Solženicyn: escolher ou ficar inertes

Considerado que:

  • hoje é dia de S. João, festa em Almada (onde moro)
  • hoje é o aniversário do meu antigo aniversário (isso é: antigamente era hoje que fazia os anos, depois decidi parar na casa dos 35);

então post breve e curto, dedicado ao pensamento de Aleksandr I. Solženicyn, romancista, dramaturgo e historiador russo, conhecido, entre as outras coisas, pelo sua obra Arkhipelag Gulag (“Arquipélago Gulag”), publicado em Ocidente no ano de 1973.

Este é um livro que conta as experiência de Solženicyn no sistema dos gulags da época de Estaline e sem dúvida aconselho a sua leitura. Não completa, pois não conheço pessoas ainda em vida que tenham conseguido digerir todas as 600 páginas, mas as primeiras 200 ou 300 podem ser suficientes para entender a bondade da obra sem arriscar entrar em estado de coma vegetativo.

O pensamento de Solženicyn não é dos mais alegres mas é sem dúvida actual.
Acho que vale a pena reflectir acerca disso.
Como diz o ditado: “São João, dia de reflexão”.
Ou algo do género.

Estamos agora perto de atingir o fundo, acima de todos nós paira a mais completa ruína espiritual, está prestes a rebentar a morte física que irá incinerar nós e os nossos filhos, e nós continuamos a murmurar com um tímido sorriso tímido:
– Como podemos impedi-lo? Nós não temos a força.
Estamos tão desumanizados que para obter a modesta sopa de hoje estamos dispostos a sacrificar qualquer princípio, a nossa alma, todos os esforços daqueles que nós antecederam, qualquer possibilidade para a posteridade, desde que não seja perturbada a nossa existência miserável. Nós já não temos nenhum orgulho, nenhum firmeza, nenhum zelo no coração. […]

Realmente não há nenhuma saída? Apenas podemos esperar que algo aconteça de forma inerte, por si só?
O que fica entranhado em nós nunca irá sair sozinho se continuarmos a aceitar tudo os dias todos, a reverencia-lo, a consolidar, se não rejeitarmos pelo menos a coisa à qual é mais sensível.
Se não rejeitarmos a mentira. […]

É aqui que encontramos a chave da nossa libertação, uma chave que temos negligenciado e que mesmo assim ainda é tão simples e acessível: a recusa em participar pessoalmente na mentira. Embora a mentira cobra tudo, embora domine em todos os lugares, num ponto somos inflexíveis: que não domine por minha causa!

Esta é a fenda no alegado círculo da nossa inação: a fenda mais fácil de realizar para nós, a mais destrutiva para a mentira. Porque se os homens rejeitarem a mentira, ela simplesmente deixa de existir. Como um contágio, ela só pode existir entre os homens. […]

Cada um de nós, portanto, ultrapassando a pusilanimidade, faça a sua escolha: ou permanecer servo consciente da falsidade (certamente não por causa da inclinação, mas para alimentar a família, para educar as crianças no espírito das mentiras!), ou convencer-se de que chegou a hora de mexer-se, para se tornar uma pessoa honesta, digna de respeito tanto dos filhos quanto dos contemporâneos. […]

Para os jovens que querem viver segundo a verdade, no início a existência será bastante complicada; mesmo as lições que são aprendidas na escola estão repletas de mentiras, é preciso escolher. Mas para aqueles que desejam ser honestos não há nenhuma outra saída, mesmo neste caso: jamais, mesmo nas questões técnicas mais inócuas, é possível evitar um ou outro dos passos que foram descritos, do lado da verdade ou do da mentira: do lado da independência espiritual ou do da escravidão da alma. E quem nem teve a coragem de defender a sua alma, não exiba as suas vistas de vanguarda, não se orgulhar de ser um académico ou um “artista do povo” ou um general; diga, em vez disso, simplesmente sou um animal de carga e um covarde, só é para mim suficiente ficar quente com o estômago cheio. […]

Isto não é começar por primeiro na estrada, mas juntar-se aos outros! A viagem vai parecer tanto mais fácil e curta quanto mais estaremos unidos e numerosos. Se formos milhares, ninguém poderá lidar connosco. Se formos dezenas de milhares, o nosso país vai tornar-se irreconhecível!

Mas se deixarmos que ganhe o medo, então paremos de reclamar de que alguém não deixar-nos respirar: somos nós que não nos deixamos. Dobremos as costas ainda mais, esperemos mais, e os nossos irmãos biólogos farão amadurecer os tempos em que poderão ser lidos os nossos pensamentos e mudados os nossos genes.

Se mais uma vez seremos covardes, isso significará que somos nulidades, que para nós não há esperança, e que merecemos o desprezo de Pushkin:
De que servem às manadas os dons da liberdade?A suas heranças de geração em geraçãosão o jugo com os sinos e o chicote.

Moscovo, 12 de Fevereiro de 1974

O quê? Não é alegre?
Eu avisei, mas o Leitor é curioso, quis ler tudo, agora não pode queixar-se comigo.
Até porque é S. João e, como reza o ditado, “S. João, se não gostaste do pensamento, paciência”.
Ok, admito: é um ditado inventado.
Nota-se, não é?
Bem me parecia…

Ipse dixit.

