A Revolução: para uma mudança da nossa sociedade – Parte III

Então, até agora vimos como não deveria ser a Revolução.

Sobra a parte mais difícil: o que deveria ser? Quais são as soluções? O que podemos fazer para mudar a sociedade? Se o desejo for mudar, temos que ser capazes de responder a tudo isso (e a mais alguma coisa, diga-se).

Começamos como deveria ser a Revolução? Isso é: mudar em favor de quê?

Falemos das ideias de Serge Latouche e do seu Decrescimento Feliz.

O Decrescimento

Latouche é um economista, filósofo e professor universitário francês. Adversário do consumismo e da racionalidade instrumental, contrário à ocidentalização do planeta, Latouche é um dos mais conhecidos partidários do decrescimento sustentável.

Muito falou-se acerca deste Decrescimento, também neste blog, e lembro que na altura apareceram entre os outros comentaristas que, em nome do Decrescimento, convidavam a ir trabalhar nos campos. Este não é Decrescimento, é um regresso à Idade Média.

Vou utilizar Wikipedia para uma síntese:

Segundo os seus críticos, as principais consequências do produtivismo – entendido como a ênfase dada aos aumentos de produtividade e ao crescimento, nas sociedades industriais, tanto socialistas como capitalistas – seriam:

  • Esgotamento dos recursos energéticos – (petróleo, gás, urânio, carvão) – no próximo século, caso se mantenha o atual ritmo de crescimento do consumo.
  • Valor decrescente de numerosas matérias-primas.
  • Degradação ambiental: efeito estufa, aquecimento global, perda da biodiversidade e poluição.
  • Degradação da flora, da fauna e da saúde humana.
  • Evolução do padrão de vida dos países do hemisfério norte em detrimento dos países do sul, no que diz respeito a transportes, saneamento, alimentação, etc.

Acerca dalguns pontos talvez seria preciso discutir: o petróleo não acaba amanhã (e provavelmente nem no próximo século), ainda menos o gás e o aquecimento global é duvidoso. Mas o resto não precisa de comentários: são coisas que conhecemos muito bem.

O que acho importante realçar nesta fase é que nem o Capitalismo nem o Comunismo (Socialismo incluído) conseguem resolver os problemas listados acima. Portanto, insistir com modelos que tenham como base tais ideologias levará sempre a uma condição no mínimo parecida com aquela actual.
Em frente. 

Embora o produtivismo tenha sido parcialmente questionado pelos defensores do desenvolvimento sustentável, a crítica dos adversários do crescimento é mais radical já que consideram o próprio desenvolvimento sustentável como um oximoro – uma contradição em termos. O desenvolvimento não pode ser sustentável, uma vez que o aumento constante da produção de bens e serviços também provoca aumento do consumo de recursos naturais, acelerando portanto o seu esgotamento – lembrando que 20% da população mundial já consomem 85% dos recursos naturais.

Aqui encontramos um ponto de forte fricção entre quem escreve e os adeptos do Decrescimento. A ideia de impor um limite ao desenvolvimento é para mim uma absurdo, seja do ponto de vista histórico, seja do ponto de vista antropológico.

Decrescimento vs. Progresso

Não é possível travar o desenvolvimento: a única coisa que diferencia um animal do Homem é o diferente uso da inteligência (quando presente). E este conjunto de capacidades trabalhará sempre e constantemente para a melhoria das nossas condições de vida. Uma coisa é parar o crescimento económico, ponto acerca do qual podemos (e vamos) falar, outra, e impossível, é parar o desenvolvimento da nossa espécie.

O desenvolvimento não é “não sustentável”: é tal só se feito nos actuais moldes. Ligar indissoluvelmente o desenvolvimento ao aumento dos consumos é uma coisa sem sentido. Pode bem haver um desenvolvimento que não incida negativamente nos consumos, como pode haver um desenvolvimento que contribua para a diminuição deste.

Atenção:o termo utilizado (desenvolvimento) não é um erro da versão portuguesa de Wikipedia. Os “decrecionistas” lembram o “Paradoxo de Jevons”, que demonstraria como o progresso não diminui mas aumenta o consumo dum recurso.

O Paradoxo de Jevons

William Stanley Jevons observou no seu livro The Coal Question (1865) que o consumo de carvão tinha crescido após James Watt ter começado a vender o motor a vapor (alimentado com carvão), motor que tinha uma eficiência melhor daquele de Thomas Newcomen. Com as inovações de Watt, o carvão tornou-se um recurso mais rentável e a procura aumentou.

Em primeiro lugar é preciso observar que Watt não encontrou um recurso alternativo ao carvão, como por
exemplo o petróleo: isso teria feito precipitar o consumo de carvão num
prazo extremamente reduzido.

Depois Watt não inventou o motor a vapor, mas aperfeiçoou aquele de Newcomen. Na prática, Watt não encontrou uma alternativa ao carvão, mas uma maneira de tornar o carvão mais rentável. E mesmo aqui está o ponto: numa sociedade como a nossa, onde a rentabilidade é tudo, o aumento do consumo do carvão era a lógica reposta do mercado, cujo desejo é maximizar os lucros. Mas o que aconteceria numa sociedade onde o lucro já não é o ídolo?

