Grécia: festa grande! (com update)

O novo avança? Pior: não pára, nem para almoçar. E os resultados estão à vista.

No psico-drama Grécia vs. União Europeia, Syriza, esta força de Esquerda (e radical!), ganhou tudo e mais alguma coisa, obrigando Bruxelas a dobrar-se. Para ceder? Não, provavelmente para recolher mais uns trocos caídos do bolso dos Gregos.

Mas vamos ver qual o desfecho da dura batalha e, sobretudo, vamos listar as vitórias de Atenas.

O risco, lembramos, era grande: Syriza tinha sido muito clara durante a campanha eleitoral, tinha chegado a altura de dizer “Basta” ao Euro. Não admira, portanto, a maratona diplomática para tentar ficar no Euro. Porque a coerência é tudo na vida.
Mas valeu.

Primeiro ponto: Atenas obrigou a União a retirar da Grécia a Troika (UE, BCE e FMI) para supervisionar as políticas do governo. Será substituída por uma nova instituição formada por UE, BCE e FMI que, todavia, não poderá ser chamada Troika. A mudança é evidente: Syriza poderá agora apresentar aos seus eleitores o primeiro sucesso, o desaparecimento da odiada Troika. Festa grande em Atenas, finalmente livres de receber ordens das mesmas instituições (mas com nome diferente).

Segundo ponto: Syriza abdicou da ideia de renegociar a Dívida. Muito inteligente. Numa altura em que todos estavam à espera disso, eis que Atenas muda de rumo e decide deixar tudo como antes. Um assinalável efeito-surpresa, cujo resultado é “zero”, mas muito bem jogado. Festa grande em Atenas, agora com as mesmas dívidas (e juros) de antes.

Terceiro ponto: Syriza abdicou da intenção de introduzir unilateralmente medidas para aliviar a situação dos Gregos (aumento dos ordenados, das reformas) sem a aprovação dos credores. Justo: Syriza quis mostrar ao mundo porque a Grécia é considerada como a pátria da Democracia, tem que ser a maioria a decidir, não apenas um governo, nem que seja no seu próprio País e legitimamente leito. E para que ficasse ainda mais claro: nada de retirar as medidas impostas pela velha Troika (como os despedimentos ou os contractos de trabalho colectivos). Qualquer mudança ao memorandum introduzido pela Troika deverá antes ser concordada com a UE. Festa grande em Atenas, finalmente livres de discutir com os outros as medidas que querem introduzir na casa deles.

Quarto ponto: o dinheiro que tinha sobrado no fundo salva-bancos (11.5 biliões de Euros) não será utilizado para financiar as mudanças desejada por Syriza mas voltará para o fundo salva-Estados. Mas se antes a decisão de mexer no dinheiro estava nas mãos do governo grego, agora este só pode ser utilizado com uma autorização do Banco Central Europeu, através do Mecanismo Único de Supervisão.

Mas que grande tapa na cara de Bruxelas! É como se Syriza tivesse dito: “Nós precisamos como o pão deste dinheiro para melhorar a situação dos nossos cidadãos, mas dados que vocês não querem, então eis o vosso sujo dinheiro de volta, olhem só!”. Épico. Festa grande em Atenas: pobres antes, pobres agora, mas com as carteiras cheias de dignidade!

Quinto ponto: Atenas tinha pedido 6 meses de tempo para apresentar um programa de reformas e encontrar os 6.7 biliões para pagar as dívidas com o BCE. A Europa deu 4 meses. Afinal é uma diferença de 2 meses, mas 2 meses é menos dos 4 que pretende Bruxelas portanto Syriza, que sabe como fazer as contas, ganha (mas não se sabe o que). Festa grande em Atenas: isso significa mais 4 meses durante os quais o País continuará a receber as “ajudas” dos partners europeus e a acumular juros que deverão ser pagos. E mais: sem os 6.7 biliões até Julho será default! Isso cheira a triunfo.

Sexto ponto: o memorando da troika já não pode ser chamado “Memorando da Troika”. Tem que ser chamado como “Extensão do Plano”. Pode parecer uma mera questão semântica e de facto é assim. Mas em Atenas é festa grande! O importante era acabar com o Memorando da Troika, que tanto sofrimento tinha trazido. Agora há o Plano, que é só alegrias.

Séptimo ponto: e falamos de coisas práticas, falamos de impostos e cortes. O aumento do IVA e os cortes de 2.5 biliões até o final de Fevereiro poderão ser mudados. “Poderão” porque Syriza terá a possibilidade de substituí-los por outras medidas, sempre que os credores concordem e sempre que as medidas alternativas sejam apresentadas até a próxima Segunda-feira. Neste aspecto, Syriza tem mostrado uma dura mas necessária intransigência: “Ou fazemos como vocês querem ou também sim. E que fique claro: nos tempos que vocês decidirem!”.

A esperança é que seja possível fechar o ano de 2015 com um saldo positivo em linha com quanto tinha sido estabelecido pela Troika por aquela instituição que já não é possível nomear. Em linha “mais ou menos”; no sentido que tudo dependerá das circunstâncias (e esta parece o único ponto realmente positivo….)..

Tinha que ser um partido de extrema Esquerda a pôr na ordem esta Zona NEuro. E o ministro grego das Finanças não esconde a satisfação: “Acreditamos que hoje o acordo é também do interesse de toda a União Europeia”.

Palavras sagradas. Só não é claro aquele “também”.

