A Linha do Arcanjo

A geografia sagrada é um conceito geralmente aceite entre os académicos e refere-se a modalidades e técnicas de construção segundo padrões com bases religiosas. Os primeiros exemplos de geografia sagrada podem ser facilmente encontrados nos monumentos megalíticos: estes costumam ter orientações bem precisas, nunca casuais, apontando para determinados fenómenos celestes (solstícios, conjuntos de estrelas, etc.) ou terrestres (por exemplo tendo na mira montes sagrados. Para saber mais acerca deste assunto, aconselho o livro “As Leis do Céu – Astronomia e Civilizações Antigas” do astrofísico e Director do Museu de Ciência de Tenerife Juan Antonio Belmonte, publicado pela MareAntes Editores em 1999, no qual são analisadas as orientações dum bom número de locais sagrados espalhados pelo planeta todo).

A geografia sagrada faz todo o sentido: datas as técnicas menos desenvolvidas, a construção dum monumento era uma operação complexa e demorada, um esforço da comunidade que envolvia um grande número de trabalhadores ao longo dum período de tempo não indiferente. Lógico, portanto, que o monumento fosse uma ocasião para erguer algo repleto de significado (ou que fosse até útil, como no caso dos cálculos astronómicos) e que respeitasse as crenças locais.

Todavia, existem alguns exemplos de geografia sagrada para os quais não temos uma explicação. São casos em que é evidente a projectualidade, que exclui o acaso, mas para os quais não há uma explicação. É o caso da Linha Apolo – São Miguel.

A Linha Apolo – São Miguel é uma recta de 4.200 quilómetros que conecta a Irlanda com israel e que liga mosteiros dedicados ao Arcanjo Miguel na Europa e no Médio Oriente. Os mosteiros alinhados incluem:

  • Skellig Michael (Irlanda)
  • Monte de São Miguel na Cornualha (Reino Unido)
  • Monte Saint-Michel na Normandia (França)
  • Sacra di San Michele (Italia)
  • Monte San Michele del Gargano (Itália)
  • Symi (Grécia)
  • Monte Carmelo (israel).
Fonte imagem original: Wikipedia

Alguns investigadores ampliam a lista dos locais acrescentando a ilha grega de Delfos (na antiguidade sede do oráculo), a Igreja de San Michele de Castiglione in Garfagnana e a abadia de Cluny na França. Por aqui vamos ficar fieis aos sete lugares “canónicos”.

Encontrar linhas que conectam lugares no planeta é muito simples: encontrar uma linha capaz de atravessar sete locais dedicados ao mesmo santo é já um pouco mais complicado. Também porque estes lugares têm outras características interessantes.

A primeira é que todos os lugares de culto da Linha foram construídos antes do ano 1.000. O primeiro assentamento em Skelling por parte de monges protocristãos é 588 d.C.; de pouco anteriores foram as construções do monte de São Miguel na Cornualha (495 d.C.), do monte San Michele na Apúlia (490 d.C.) e do Mosteiro de São Miguel na ilha de Symi, na Grécia (450 d.C.). Sucessivos são o Monte São Miguel na Normandia (706 d.C.) e o monte Pirchiriano no vale de Susa com o início da construção da Sacra di San Michele (966 d.C.).

A segunda característica comum é que todos os lugares de cultos da Linha foram erguidos no topo de cumes não facilmente acessíveis, apesar da altura variar grandemente. Mais em pormenor:

Skellig Michael

Partindo da Irlanda, o primeiro lugar sagrado é Skellig Michael, nome gaélico Sceilig Mhichíl, que, como lembrado, fica a 4200 km do Monte Carmelo. Aspecto interessante é que a principal direcção de abertura do antigo povoado situa-se entre 90° e 120°, ou seja, entre o leste e o sudeste: de frente para o sol nascente, mas também para israel.

Saint Michael’s Mountain

O segundo ponto da Linha é o Monte São Miguel na Cornualha, no qual o culto de São Miguel está ligado a uma abadia beneditina, mais tarde destruída, nascida para comemorar a aparição do Arcanjo em 495. A igreja do culto sobreviveu e faz agora parte da fortaleza do século XVI. Geograficamente o local fica a 3850 km do Monte Carmelo e também aqui a orientação azimutal é semelhante às outras enquanto a igreja está orientada exactamente para Leste.

Mont Saint Michel

O terceiro ponto que atravessa a Linha é um dos mais famosos, talvez o mais visitado pelos  turistas: é o Mont Saint Michel na Normandia, um ícone paisagístico do norte da França. Na realidade, o nome original da montanha esconde o culto que precede o de S. Miguel, que, como dissemos, data de 700 d.C.: o local era sede dos ritos celtas e era considerado o túmulo do deus Beleno. No mesmo local foi então venerada a Madona Negra, a Rainha do Submundo. Mont Saint Michael, cujo nome bretão é Menez Mikael ar Mor, fica a 3.520 km do Monte Carmelo.

