A Doutrina Monroe e a anormalidade brasileira (parte para todos)

Argentina, depois Brasil, agora Venezuela: o que está a acontecer na América do Sul?

Parte I (para todos)

A Doutrina Monroe

Que a América Latina precisa de ser propriedade privada dos Estados Unidos foi decidido em 1823 pelo Presidente dos EUA James Monroe, que na sua famosa “doutrina” já tinha definido as terras que vão desde o México até a Patagónia como uma propriedade natural dos EUA, ou seja, terras que por uma “lei natural de gravidade política” mais cedo ou mais tarde cairiam no quintal de Washington (podem ler Chomsky acerca deste ponto). O único obstáculo, previa Monroe, eram os britânicos, cujas frotas eram poderosas demais na época para permitir a conquista por parte dos ianques, mas, mais cedo ou mais tarde, recuariam, como previu o Presidente. E de facto aconteceu.

O que está a acontecer neste momento na Venezuela é, de um lado, absolutamente trivial: o patrão nunca desiste e estamos perante a enésima intervenção ilegal dos Estados Unidos na América na Latina, tudo de acordo com a Doutrina Monroe. É claro que os EUA devem dobrar os vassalos, isto é, os Países latino-americanos hoje nas mãos dos fantoches do Fundo Monetário Internacional, grupos como aquele de Lima, a Grã-Bretanha e também a União Europeia. E a coisa ridícula é que, enquanto os Estados Unidos estão a gritar histericamente por causa da alegada interferência de Putin em favor de Trump, acontece que o Ministro das Relações Exteriores americano, Mike Pompeo, liga para o neo-Presidente auto-proclamado da Venezuela, Juan Guaidò, 24 horas antes do anúncio da sua candidatura para o máximo cargo do País. Primeira pergunta: “Mas se Pompeo fizer isso, então porque Putin não poderia ligar para Trump 24 horas antes do anúncio da sua candidatura?”. E depois a segunda pergunta “Falaram de quê?”, pode ser feita a uma lata de atum, confiante de ter a resposta certa.

Desde Kennedy, que financiou o horrendo golpe no País do qual não posso falar porque não sou daí; passando por Kissinger, que financiou golpes em todos os cantos do planeta; passando por Carter e Reagan, torturadores da Nicarágua em particular; ou Bush contra o Haiti; Bill Clinton, Haiti e esquadrões da morte na Colômbia; para chegar até a Obama, apoiante do golpe de Estado em Honduras e construtor de novas bases militares (doutro lado era Nobel da Paz…), é sabido que Washington adora os ideais democráticos para exportação: é notícia de hoje é que Mike Pompeo nomeou o neo-con Elliot Abrams como seu enviado especial na Venezuela, apenas para dar a impressão de ser imparcial. Abrams, filho de imigrantes judeus, membro do Council on Foreign Relations, é um forte apoiante do governo israelita, um sionista cinco estrelas, um neo-nazista que financiou o genocídio na Guatemala do General Rios Montt, que passou os subornos do escândalo Irão-Contras durante a Administração Reagan (perdoado em 1992 pelo digno compadre, o Presidente Bush pai) e que organizou o golpe falhado contra Chávez em 2002. Abrams é a Doutrina Monroe com esteróides.

Mas o milésimo artigo dos blogueiros desesperados sobre a Venezuela e nem todos os detalhes do jornalismo “à Google” podem ajudar muito. Em vez disso, serve um pouco de “fundo” para entender Maduro e como sair disso. Pois, meus senhores: a História, mais uma vez.

JFK vs. João XXIII

Num incrível paradoxo, as tragédias da América Latina começaram no século XVI com a conquista em nome do Vaticano, mas tiveram a sua única esperança de terminar graças ao Vaticano, em 1959. No Concílio Vaticano II, na bula Humanae salutis, Papa João XXIII anunciou um objectivo revolucionário chocante: a opção da Igreja em favor dos pobres. E era revolucionário de verdade: desde o infame Imperador Constantino, no século IV, a Igreja tinha sempre escolhido a opção em favor dos ricos e dos poderosos, dedicando aos pobres e aos dissidentes apenas boas palavras de consolo. E assim foi ao longo de 1700 anos. João XXIII reverteu as ordens da equipa: não, disse, a Igreja agora escolhe os pobres.