A ideia de que a introdução de uma nova tecnologia é muitas vezes acompanhada por um aumento na capacidade de produção e no consumo do produto, está intimamente ligada ao nosso modelo económico. A estratégia da obsolescência programada (outro assunto caro aos Decrecionistas) faz sentido apenas e unicamente numa sociedade onde as empresas existem exclusivamente para obter o lucro e nada mais, ignorando qualquer outro assunto.

Os defensores do Decrescimento argumentam que as tecnologias eficientes não devem ser destinadas a aumentar a produção de bens, mas devem responder às necessidades reais do Homem, ser simples e de baixo custo. Concordo com a ideia de não ter como objectivo o aumento da produção: mas porque deveriam ser simples? E porque deveriam ser de baixo custo? Se o custo for elevado mas proporcionar uma melhoria na qualidade de vida do Homem, bem venha a tecnologia complexa a cara.

A máquina para uma TAC, a tomografia axial computorizada, não é nem simples nem barata: mas salva vidas e para mim isso é mais do que suficiente.

Quais são as necessidades reais do Homem? Comunicar é uma necessidade? Ou um simples acessório? Ter acesso às notícia, saber o que se passa no Mundo fora, poder ter uma cultura de baixo custo como aquela disponibilizada online, encontrar na internet ideias, soluções, debates, partilhar experiências, tudo isso não é uma necessidade? Claro, não é uma necessidade básica. Mas se o objectivo for este, então precisamos apenas duma caverna, oxigénio, água e algumas árvores de fruta: tudo o resto é um acessório.

Música, Pintura, Literatura, Arqueologia, Arquitectura, Astronomia, Informática: são necessidades? Não são. A Astronomia, por exemplo, tal como a pesquisa científica no geral (a Medicina), tem custos enormes: tudo para o lixo? Mas esta é a vida da bactéria: procura-se comida, procria-se, depois espera-se para morrer.

Vamos esquecer por enquanto o problema do progresso para analisar quais os outros pontos negativos do Decrescimentos (tranquilos, depois há os pontos positivos também!).

Os Comunistas!

Marquem o dia no calendário: desta vez estou plenamente de acordo com quanto afirmam os
marxistas.

O que dizem eles? Os
marxistas distinguem entre dois tipos de crescimento: o que é útil
para os Homens e aquele que existe apenas para aumentar os lucros das
empresas. Eles acreditam que sejam a Natureza e o controle da produção a serem decisivos, não a quantidade. O que depois choca com a realidade, pois, no geral, as sociedades (pseudo) comunistas perseguem sempre o lucro: só que aqui pensamos em linha teórica.

Esses
factores, o controle da economia e uma estratégia para o crescimento,
são os pilares que permitem o desenvolvimento social e económico. O
erro da teoria do Decrescimento fica, portanto, na base dela, não
reconhecendo que o motor do Capitalismo não é a produção de bens em si,
mas o facto de que essa produção, e a consequente poluição estão ambas sujeitas à produção e à apropriação privada do lucro.

De acordo com os marxistas, daqui derivam duas conclusões erradas: por um lado, a crise ecológica é descrita como um consumo excessivo que toda a humanidade deve enfrentar.
Mas esta leitura ignora as implicações de classe (imaginem se um marxista não consegue enfiar “a classe” num discurso qualquer…): por exemplo, o facto dos custos sociais da crise ecológica serem descarregados principalmente
nos grupos sociais mais baixos, em Bangladesh ou em New Orleans mas não onde vivem as classes superiores.

Por outro lado, considerando o aumento da produtividade no trabalho
como uma coisa negativa, a teoria do Decrescimento não
reconhece que foi através deste aumento que, historicamente, foi possível reduzir o tempo necessário para a produção de bens (e não apenas desnecessário, mas também os necessários), criando não só a
possibilidade de alargamento e satisfação das necessidades humanas como também as condições para a redução do tempo de trabalho.

Os
marxistas, portanto, realçam como o problema não seja quanto é produzido, mas como e para o interesse de quem é produzido. A
partir desta definição, os marxistas afirmam que a solução não é negar o
crescimento das forças produtivas, mas é em trazer o crescimento sob o controle de quem produz
de acordo com um plano racional, que regule a produção baseada na necessidade total e não com base nas necessidades do lucro.

Que dizer? No geral as críticas parecem válidas, apesar de algumas ressalvas. A defesa do crescimento, por exemplo, não me parece tão convincente: uma sociedade baseada no mito do eterno crescimento acabará com o esgotar os recursos do planeta cedo ou tarde. E trazer a produção sob o exclusivo controle da “classe trabalhadora” parece-me…”comunista”!

