As Três Irmãs

Agências de rating: quem são estas?

Empresas privadas que emitem juízos acerca de bancos, finanças públicas. Um juízo que pesa, que condiciona de maneira fundamental os mercados e as escolhas de nações ou continentes.

Mais um A, menos uma A e milhões de pessoas e empresas podem ver as próprias contas bancárias alteradas, o futuro hipotecado.

Tudo isso, repetimos, está nas mãos das agências de rating, empresas privadas americanas fora de qualquer controlo. Elas avaliam, elas decidem.

Se fossem constituídas por seres incorruptíveis e acima de qualquer suspeita seria uma paraíso. Mas assim não é: quem julga as nossas contas são seres humanos. E com alguns interesses também.

Vamos conhece-las um pouco melhor?

As agências de rating nascem no início do século passado, nos Estados Unidos, com a tarefa de analisar a situação financeira de estados, entes, governos, empresas, bancos, seguradoras. As principais são três, todas com sede nos EUA: Moody’s, Standard & Poor’s, Fitch.

A primeira surpresa é esta: as agências de rating não são compostas por juízes imparciais mas por entidades que têm interesses nos mercados. O mesmo tipo de interesse de quem é julgado.
Reparem no pormenor: o mesmo tipo de interesse, não o mesmo interesse.

Vamos dar uns rostos? Pois atrás do nome da agência é possível encontrar homens.
Mas avisamos desde já: não são umas companhias aconselháveis.

 Quem é Standard & Poor’s

Standard & Poor’s (S&P) é subsidiária da multinacional McGraw-Hill Companies, com sede em New York: um colosso das comunicações, do sector editorial, das construções, presente em quase todos os sectores económicos.
O presidente da McGraw-Hill è Harold McGraw III, que, entre outras coisas, é também membro do Board of Directors da United Technology (uma multinacional dos armamentos) e da ConocoPhillips (petróleo e energia).
Foi membro do “Transition Advisory Committe on Trade” do presidente George W. Bush Senior.

Temos de admitir: como premissa para imparcialidade não é grande coisa.
Mas ao ler os nomes dos membros da Board of Directors da McGraw-Hill, que decidem também as escolhas de Standard & Poor’s, as suspeitas não diminuem. Bem pelo contrário.

Vamos ver qual a razão.:

  • Sir Winfried Bishoff, presidente da Citigroup Europa e homem forte da Henry Schroder Bank de Londres;
  • Dougals N. Daft, presidente da Coca Cola Co.;
  • Hilde Ochoa-Brillenmbourg, responsável da Credit Union do FMI-World Bank;
  • James H. Ross, da British Petroleum;
  • Edward B. Rust Jr., presidente da seguradora State Farm Insurance Company,  director da Helmyck & Payne, colosso no sector petrolífero, e antigo membro do Transition Advisory Team Committee on Education de George W. Bush (sempre o pai);
  • Sidney Taurel, presidente da farmacêutica Eli Lilly, director do IBM e já antigo membro do Homeland Security Advisory Council (sistema anti-terrorismo).

Bom, se calhar com a Fitch as coisas estão melhores. Será?

Quem é Fitch

A agência Fitch de New York é subsidiária da multinacional dos serviços financeiros Fimalac, com sede principal em Paris.
Olha, um europeu!

Em 2005 a multinacional americana de comunicações Hearst Corporation adquiriu 20% da propriedade.
Tá bom, quase europeu…

O presidente é Marc Ladreit de Lacharriere, homem da Renault e da Banque Suez.
Entre os membros do Board of Directors encontramos:

  • David Dautresme do banco Lazard Freres;
  • Philippe Lagayette da JPMorgan & Cie;
  • Bernard Mirat da Cholet-Dupont (finança);
  • Bernard Pierre da Fremapi (metais, preciosos obviamente).

A Fimalac apresenta também um International Advisory Board que em 2002 podia contar com as contribuições de:

  • Felix Rohatyn da Lazard Freres
  • Sholley da UBS Warburg
  • Reimnits da Kommerz Bank
  • Peberan da Parisbas

mais representantes da Nestlè (a Nestlè é omnipresente), da Bentelsmann e também do ex presidente da Federal Reserve Paul Volker e Lamberto Dini.