Sacra di San Michele

Após três pontos em zonas do norte da Europa, entramos em Itália através do vale de Susa, na entrada do qual encontramos o Monte Pirchiriano, no qual, por volta do ano 1000, foi construída a Sacra di San Michele. A origem do nome é debatida: poderia ser Porcarianus (relativo aos porcos que aí pastavam naquela época) ou Pir-Kyrianos (Fogo do Senhor, o globo de fogo que apareceu ao fundador da Sacra), mas várias interpretações são possíveis dado que neste lugar as estratificações históricas e linguísticas foram-se acumulando ao longo dos séculos. A Sacra, situado a 962 metros acima do nível do mar, é o ponto mais elevado da Linha e o mais afastado do mar. Está a 2760 km do Monte Carmelo.

Monte Sant’Angelo

Bem mais perto do Mediterrâneo fica o quinto ponto da Linha, Monte Sant’Angelo, o segundo lugar mais alto (796 metros acima do nível do mar) e provavelmente o mais antigo: a sua fundação remonta a 490 d.C., numa gruta já sede de cultos pré-cristãos. Vale a pena recordar aqui que no início da Idade Média, ou seja, no primeiro período de expansão da fé cristã, as figuras dos Arcanjos, já presentes no Antigo Testamento e confirmadas pela Igreja Cristã, foram muito úteis na substituição dos deuses pagãos nas várias áreas geográficas. Assim, vemos a reconfiguração dos personagens guerreiros de Odin-Wotan do panteão celta e os personagens taumatúrgicos de Asclepius-Apollo do panteão grego, para não esquecer os de Hermes Psychopompus, todas reunidas num único personagem, o Arcanjo Miguel.

Quanto à posição na Linha, Monte Sant’Angelo dista do Monte Carmelo 1970 km.

Symi

Finalmente, o sexto ponto antes do Monte Carmelo é a ilha de Symi, a norte de Rodes, com o seu mosteiro ortodoxo perto de Panormitis, localizado ao nível do mar: é o ponto mais próximo de israel (800 km) e apresenta a construção relativamente mais recente (1100 d.C.), embora o primeiro templo seja do 450 d.C.

Monte Carmelo/Armageddon

Um discurso à parte merece o sétimo e último ponto que é a chave deste alinhamento, o monte Carmelo em israel. O Monte é um lugar sagrado, de facto diz-se que aqui viveu o profeta Elias, que teve uma visão da vinda de Nossa Senhora e de como ela foi levada para o céu. Foi nesta montanha que mais tarde se desenvolveu a tradição mariana de Nossa Senhora do Carmo. O facto é que a Linha dos seis pontos acima mencionados, que percorre 4200 km de Skelling na superfície curva da terra, pode ser traçada sem grande margem de erro até o Monte Carmelo; mas, um pouco mais para sul sempre na mesma cordilheira, fica o Monte Armageddon, agora Tel Megiddo, cuja posição permite traçar uma linha muito mais precisa como os restantes pontos. O Monte Armagedão, já cenário de batalhas e sítio arqueológico muito importante, é o lugar mencionado no Apocalipse de João onde se realiza o confronto final entre as forças do Mal e do Bem, liderado pelo arcanjo guerreiro por excelência, nomeadamente o Arcanjo Miguel. Um final da Linha extremamente significativo.

O Arcanjo

Mas por qual razão o Arcanjo Miguel? Para já salientamos algo estranho: pode um Arcanjo ser Santo? Não parece, ou seja: não faz sentido, mas assim quer a tradição cristã.

A Igreja Católica reconhece três Arcanjos: Miguel, Gabriel e Rafael (notar o -el final, de El “Senhor”). Na verdade os Arcanjos propriamente ditos deveriam ser só dois, sendo que Gabriel do ponto de vista etimológico (antigo hebraico) é um nome genérico para indicar alguém que actua por conta de El. Outras igrejas reconhecem também os Arcanjos Uriel, Baraquiel, Geudiel e Sealtiel, por um total de sete (considerando também Gabriel).

Mas entre todos os Arcanjos, Miguel tem um lugar muito particular. O profeta Daniel, por exemplo, relata Miguel como “um dos Príncipes Supremos”, expressão que traduz o hebraico “Um dos primeiros Chefes”, onde “primeiros” é utilizado no sentido temporal, o que faz pensar a uma figura particularmente antiga. O mesmo nome original Mi-Ka-El significa “Quem como Deus” mas a sua figura não foi venerada até a época de Enoch, antenado de Noé, o que faz pensar que Miguel tivesse um papel não central antes dos humanos estabelecerem-se fora do Eden (o que faz sentido ao considerar, como veremos, Miguel como um estratega militar).

