A crise do BES: entre parentes, e mordomos

Diz Pai Natal (o Leitor, não o outro!):

PS: Max podes elaborar um artigo sobre o que se está a passar com o BES?

Não.
Explico (deve ser a primeira vez que o blog não atende o pedido dum Leitor!).

Há alguns tempos escolhi não tratar da política portuguesa. A razão é simples: não faz sentido falar da política local quando os governantes não passam de figurantes que não têm a menor importância no que se refere aos destinos do País. E é esta a condição de Portugal hoje: as escolhas são tomadas em outros lugares, não aqui.

O que tem a ver o País com as desgraças do Banco Espírito Santo? Tudo.
Aquela que é vendida como a crise dum banco ou dum grupo económico (o maior por estas bandas, inclusive) é a história de como o poder político e aquele económico sempre foram misturados num abraço mortal, um emaranhado feito de trocas de favores, de conhecimentos, de silêncios.

A relação do BES com o poder político é antiga: o grupo esteve presente, através de governantes que transitaram dos seus quadros para o governo (e vice-versa) pode ser encontrada em 16 dos 19 governos Constitucionais. O último governo português sem alguma ligação ao BES foi aquele de Maria de Lourdes Pintasilgo, entre 1979 e 1980.

Murteira Nabo, António Mexia, Maria de Belém Roseira, Maria João Bustorff, Manuel Pinho, João Moreira Rato, Miguel Horta e Costa, Rui Machete, Emílio Vilar, Almerindo Marques…no total foram 25 entre ministros e subsecretários aqueles que entraram no BES, independentemente da cor política (a cor política serve só para entreter o povo, o capital não está interessado nestas miudices). Por isso, o BES sempre teve o apoio de todos os governos: o de Mário Soares, de Cavaco Silva, de José Sócrates…

Uma garantia!

Curioso: a maioria dos comentários que é possível encontrar nestes dias ignoram o mórbido
relacionamento entre política e economia. Falam como se estivéssemos diante dum grupo que emergiu ao longo das décadas apenas com as suas próprias forças. Mas assim não é: o BES deve muito ao País, muito mais daquilo que alguma vez poderia dar.

E agora temos entre as mãos o que pode ser o maior escândalo financeiro alguma vez vivido em Portugal. Uma boa ocasião para fazer limpeza, implementar um mínimo de transparência, abrir os armários para mostrar o esqueletos, falar finalmente das guerras que alastravam no grupo há anos, dos offshores, do branqueamento de capitais, do relacionamento com os suíços do USB?

Não espero isso.
O Administrador Ricardo Salgado (Economista do Ano segundo a Associação Portuguesa de Economistas em 1992, Personalidade do Ano pela Câmara Portuguesa de Comércio do Brasil em 2001, Cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito e da Ordem Nacional da Legião de Honra de França, Grande-Oficial da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul do Brasil, doutoramento Honoris Causa pela Universidade Técnica de Lisboa nas áreas da Economia, Cultura e Ciência) funcionará provavelmente como bode expiatório, isso é, a pessoa sobra a qual irão concentrar-se os holofotes.

Com certeza ficarão de fora as ingerências da política no grupo e do grupo na política (inclusive a recente, coma aquela do período da Troika). Muito mais interessante seria pode descobrir quais as manobras ocultas no âmbito da reciclagem de dinheiro, quais as ramificações internacionais da organização, com as instituições envolvidas além do BES e do USB.

Neste sentido, o blog vai ficar atento e dedicará espaço ao assunto se houver novidades.
Mas gastar tempo com as aventuras destes pseudo-capitalistas do bairro e dos seus amiguinhos políticos, meros mordomos do verdadeiro poder (que não anda por aqui), não, obrigado: falta-me a coragem.

No entanto, eis alguns links para quem, num excesso de masoquismo, deseje ter uma visão parcial e não esclarecedora sobre as actuais (e nalguns casos passadas também) desgraças do BES:

A história do maior conflito na cúpula do capitalismo português do pós-25 de Abril Bom artigo do diário Público em chave retrospectiva. Aconselhado.

A crise do BES no seu contexto Do economista Avelino de Jesus, explica como a crise do BES aparenta ser a primeira manifestação da fase mais virulenta e tardia da versão portuguesa do ciclo financeiro.

Crisis del Espirito Santo es sólo la punta del iceberg Artigo espanhol que trata a crise do BES.

Também em realce o filme Donos de Portugal (que dá para entender a peculiaridade do sistema económico português) e a entrevista com Jorge Costa, o realizador.

Bom, afinal algo escrevi…

Ipse dixit.

4 Replies to “A crise do BES: entre parentes, e mordomos”

  1. Foram Mestres Anti-Austeridade [com o silêncio cúmplice de (muitos outros) elite/mestres em economia] que enfiaram ao contribuinte autoestradas 'olha lá vem um', estádios de futebol vazios, nacionalização do BPN, etc, etc, etc…
    —» Bom, como é óbvio, quem paga (vulgo contribuinte) não pode continuar a ser 'comido a torto e direito'… leia-se: quem paga (vulgo contribuinte) deve possuir o Direito de defender-se!!!
    .
    -» Votar em políticos não é (não pode ser) passar um cheque em branco… isto é, ou seja, os políticos e os lobbys pró-despesa/endividamento poderão discutir à vontade a utilização de dinheiros públicos… só que depois… a 'coisa' terá que passar pelo crivo de quem paga (vulgo contribuinte).
    —> Leia-se: deve existir o DIREITO AO VETO de quem paga!!!
    [blog 'fim-da-cidadania-infantil'].

  2. Boa tarde Max,

    Mais uma vez o velho ditado português: "zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades" se provou verdadeiro…e só assim com a roupa suja lavada em público se foi descobrindo os "problemas do GES", senão nada saberíamos…

    Um abraço

    Zarco

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