Todavia o ponto central está certo, com o individuar no lucro o problema principal. Sem lucro não há necessidade de produzir cada vez mais; sem lucro não há necessidade de atirar o lixo para o quintal dos mais pobres; a mesma “classe trabalhadora” perde a sua razão de ser, porque já não é explorada pelo “patrão “(sic!) mas entra a fazer parte dum sistema produtivo que toma em conta outras necessidades, já não o lucro para poucos.

O Decrescimento parece não considerar suficientemente a importância do lucro na nossa sociedade, errando o alvo: não é parando o crescimento que podemos resolver os problemas, mas eliminando a obsessão do lucro. Uma vez eliminado este, de forma natural aparecerá um crescimento em sintonia com as necessidades do Homem (e não apenas as necessidades básicas, as da bactéria!); podemos falar dum crescimento “controlado”, onde não há necessidade de explorar ao máximo os recursos naturais pela simples razão que isso não traria vantagens para ninguém.

Da mesma forma, a “pegada ecológica” resulta favorecida: uma empresa que não tem como objectivo o lucro, não terá problema em adoptar todas as medidas necessárias para diminuir o seu impacto ambiental.

Terceiro Mundo: crescer sem crescer

Há depois um último factor que deve ser considerado: temos a certeza de que todo o planeta tem que decrescer? Um habitante da Etiópia, por exemplo: tem que passar de dois para um mini-prato de arroz por semana? Obviamente não e este é um problema: há muitos Países nos quais o Decrescimento não pode ser nem sequer proposto, ainda menos actuado.

São este os Países do Terceiro Mundo, onde muitas vezes o problema não é a “pegada ecológica” mas “sobreviver”. Inteiras regiões subdesenvolvidas que bem precisariam de crescimento para aumentar o nível de vida até o mínimo da decência.

Como resolve o Decrescimento este problema? Aqui vê-se o lado mais fraco duma teoria com boas intenções (isso está fora de discussão) mas elaborada por pessoas que têm a barriga bem cheia.
A proposta é que estes Países alcancem uma melhor qualidade de vida não com o crescimento mas com soluções como a revitalização das economias locais de auto-subsistência, portanto sem nenhum tipo de exportação.

Além de ninguém poder dizer onde fica o ponto de equilíbrio (quando é que aqueles desgraçados deveriam parar de “crescer” sem crescimento? Em que patamar a sociedade ocidental deveria parar de castrar-se, desculpem, de decrescer?), há também um problema de recursos: em muitos Países da África ou da Ásia, o problema não é deixar de produzir para exportar: é mesmo produzir algo, nem que seja algo para comer!

Em qualquer caso, não deixa de ser um pouco caricato: após séculos de exploração, agora no Ocidente surge uma nova teoria que diz para os Países do Terceiro Mundo: “Desenrasquem-se”.
Interessante. 

Então, está tudo mal nesta teoria do Decrescimento? Não, há pontos positivos e aqui entramos no campo do “o que realmente podemos fazer” e desde já. Será a parte mais interessante deste artigo.
Mas fica para a quarta parte.

Ipse dixit.

4 Replies to “A Revolução: para uma mudança da nossa sociedade – Parte III”

  1. Uma nota. O crescimento, tal como definido pelos economistas – evolução do PIB -, pode, mas não tem de ser, infinito. O PIB não mede a quantidade de coisas, mas o seu valor. Estima-se que a economia mais pesada na história (como, não sei) tenha sido em 1913. Se a simples reorganização de inputs satisfizer melhor as necessidades das pessoas, então houve crescimento. Basta compararem, por exemplo, um comediante bom com um fraco. Gastam mais ou menos os mesmos recursos mas um proporciona muito mais valor que outro. Se o fraco se tornasse bom de um dia para o outro, o PIB cresceria por causa dele.

    Em suma, é possível crescer sem aumentar a quantidade de inputs, apenas reorganizando-os. Por esta razão, o crescimento infinito é possível.

    Ainda assim, o modelo mais básico de crescimento económico, aquele que se aprende no primeiro ano da faculdade, prevê que o crescimento das economias tende para 0 na ausência de evolução tecnológica.

  2. Dai que inventaram a cirurgia que reduz o estomago, para a pessoa obesa emagrecer; é a medicina que trata os sintomas e nunca as causas. Eu falo que deveriam operar o cérebro pois foi por causa dele que a pessoa engordou. Do mesmo modo acho impossivel um me
    undo criado com base competiçao reduzir-se ou decrecer qualquer coisa.
    Na guerra não pode haver vida, a vida só existe na doce união do amor ; assim ensina a filosofia que eu estudo. Acho que será preciso mudar a consciência das pessoas e desenvolver dirigentes formados para o fim que se necessita.

  3. Realmente, evoluímos tecnologicamente, mas o homem continua o mesmo (eu acho que pior) bárbaro de sempre.

    Se há algo que nos caracteriza, é que todos nos julgamos boas pessoas, e que só os outros são perversos e devem mudar.

    O mundo é injusto… È verdade.
    Mas será que criaturas como nós merecem melhor?

    "Todos querem mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar-se a si próprio." Leo Tolstoi

    A revolução mais urgente é a revolução dentro do próprio homem.

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