dólares por ano em 2005, 1,26 trilhões em 2008.
Além dos Estados Unidos (em cujo mercado operam muitos milionários europeus também), em destaque ficam a China (3,2 trilhões de Dólares entre 2000 e 2008), a Rússia (427 bilhões), o México (416 bilhões).

Outra atraccão dos Offshores são as leis permissivas. Novos instrumentos financeiros aprovados sem inspecções, imunização fiscal das empresas, são apenas alguns exemplos do que um bom Paraíso Fiscal pode fazer para facilitar a vida destes perseguidos.

Perante este quadro, o que fazem os vários parlamentos? Nada. Sim, ladram, isso sim. Mas cão que ladra não morde. E de facto não mordem.

Os Offshores permitem ter sempre à disposição um dinheirito para as pequenas despesas. O que dá jeito.

Por exemplo: há um político que quer limitar o poder dos Paraísos Fiscais? Toma lá esta malinha com alguns trocos. E o político fica mais calmo (aprendemos: a corrupção faz bem à saúde).

Mas muitas vezes nem é preciso tanto.
É só perguntar aos políticos: quem é o dono?

E sentimentos nobres mas fúteis como “justiça” ou “equidade” desvanecem. Porque a classe política precisa de dinheiro para as eleições, por exemplo. E não é bom cuspir no prato onde comemos.

Até o ponto que alguns sistemas políticos começaram a integrar os Offshores no próprio território.
O Delaware, nos Estados Unidos, é hoje sede de 882.000 empresas: 897.934 habitantes, 882.000 empresas, praticamente todos no Delaware têm uma empresa, até os bebés. Tudo porque alguém teve a ideia de aumentar o nível de sigilo, até torna-lo o primeiro no mundo.

Assim, o dinheiro cria dinheiro: bancos e empresas ganham fortunas com os Paraísos Fiscais; com estas podem condicionar as iniciativas políticas e continuar a ganhar, cada vez mais. É um sistema perfeito.

Depois poderia ser possível falar um pouco dos media e do silêncio destes acerca do assunto Offshore.
Mas será que vale a pena?

Ipse dixit.

Fontes: Strategic Culture Foundation, TaxJusticeNetwork, Financial Secrecy Index,

One Reply to “Offshore”

  1. Max

    Cheguei a chorar de piedade por essa classe tão perseguida.

    Aqui no Brasil, é costume também os grandes empresários e políticos terem contas em paraísos fiscais, inclusive quando Lula concorría a Presidencia da República com o Fernando Henrique Cardoso que na época era o presidente do Brasil, houve um escândalo chamado de Dossiê Cayman, foi descoberto que Fernando Henrique Cardoso e vários outros políticos aliados a ele mantinham contas nas Ilhas Cayman, mas logo o caso foi abafado pela "mídia podre" (Rede Globo de Telecomunicações). E provávelmente as pessoas hoje já se esqueceram.

    Abraços

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