Na América Latina, a mensagem do Concílio II teve um começo surpreendente na forma da Teologia da Libertação. O que era? Resumindo ao máximo: padres e freiras, e nalguns casos (muito raros) até elementos das fileiras eclesiásticas mais elevadas, inspirados pelo Concílio Vaticano II despojaram-se de tudo e simplesmente fizeram o que Cristo fez, lutando nas favelas dos pobres, morrendo ao lado deles e, obviamente, entrando em conflicto aberto com os superiores, ou seja, bispos, arcebispos e cardeais, aos quais nem passava pela cabeça de “despir-se da riqueza e do poder acumulados (e entre estes havia um tal Bergoglio, aquele que hoje em Roma apanha o autocarro para “estar entre as pessoas”).

Em 1962, o venerável Presidente dos Estados Unidos J.F. Kennedy notou os acontecimentos e não gostou. Não podia gostar: um punhado de sacerdotes mendigos que começavam a agir como “socialistas” contra todo o investimento americano? Foi Kennedy antes (mas entretanto foi assassinado) e o seu sucessor, Lyndon B. Johnson, depois que deram luz verde ao pior período daquele País sul-americano em que, com a expulsão do democrático Goulart, os militares retomaram o poder em 1964. Foi assim inaugurada a estação dos National Security States, ou seja três décadas de golpes fascistas na América Latina.

Mas nos arquivos secretos, agora desclassificados e disponíveis a partir do National Security Archive em Washington, ainda podemos ler as palavras eufóricas do Embaixador norte-americano, Lincoln Gordon (um homem de Kennedy), que definia o golpe dos torturadores “uma grande vitória para o Mundo Livre” e “um momento decisivo para a História”. na prática, JFK disse “Querido Papa João XXIII, a tua opção para os pobres acaba aqui”. E acabou.

Na América do Sul foi um holocausto de massacres, tortura, campos de concentração, roubo de recursos de triliões de Dólares até o final dos anos 90 e desde o nascimento da Teologia da Libertação. Entre outras coisas, este ano marca o 30º aniversário de um dos últimos actos da chacina, o massacre de seis jesuítas teólogos, académicos da libertação, e de duas domésticas deles pelas mãos do esquadrões da morte Atlacatl, em El Salvador (1989). Tudo com o silêncio de Papa Wojtyla, o homem plantado em Roma por Washington não apenas para derrubar a URSS mas também para desintegrar a opção para os pobres na América Latina.

Entretanto, a Teologia da Libertação descarrilou para uma caricatura espiritual do marxismo até que Papa Bento XVI lutou activamente contra ela, afastando-la ainda mais do catolicismo.

E chegamos ao Maduro de hoje, passando, como escrito acima, para todos os Presidentes dos EUA que nunca deixaram de financiar e armar cada golpe antidemocrático a sul do Texas. Enquanto alguns brasileiros justificam a actual situação do País deles culpando os portugueses, os hebreus, Colombo, Rei Artur e até os Neardenthals, Washington continua a sua obra: e o resultado é que hoje, com o naufrágio da revolução bolivariana, 85% da América Latina está de volta nas mãos do Fundo Monetário Internacional. Mas é precisa um pouco de honestidade intelectual.

Chegados a este ponto é preciso um aviso: se o Leitor for um fanático apoiante de Lula & companhia cantante, aconselho ficar por aqui, esquecendo a Parte II. Não é por maldade, simplesmente é provável não haver capacidade para o entendimento. Portanto vamos concluir com “Viva Lula, Viva Maduro, Morte aos Yankees!” e ficamos todos felizes.

 

Ipse dixit.

Na imagem de abertura: James Monroe

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