Update

De Zero Hegde um dos melhores comentários acerca da farsa:

É isso que queria dizer o Ministro das Finanças alemão Schäuble quando disse: “Não vai ser fácil para o governo grego explicar aos seus eleitores este acordo”. Permanecendo sob o poder total da Troika para as aprovações ou não, o governo de Tsipras deve agora negar praticamente todas as promessas feitas ao seu povo, cerca de 20 biliões de Euros que queria para gastar para eles, caso contrário a Troika vai atira-los para fora da Zona Euro. E é por isso que Schäuble estava em êxtase no final do acordo, isso é: a Alemanha deu corda suficiente ao governo grego para enforca-se.

Meus senhores, a realidade está muito clara: não há nenhum político europeu com os atributos no lugar certo para sair da Zona Euro. Todos gritam antes, mas uma vez postos perante as responsabilidades derretem-se como neve ao sol.

Tsipras obteve quatro miseráveis meses de extensão da dívida para pagar outras dívidas, para pagar outras dívidas anteriores…e tudo isso apenas para ficar com o Euro, a mesma moeda que precipitou a Grécia num inferno.

E reparem que este era Syriza, o partido “do povo”, o movimento que nada tem a ver com as multinacionais, as pessoas que pensam no interesse dos trabalhadores, os duros e puros da Esquerda…ainda alguém acreditas nestas coisas? Com base em que? O que é preciso mais para entender? O que é preciso? Não é uma pergunta retórica a minha: é um pedido, porque se ainda há alguém que acredita em certas coisas, teria todo o gosto de ser eu a entender quais as bases para esta “fé”.

Falo convosco, pessoal da Esquerda: como justificar esta estrondosa derrota, este abdicar das promessas eleitorais, esta traição do eleitorado? Qual a diferença entre um partido de Direita que aceita cobardemente as ordens da corja de Bruxelas e um partido de Esquerda que faz o mesmo? Tsipras tinha um povo atrás dele, um povo inteiro disposto a sair já do
Euro para recuperar um mínimo de liberdade, de dignidade. Preferiu os apertos de mãos do Eurogrupo.

Os tratados europeus não são simples pedaços de papel com um par de assinaturas no fundo. São bestas jurídicas, mecanismos estudados cuidadosamente por pessoas que queriam e querem impor a moeda única, custe o que custar.

É por isso que os tratados europeus não são para ser negociados: têm que ser rasgados.

Ipse dixit.

Fontes: La Repubblica (1 e 2)

9 Replies to “Grécia: festa grande! (com update)”

  1. Ora como dirra Guterres 4 meses são x dias mete-se o verão, estica e promete esticar não quer dizer que o faça, noves fora nada eleições em Espanha e depois fazem-se as contas ah e depois na Itália. E depois começa a fiesta.

    N

  2. Agora é só aguardar a vez do PODEMOS na Espanha. Juntando tudo numa só panela, esquerdas inoperantes, HSBC (e não apenas estes) , CIA, ISIS, sanções econômicas, barril de petróleo, aquecimentismo, a canalha bancária se locupletando com o erário, xenofobia, o confuso cenário geopolítico, Ucrânia, Israel, ouro, dólar, euro. Alguém pode crer que possa surgir algo ou alguém que desdenhe de uma pequena parte disso que seja? Talvez o que John Perkins narra em seu livro lance uma pequena luz sobre os fatos dos nossos dias. A marginalidade bancária abocanha gabinetes e ministérios nos mais diversos países. E seria necessário? Quem de fato governa este mundo? Os cães de guarda dos interesses desta canalhada estão a postos. E sobre a Islândia? É deste planeta? Porque a complacência com a Islândia? A cenoura que o jumento persegue? Uma concessão utópica do sistema, que possibilita os surgimentos de SYRIZA e PODEMOS? PODEMOS, mesmo depois do "yes we can"? Definitivamente, estão de gozação com nossa cara.

    Folião de Ressaca.

  3. Ok gostei da pergunta no texto: traição? veremos (ganharam tempo, a ideia é essa precisamente).
    Os tratados não são para rasgar já. O timing é tudo.
    A Alemanha e o Schauble não passa de joguetes de (quem paga a palhaçada? )
    Perguntem a este tipo uma espécie de John Perkins alemão:

    http://youtu.be/lm4OUcfiM-8

    Nuno

  4. Se alguém conseguisse destrinchar em que diabos o mundo está metido. E querermos que Syriza, ou PODEMOS, ou outra barafunda qualquer possa prejudicar a constituição do poder total sobre o planeta… Os planos vão num adiantado tremendo. Só me restou concordar com: "Toda a “conspiração” que tanto fala de Grande Israel e da conexão anglo-norte-americana-sionista, absolutamente não parece ter coisa alguma de fictícia-conspiracional".

    Esta frase é parte integrante disso aqui:

    http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2015/02/sete-paises-em-cinco-anos.html

    Texto longo, um tanto confuso em algumas passagens, mas muito elucidativo em sua maior parte.

    Folião Ainda de Ressaca.

  5. O poder, por si só, já possui uma tendência conspiratória, e sua necessidade de dominância não pode prescindir dessa condição. Portanto, aí está a única saída para o status quo civilizatório. Livrar-se das amarras dos condicionamentos impostos, entender as relações de dominância, absorver a verdadeira realidade, por mais cruel que seja, e fazer a única revolução possível. Dentro de si mesmo. Apesar de serem extremamente trabalhosas, exigindo renúncias e despojamento, essas consequências serão naturalmente sentidas…

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