E a imparcialidade? Está assegurada, não tenham dúvidas.
Talvez com Moody’s…

Quem é Moody’s

A agencia Moody’s é subsidiária da Moody’s Corporation, com sede central em New York.
O presidente é Raymond W. McDaniel Jr., acerca do qual não podemos dizer nada de mal (excepto o facto de ser presidente da Moody’s, óbvio)

Entre os membros do Board of Directors encontramos:

  • Basil L. Anderson da Stables Inc. e da Hasbro Inc (gigantes do sector das vendas e dos serviços)
  • Robert Glauber da ING Group (sector bancário e seguros)
  • Henry Mc Kinnell, da multinacional farmacêutica Pfizer e da Exxon Mobil (petróleo)
  • Nancy S. Newcomb da Citigroup (outra vez?) e da Sysco Corporation (sector alimentar)
  • John K. Wulff, da multinacional química Herculer, da KPMG (multinacional financeira e certificação dos balanços), da Sunoco (petróleo) e da Fannie Mae (não faz lembrar nada este nome? Subprimes, bolha imobiliária…?).

Se o vosso filho perguntar: mas quem manda nesta casa? é boa ideia apresentar este elenco.

E, claro, com chefias assim os resultados não podem falhar. Eis a demonstração.
 
Em 2006 a Adusbef, associação italiana que opera na defesa dos utentes nos serviços bancários e financeiros, realizou uma avaliação de mais de 1.000 “reports” emitidos pelas agências de rating: 91% estavam errados, 9% de eficiência.

Quando as agências difundem os comunicados acerca de sociedades ou aconselhamentos, 9 em cada 10 vezes estamos perante verdadeiras minas que implicam perdas maiores quando comparadas com a normal capacidade de investimento.

A razão? Simples: as agências são pagas pelos comitentes, não pelos investidores e trazem com elas o conflito de interesses.

Consequências: onde estavam e o que disseram Moody’s, Fitch, S&P nos casos Lehman Brothers ou Bear Stearns? No caso Enron, Worldcom ou Parmalat? No quase default do Dubai? No caso dos sub-primes americanos?
Não estavam. E se estavam, dormiam.

O caso Lehman Brothers deveria entrar nos manuais: o banco faliu no dia 15 de Setembro de 2008, após uma agonia de cerca de um ano. Até o dia 14 de Setembro incluído Moody’s, Fitch e S&P identificaram o titulo Lehman com o máximo da pontuação.
Um titulo seguro, no qual apostar com a certeza de ter concluído um bom investimento.
No dia a seguir o banco faliu e as Três Irmãs baixaram o rating. O titulo já não era tão seguro.
Até a minha avó poderia ter feito avaliações desta forma.

Então é assim que trabalham as “Três Irmãs”?
Nãoooo, as coisas são bem piores.

Nas páginas de Bloomberg é possível encontrar um artigo muito interessante.
Franck Reiter, ex manager da S&P especialista nas avaliações de títulos baseados nos mútuos, explica da melhor forma a atitude imparcial das agências.

Em 2001 um superior pediu-lhe para assinar uma avaliação que nunca tinha feito. E isso para facilitar a S&P na aquisição de novos contratos.

Reiter não assinou mas o rating foi emitido na mesma.
O rating não foi inventado: foi simplesmente copiado, sendo o original na posse da concorrência.
Reiter continua afirmando que S&P não teria percebido os prejuízos causados. Afinal tinham encontrado uma maneira de fazer dinheiro de forma fácil, convencidos que os danos estariam diluídos para ninguém poder reparar.

Estas são as agências de rating. Seria possível continuar, pois episódios simpáticos não faltam. Mas já é possível perceber nas mãos de quem estamos.

As Três Irmãs não só são a expressão dum emaranhado esquema entre bancos, multinacionais e interesses privados; são também uma estrutura que controla o sistema financeiro das nações e todos os sectores da economia pública e privada.
Se hoje o mundo está no meio duma crise sistémica  não podemos culpar as agências de rating quais únicos responsáveis. Mas como cúmplices activos sim, sem dúvida.

Soluções?
Sim, uma agência de rating para avaliar as agências de rating. Não americana. Melhor ainda, com participação internacional. Para limitar o imenso poder e/ou para prevenir abusos.

Avaliar as avaliações, e desculpem a redundância, com juízos “a posteriori”.

Mas para isso é precisa vontade. E não vale a pena acrescentar mais nada.

Ipse dixit.

Fontes: Adusbef, Bloomberg

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