Fonte: Nexus Edizioni
Imagem de abertura: pintura de Carlos Farinha (Site, Facebook)

Nota: nada de parabéns, sério, deixei de festejar há muito para não envelhecer.
E funciona! Pelo menos acho…

8 Replies to “Solženicyn: escolher ou ficar inertes”

  1. Mais de 35?! OMG… Então, os meus pêsames… 😉

    Quando era mais pequeno, lembro-me de ter encontrado este livro num baú cá em casa. Na altura pensei que fosse uma lista telefónica para os arquipélagos! Mas agora aguçaste-me a curiosidade, vou à procura do artefacto…

    PS: O truque resulta, se começar a ser praticado na casa dos 20?

    1. Olá Ricardo!

      Bom artigo, sem dúvida. Sim, acho que o percurso descrito pelo ex-primeiro ministro de Singapura, Lee Kuan Yew, faz todo o sentido.

      Deng Xiaoping foi uma espécie de alter-ego de Mao: tinha entendido que a via comunista tinha grandes limites e não acaso, no dia após a morte do líder, fez prender os membros da Banda dos Quatros, acusados dos excessos da revolução cultural lançada pelo mesmo Mao.

      Foi, de facto, um choque entre duas visões opostas: a vertente ortodoxa dos Quatro contra o revisionista Deng Xiaoping. Ganhou este último e a China começou a mover os primeiros passos na direcção do Capitalismo.

      Antes foi um Capitalismo gerido exclusivamente pelo Estado, com a ideia de aprender os mecanismos de base; mais tarde explodiu o "fenómeno " China tal qual é conhecido hoje. Mas a origem está lá, em meados dos anos '70, com a morte de Mao e a tomada de poder de Deng Xiaoping.

      Onde o artigo precipita para níveis risíveis é na parte final.

      Cito:
      "Agora é 2015, como é que os maoístas comunistas filipinos continuam a empurrar a sua ideologia maoísta comunista ultrapassada e desacreditada e as suas ideias equivocada acerca dum protecionismo estatal e de "industrialização nacional?" […]

      É hora para que todos possam aprender com Lee Kuan Yew e Deng Xiaoping essas duas lições:
      1. O capitalismo de mercado funciona muito melhor do que protecionista e isolacionismo comunista ao estilo de industrialização nacional.
      2. Tanto Lee quanto Deng dependiam fortemente dos investimentos estrangeiros e das corporações internacionais para desenvolver as suas economias."

      Não encontrei notícias acerca do movimento que hospeda este artigo (o Correct Movement das Filipinas), mas não podemos esquecer na órbita de quem fica o arquipélago (o presidente, Benigno Aquino III, até viveu nos Estados Unidos…).

      Alguém deveria avisa-los de que se o Comunismo não funciona, não é que o Capitalismo faça maravilhas. E até quando ficarmos presos neste dualismo
      Esquerda contra Direita, de novas soluções nem a sombra…

      Obrigado pela sugestão!

      Abraçoooooooooooooooo!!!!!!

  2. Boas Max, não te vou dar os parabens pq assim o desejas 🙂
    Sim sim claro que funciona, tirando as dores aqui nas cruzes estou com ha 20 anos atras. Mas faço o mesmo que tu 😉

    Bem sei que tenho tenho andado desaparecido daqui mas o tempo tem sido curto. Hoje por coincidencia de ser dia de S. João, em Almada li este artigo de uma entrevista muito muito interessante (e longa de se ler) que aborda tanto historia como os tempos actuais e o futuro.
    Sinceramente na minha opiniao merece ser lida

    http://redecastorphoto.blogspot.pt/2015/06/china-e-russia-russia-e-china-o-que.html

    EXP001

  3. Caro Max

    Para quem está severa/mente atado ao ter, em detrimento do ser, esta minha proposta aqui será quântica/mente um total ab/surdo/mudo. O Aldo definitivamente pirou.

    Sem perder a ternura jamais. É como querer que um capricorniano e um pisciano se entendam com o requinte de como se não o fossem tão antagônicos. Daí, nesta empreitada, a necessidade da auto faxina de memórias escravistas permanentemente. Afinal, para que servem estas festas juninas?

    Uma encarnação vitoriosa está na razão direta da consciência da inadiável faxina dessas memórias escravistas que nos mantem fora da realidade do estar aqui e agora em absoluta paz. Sem o embate de egos atravancando cada vez mais as difíceis comunicações entre as partes díspares nesta arritmia constante que "o sistema matrix" nos impõem para melhor escravizar-nos.

    As pessoas estão quântica/mente sendo programadas para não aceitarem as mudanças quânticas que as libertariam. A desinformação (inconsciência) entre as partes desestabiliza a consciência do Todo onde somos imersos e partes.

    É por isso que os mais ardentes romances vão para o brejo num piscar de olhos rasos d'água.

    Caprichemos no dever de casa
    Um abraçooooooo de gratidão. Inté!

  4. Há algo mais danoso do que as mentiras. As meias-verdades, que, cada vez, habitam nosso cotidiano, afrontando uns poucos e doutrinando muitos…

Obrigado por participar na discussão!

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