As aventuras de Steve Pieczenik: o terrorismo, um musical e Harrison Ford

Um pouco de História e de actualidade: tudo junto.
Isso ajuda a perceber como funcionam as coisas.

O ex-funcionário do Departamento de Estado Steve Pieczenik revelou ter sido acusado pela Administração Obama de cumplicidade no assassinato do ex-Primeiro Ministro italiano Aldo Moro, pois Pieczenik, na altura, tinha recusado negociar com os terroristas das Brigadas Vermelhas.

Steve Quem?

Antes de mais: quem raio é Steve Pieczenik?

É uma daquelas figuras que poucos conhecem mas que tanto fazem. A vida dele dava para escrever um livro: que nunca seria publicado e ainda menos escrito, pois Pieczenik seria eliminado logo que tentasse arranjar uma caneta.

Steve Pieczenik bem conhece os altos níveis do poder global, costumava mexer-se no meio deles com extrema desenvoltura. Um homem com uma carreira surpreendente,
que ao mesmo tempo frequentou a Universidade de Harvard e o
Massachusetts Institute of Technolgy, juntando as qualificações
de médico psiquiatra e especialista em relações internacionais; é considerado
um dos maiores especialistas no mundo de psy- ops (operações de guerra
psicológica).

Obviamente é membro do Council on Foreign
Relations
.

Foi vice-subsecretário com ministros como
Henry Kissinger, Cyrus Vance e James Baker nos mais delicados anos da
Guerra Fria, quando, ainda jovem, viajava para o mundo todo. O que fazia? Resolvia problemas. À sua maneira, claro.

Em 1976 resolvia o problema dos reféns no voo TWA 355; no ano seguinte era a vez do sequestro do filho do Presidente de Chipre e do caso Hanafi Siege, em Washington. Em 1978 tratava do caso Moro; pouco depois encontrava-se no Irão, para resolver a questão dos reféns americanos. Ajudava Saddam Hussein quando este era aliado de Washington: tramava contra Saddam Hussein quando os EUA já não quiseram saber dele. E foi sempre ele que falou com Manuel Noriega quando tinha chegado a altura de mudar de ar.

Normalmente, as coisas corriam bem: os bons sobreviviam e os maus morriam. Mas no caso Moro algo correu mal.

Foi acusado por ser consistente em seguir a nossa política de firmeza, em recusar a cooperação com os terroristas das Brigadas Vermelhas. 35 anos depois, o Departamento de Estado e o Departamento de Justiça, sob as ordens de Obama, há apenas uma semana, chamaram-me para comparecer perante o Tribunal, após ordem de juiz italiano, com a implícita ameaça de ser acusado caso não revele o que fiz para salvar a Itália, recusando a negociação com os terroristas.

Coitado do Steven. E pensar que “salvou a Italia”: não admira que estas declarações foram feitas no show de Alex Jones. Porque as coisas são ligeiramente diferentes, como veremos depois. Terrivelmente complicadas e diferentes.

Mas sobra uma dúvida: como é possível que a Administração Obama acuse um seu ex-funcionário por não ter colaborado com os terroristas? Não são os Estados Unidos que adoptaram a táctica “disparas antes, perguntas depois” desde os atentados de 9/11?

A resposta é complexa e para entende-la seria necessário perceber quais os relacionamentos entre Estados Unidos e Italia nos últimos anos: a aquisição da Chrysler por parte da Fiat (com o selo de Obama), as tarefas domesticas bem desenvolvidas pelo actual Primeiro Ministro Matteo “Fantoche” Renzi e pelos anteriores Monti e Letta. Há tudo um do ut des, um dar e receber, que fica para explicar. Mas não vamos por aí, continuemos com a nossa história.

Então, o nosso Steve Pieczenik era um duro, não era? Pois.
Tão duro que disse ser necessário o “sacrifício” de Aldo Moro para dar “estabilidade” à Itália, a fim de evitar que o País caísse nas mãos dos Comunistas. Minha Nossa Senhora da Ilha do Pico e Arredores: os Comunistas!

O caso Moro

Calma: curtíssimo resumo do caso Moro, tanto para não aborrecer ninguém.