Miguel é também o padroeiro de israel; trata-se duma outra curiosidade pois israel é a Terra Promessa pelo Senhor, pelo que não deveria ser necessário um padroeiro, deveria ser suficiente Javé. E Miguel aparece também na Apocalipse de S. João como nada menos que Comandante Supremo das forças do Bem na batalha final do Armageddon. A impressão geral, como realça Mauro Biglino, é que Mi-Ka-El seja mais importante de Javé, dependendo directamente de El.

Prosseguindo com a narrativa de Biglino e voltando à questão da Linha, Miguel apareceu em alguns dos sete locais, cada um dos quais tem uma importante posição estratégica; e em dois deles, Symi na Grécia e Moint Saint Michel na Normandia, os actuais mosteiros surgem por cima de antigos templos dedicados a Apollo (Symi) e a Beleno (na Normandia), este último deus celta que pode ser identificado com Apollo sendo que ambos apresentava as mesmas características. Interessante também realçar como San Michele nel Gargano (Apúlia) teve importância para os Longobardos que identificavam Miguel com o deus-guerreiro Odin; e, como vimos, o Arcanjo era de facto um líder militar. A sobreposição Apollo-Miguel identifica o Arcanjo como senhor das guerras, tal como Apolo que era um devoto das artes, mas que também não desdenhava entrar em guerra tal como relatado por Homero.

Também Biglino fala amplamente do Monte Carmelo na Galileia. O Carmelo é uma montanha reconhecida como importante e sagrada desde os tempos antigos, também é mencionada, por exemplo, em textos egípcios do século XIV a. C., tendo sido conquistada pelo faraó Tutmosi III; e mais tarde foi visitada por Pitágoras. No Monte Carmelo, entre outras coisas, os arqueólogos encontraram os restos de ossos humanos que atribuíram à espécie Homo sapiens e até aqui nada de especial, não fosse que aqueles ossos foram datados mais de 150 mil anos antes de Cristo, o que, se fosse confirmado, obrigariam a reescrever a história da Humanidade. Realçamos também que o nome Carmelo significa “jardim” ou “vinha de um El”, indicando assim um lugar de excepção e, provavelmente, de residência.

Acerca do Arcanjo Miguel haveria muito de que falar, mas por aqui o foco fica na Linha Apolo – São Miguel. Então eis a dúvida: um alinhamento casual? Sete lugares de culto, com assinalável importância ao longo dos séculos, todos dedicado à mesma figura e dispostos ao longo da mesma recta dificilmente podem ser um mero acaso. Todavia, como afirmado, não temos uma explicação.

Se parece bastante evidente o respeito duma geografia sagrada ligada à figura do Arcanjo, o mesmo não pode ser dito em relação ao objectivo final: qual era o fim? A resposta, muito provavelmente, ficou perdida numa sabedoria antiga, a mesma que estava na base da geografia sagrada e que agora, não sem fadiga, os pesquisadores tentam voltar a entender.

 

Ipse dixit.

6 Replies to “A Linha do Arcanjo”

  1. Há uns bons anos li um livro, cuja referência com grande tristeza perdi, mas que tinha a ver com S. Tiago, sustentando que se desenhava um jogo da glória na Europa. Por aqui temos o deus “demon” Endovélico tb identificado com Apolo e com S. Miguel. Por mim, desconfio de todos os lugares S. Miguel e Santiago. Sabia Max conspirador, mas místico não. Conhece o blog Alvor Silves?

  2. Esse artigo tem, muito provavelmente, com o Genevieve e os sinais do passado. Quanto perdemos ao longo destas centenas de milhares de anos é o que mais me intriga…

  3. O mitico, a religião, o ocultismo, e o espiritismo tem mais de real do que a história distorce. Nada é por acaso quando grandes esforços são feitos para manter a história viva. Se estas “casualidades” espantam, o que dizer do alinhamento das pirâmides em relação à posição planetária e de alinhamentos entre outros monumentos arqueológicos continentais no anzimute de Lambert? Nada bate bem entre a história humana e a antiguidade. Imaginem o conhecimento “apagado” (ou retirado) da alexandria.

    1. Afinal Max tambem divaga pelo lado oculto, o manifestado tem o seu lado nao visivel aos olhos materiais, linhas teluricas, bem conhecidas de nossos antepassados…Que dizer sobre os Templarios e seu projecto bem como seu profundo conhecimento sobre estas linhas como veias e arterias do nosso planeta. Que dizer sobre as linhas que cruzam nosso territorio e nas quais os cavaleiros do templo ergueram seus castelos…A historia ministrada em forma de adestramento no nosso sistema de ensino pouco tem a nos dizer sobre estes assuntos, apenas o visivel, os ossos e as pedras essa historia conhece.

  4. O passado deve conter milhares de conhecimentos que o presente desconhece, oculta ou desdenha. Toda história “didática” ou destinada a preencher o vazio do passado é apresentada como um certo desconhecimento, uma certa barbárie, misturada com cultos e profecias. Porque será?

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