UE: análise automatizada contínua das comunicações privadas

Despachados os assuntos familiares, Informação Incorrecta volta ao normal com a União Europeia, sempre pródiga em fornecer novo material.

Na reunião dos Ministros do Interior da UE em Brdo, na Eslovénia, os representantes dos governos pronunciaram-se a favor de um rastreio obrigatório das nossas comunicações privadas. Motivação: pedofilia.

Na declaração final da conferência de dois dias convocada pela Presidência Eslovena da UE, os participantes congratulam-se com a intenção da Comissão de apresentar um projecto de lei no início de 2022 que obrigaria os fornecedores de serviços de mensagens e chat (como Whatsapp) e os serviços de correio electrónico a procurar automaticamente em todas as comunicações, encriptadas e não encriptadas, bem como nas mensagens e nas imagens anexadas para conteúdo suspeito. E, obviamente, denunciar tudo à polícia.

O assunto da pedofilia é terrivelmente sério e novas medidas para travar esta praga são bem vindas. Todavia é preciso realçar algo: o novo projecto de lei parte do princípio de que todos somos suspeitos, potencialmente pedófilos. Só assim é possível explicar uma medida que vasculha todas as comunicações de todos os cidadãos e empresas. Uma vigilância em massa que até agora só tinha sido praticada por regimes totalitários como a China.

A partir do ano próximo, o nosso smartphone deveria analisar todas as nossas mensagens e imagens armazenadas em busca de conteúdos alegadamente suspeitos antes que possam ser enviados através dos serviços encriptados. Isso enquanto as comunicações não encriptadas terão de ser rastreadas pelo nosso fornecedor internet. Se o algoritmo detectar conteúdo suspeito, será automaticamente enviado um alerta para a polícia.

O objectivo declarado, como afirmado, é a luta contra a pornografia infantil. Portanto um bem superior, em nome do qual são precisos sacrifícios (“se não tens nada a esconder… etc.”).

Numa carta enviada em Outubro deste ano para a Comissão e assinada por um grupo de parlamentares europeus, é apresentada uma análise jurídica sobre o assunto por parte dos Serviços Parlamentares da Alemanha, segundo a qual “a
análise do conteúdo das comunicações” é justificável “ao abrigo da legislação da UE em circunstâncias excepcionais”:

O risco latente e permanente de que um crime (mesmo de natureza grave) possa ser cometido não deve ser suficiente para justificar uma análise automatizada contínua e abrangente.

O que faz sentido pois a análise automatizada continua e abrangente quebra o direito à privacidade partindo do princípio de que todos são considerados suspeitos. Um absurdo.

Além disso, a mesma carta realça como:

a eficácia e a eficiência do controlo algorítmico geral não tem sido demonstrado. O número crescente de relatórios de empresas americanas que utilizam este método indica que este não trava a circulação de material ilegal.

Bem pelo contrário, esta prática empurra tais actividades para lugares ainda mais escondidos (por exemplo, para fóruns da Dark Internet) e “torna os criminosos ainda mais difíceis de perseguir”.

Mais:

A única força policial que revelou as estatísticas, a Polícia Federal Suíça (Fedpol), afirma que 86% dos relatórios dos EUA gerados automaticamente sobre conteúdos alegadamente ilegais não contêm, de facto, qualquer material relevante do ponto de vista criminal. Isto significa que todos os meses milhares de cidadãos inocentes são falsamente denunciados à polícia. Falsas acusações de posse de material ilegal de menores pode resultar em buscas domiciliárias, interrogatórios, etc., uma visibilidade pública que pode ter efeitos devastadores na vida de cidadãos inocentes, mesmo que as investigações sejam eventualmente fechadas.

Há depois um aspecto técnico não indiferente: para proceder à monitorização incluindo os serviços encriptados, os fornecedores teriam de implementar uma
backdoor no seu software (uma espécie de entrada oculta no computador do cidadão) para permitir a tal monitorização. Isso significaria acabar duma vez por todas com a comunicação encriptada e eliminar a segurança e a confiança que esta oferece.

Já não poderia haver indivíduos ou empresas que confiam na encriptação para salvaguardar as suas comunicações porque as backdoors poderiam ser e com certeza seriam utilizadas por criminosos, serviços de inteligência estrangeira e forças que procuram desestabilizar a sociedade.

A prática da análise geral e indiscriminada do conteúdo de toda a correspondência privada de cidadãos e empresas é equivalente a abrir e digitalizar o correio e todas as cartas em busca de conteúdo ilegal. Um horror aos olhos de qualquer instituição democrática; uma festa para quem deseje exercer o controle total sobre a sociedade. Não acaso, é um projecto da União Europeia.

 

Ipse dixit.

3 Replies to “UE: análise automatizada contínua das comunicações privadas”

  1. Bom dia Max: evidente que se trata de mais uma desculpa para mais vigiar e punir. A pedofilia é assunto do momento, condenado por 99,9 das humanos.
    Muita gente sabe mas pouquíssimos seriam capazes de analisar estas práticas do ponto de vista histórico, da sociabilidade humana, e como prática de exploração do corpo e da alma dos (as) vítimas contra vontade nessas práticas.
    Espero que neste espaço haja compreensão suficiente para não me classificarem como pedófila tal como se apresenta a situação da pedofilia e como ela é praticada em nosso tempo, basicamente como diversão de alguns contra a vontade de outros.
    Mas não posso deixar de lembrar do que tenho lido de sociedades mais antigas como a romana onde a iniciação sexual dos menores era realizada pelos adultos homens chamados pedagogos.
    Não posso ignorar que na maioria das crianças manifesta-se o impulso sexual muito cedo, caso estas crianças não sejam reprimidas desde muito cedo. E elas buscam entre iguais menores satisfazer suas curiosidades e vontades.
    Não posso tapar os olhos para uma realidade que existe entre homens e mulheres de idades completamente diferentes, coisa desconsiderada e digna de repulsa em nossa sociedade. Isso acontece entre mesmo sexo e sexos diversos.
    Em suma, acho que este assunto é condenado, fruto de extremo preconceito, antes de ser discutido, estudado, respeitado, quando resulta de ações desejadas pelos envolvidos.
    Nesta história e de resto em qualquer história o que condeno é o uso do corpo do outro sem o desejo de ambos, independente de idade ou qualquer outra condição.
    O que tenho profundo respeito é pelo desejo dos vitimados pela incompreensão.
    O que deploro e mantenho profundo ódio mesmo é que ricaços roubem a infância e a adolescência das suas vítimas, que ficam marcadas por toda vida pelo que foi feito e pelo mau trato que o assunto merece. Isso não exclui os pobres onde aí a situação é ainda pior porque não raro os vitimados são considerados como “tentadores” dos mais velhos.

  2. Um explorador pedófilo terá de ser muito idiota para usar o celular ou alguma rede “social” e cair nessa arapuca, só esses falsos hipócritas é que propagam o controle com esta desculpa. Mas, não podemos negar algumas instituições detestam concorrência.

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