Versão oficial

Aldo Moro (Democrazia Cristiana, partido de Centro) tinha sido eleito Primeiro Ministro em 1976. No dia 16 de Março de 1978, foi sequestrado por um commando das Brigadas Vermelhas (que já do nome percebe-se serem más: “Vermelhas”? Vermelho igual….Comunistas!) e foi assassinato após 55 dias de cativeiro pelos raptores sem coração.

Versão séria

Aldo Moro (Democrazia Cristiana, partido de Centro) tinha sido eleito Primeiro Ministro em 1976 e apoiava a ideia dum governo de coligação que pudesse incluir o Partido Comunista Italiano (uma escolha que, como Henry Kissinger disse à esposa do mesmo Moro – porque esta é toda gente delicada – “pagou caro”). Tudo isso não é uma “teoria conspirativa”: nas semanas anteriores os diários não falavam de outra coisa (afinal teria sido a primeira vez do PCI ao governo).

Na manhã do dia 16 de Março Moro ia com a sua escolta para o Parlamento, onde por volta das 10 horas teria apresentado a proposta aos Comunistas, mas um commando das Brigadas Vermelhas matou os cinco homens da escolta e raptou o Primeiro Ministro.

As BR pediam o quê? A libertação de alguns brigatistas detidos em troca do político. Algo que poderia ter sido feito em tempos breves. Mas Moro não era estúpido (pelo contrário) e, à medida que o tempo passava, começou a perceber qual o seu destino. E então mudou de rumo: em vez dos apelos desesperados dos primeiros dias, Moro pediu papel e caneta para escrever a verdade. A verdade acerca de muitas coisas que se passavam na política, não apenas italiana, mas em todo o Ocidente da Guerra Fria.

Os “Diários de Moro”, como foram definidos, eram feitos encontrar pelas BR, mas não todos. Alguns, os mais delicados, nunca viram a luz. Porque? Simples: porque no interior das BR já operavam infiltrados da CIA (infelizmente, hipótese que nunca foi possível demonstrar: há só “indícios”, importantes, mas que não são provas).

Do outro lado, com grande azar de Moro, havia um alegado amigo dele como Ministro do Interior: Francesco Cossiga. Já ouviram falar de Gládio? Muito bem, estamos esclarecidos. Era Cossiga que falava com Pieczenik; foram eles que tomaram a decisão de não tratar com as BR.

Raciocinando…

Agora, vamos tentar raciocinar: em plena Guerra Fria, o Primeiro Ministro italiano tenta uma aliança com os Comunistas. Aparecem as BR que, na manhã do acordo, raptam o Primeiro Ministro e impedem a entrada dos Comunistas no governo.

Ehi, olhem só: não era este também o desejo dos Estados Unidos? Quando se diz “o acaso”…

Steven Pieczenik, enviado directamente de Washington, aconselha o Ministro do Interior italiano (homem de Gládio) a não tratar e sacrificar assim Moro. Quando Moro percebe de ter sido abandonado, vira-se contra os seus colegas de partido e começa a falar.

Altura perfeita para liberta-lo: Moro é ainda o Primeiro Ministro, agora vê o que é realmente a Democrazia Cristiana, as BR conseguiram abrir os olhos do político. Poderiam deixa-lo ir, atirar para o caos a política do País e até mostrar que as BR “tem um coração” (pormenor mais importante do que poderia parecer este: é naquela altura que começa o afastamento da “classe trabalhadora” italiana da luta das Brigadas Vermelhas, muito por causa da violência utilizada).

Mas não: espertos como umas pulgas do Madagascar, decidem matar o homem, sem ter obtido rigorosamente nada em troca. Tá bom, afinal eram Comunistas: mas mesmo ninguém com algo semelhante a um cérebro naquele grupo?

Parece mesmo estúpido, não é? A não ser que, como afirmado, BR e CIA não estivessem tão longes.
Steven Pieczenik entrevistado pelo jornalista francês Emmanuel Amara:

Francesco Cossiga aprovou quase todas as minhas escolhas [porque, alguém tinha dúvida? ndt]. Foi então que disse à Cossiga que
era hora de colocar as BR de costas para a parede. Abandonar Moro e deixá-lo
morrer com as suas revelações. Fui eu que prepararei a manipulação
estratégica que levou à morte de Aldo Moro, a fim de estabilizar a
situação italiana.

Uhi, até deveria ficar comovido perante este santo homem que salvou a Italia. Mas não fico: porque este indivíduo que faz o duro com a pele dos outros mente desenvergonhadamente.

Na verdade, como afirma o juiz Ferdinando Imposimato (a propósito: este sim um homem à maneira, um dos poucos em circulação não apenas em Italia):

Não houve nenhuma firmeza, houve uma vergonhosa cena: o falso comunicado número 7 das Brigadas Vermelhas [comunicado que descrevia como já acontecido o assassinato de Moro quando na verdade este ainda encontrava-se preso, ndt], que concorreu a acelerar o assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. O plano foi implementado pelos homens da P2 e dos serviços secretos militares.

E Pieczenik sabe disso: foi ele que explicou o episódio aos jornalistas (Luigi Cavallo).

Steve e os piões

Portanto, temos Steve Pieczenik, um dos homens que sempre operaram nos bastidores em questões extremamente delicadas, que agora aparece no show de Alex Jones como vítima e para apresentar a sua versão.

No entanto, dadas as habilidades e a opacidade com que Pieczenik sempre operou, e com as quais manipulou os órgãos de informação, é lícito perguntar o que realmente deseja fazer, quais piões quer mover, se há uma dança de chantagens também relacionada com a gestão dos casos mais recentes.

Porque Pieczenik não está reformado: os indivíduos como ele nunca entram na reforma.
Porque Pieczenik bem conhece o simpático Obama também, com o qual já trabalhou (no caso Bin Laden, por exemplo).
E porque Pieczenik pode ser falso (e é falso) mas não estúpido.

Pieczenik é uma voz do interior, ligada à vertente mais realista do establishment da América do Norte. Principalmente conhece, e faz questão de lembrar isso, as estratégias que têm explorado o terrorismo internacional.

Esqueçam a Italia e o caso Moro: foi apenas um dos muitos episódios.
Este cubano-hebreu-polaco que cresceu na França e nos Estados Unidos, que com oito anos de idade já tinha escrito um musical, encontrando também o tempo para publicar um ensaios sobre “A disfunção mitocondrial e as vias moleculares das doenças”, receber por duas vezes o conceituado prémio Harry C. Solomon Award da faculdade de Medicina, publicar um par de best-sellers (10 na verdade, mais dois filmes) e inspirar o papel de Jack Ryan ao actor Harrison Ford (no filme Patriot Games de Tom Clancy, “Jogos de Poder” em Portugal, “Jogos patrióticos” no Brasil), chafurda na lama que corre longe dos holofotes e promete agitar o cinzento teatro de Washington.

Ou isso ou suicidar-se, possivelmente com uma faca nas costas.

Ipse dixit.

Fontes: InfoWars, The Telegraph, Lettera 43, Wikipedia (versão inglesa), Megachip

One Reply to “As aventuras de Steve Pieczenik: o terrorismo, um musical e Harrison Ford”

  1. Vi o programa do Alex Jones a que este artigo se refere e de facto o palhaço do Pieczenik "esqueçeu-se" de mencionar que a Brigada Vermelha tinha sido infiltrada por membros da CIA, e que foram eles mesmos a sugerir o rapto do ministro italiano.
    O objectivo era mostrar como o comunismo era mau e por isso arranjaram maneira de fazer com que um grupo comunista raptasse e matasse o primeiro ministro, o que nao faz sentido nenhum visto que esse mesmo ministro estava a tentar fazer uma coligação com os comunistas. Portanto o mais logico é que tenham sido os agentes da CIA infiltrados a sugerir que se fizesse tal coisa.
    Pieczenik foi enviado para garantir que a Brigada Vermelha nunca o soltaria, recusando toda e qualquer e exigencia, fazendo com que eles ficassem cada vez mais nervosos com o passar dos dias. Ao ser anunciado que eles o tinham morto quando ele ainda estava vivo, os infiltrados da CIA trataram de convencer os terroristas de que o ministro tinha que morrer, dando a razao de que ele lhes tinha visto a cara, ou que poderia reconhecer as vozes caso fossem apanhados mais tarde.

    Podia ter sido honesto. Não vejo onde está o problema. Naquela altura a Uniao Sovietica tinha de facto condiçoes miseraveis, e era normal alguem como ele pensar que estava a salvar o povo italiano dessa mesma miseria.

    Em relação ao que lhe esta a acontecer, de facto, so o podem estar a querer lixar.

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