Gente violenta

O nosso é um bom sistema.
Sobretudo pacífico.
Para percebe-lo podemos olhar para o seguinte mapa:

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Sim, há algumas guerras, é verdade, mas ficam em casa dos outros. Na América do Norte e na Europa tudo tranquilo. É isso que conta.

Muitas delas são guerras provocadas por nós, de forma directa ou indirecta. Pensem na situação do Iraque, por exemplo, ou do Afeganistão. Pensem nos cartéis da droga do México ou da Colômbia. Pensem no petróleo da Líbia, da Arábia, do Oman, da Nigéria, do Sudão. Pensem na situação da Palestina. Da Síria. Pensem no gás do Irão.

Mas digamos a verdade: importa? Depois há sempre a possibilidade de fazer umas ofertas para os refugiados, e a nossa consciência fica calma. E também compramos os discos dos U2, pois Bono pensa sempre nos mais desfavorecidos. Parece-me suficiente.

Sem dúvida, é um bom sistema. Um sistema quase perfeito. “Quase” porque as guerras não diminuem. Aliás, aumentam. Já no ano passado tínhamos observados os gráficos do Instituto Heidelberg, que investiga os conflitos internacionais. E a diferença entre 2012 e 2013 é que no ano passado houve vinte guerras, dois mais do que em 2012. E mais conflitos armados também.
Uma chatice.

Para os mais curiosos: além das guerras “crónicas” no Afeganistão, no Iraque, na Síria e no Paquistão, em 2013 houve também as guerras do Mali e da República
Centro-Africana. Segundo os especialistas do instituto alemão, também os
confrontos entre as forças do novo governo egípcio e a Irmandade
Muçulmana atingiram, em alguns casos, as características duma guerra.

Mas sabemos como é: árabes, gente violenta, não como nós. Talvez evitar
de impor-lhe um governo filo-ocidental poderia ter evitado algumas
dezenas de mortos, mas enfim, sempre brutos são, não é?

O relatório contou no ano passado 414 conflitos em todo o mundo, mais nove do que no ano anterior. Destes, 45 foram considerados como sendo muito violentos. Vinte foram classificados como guerras, enquanto os restantes vinte e cinco são consideradas guerras limitadas.

Em 2013, o conflito com o maior número de vítimas foi travado na Síria, mas muitas vítimas também foram registadas em outros Países. Como no Iraque, que tem contado mil mortes só no mês de Agosto. Um grande número, sem dúvida, passado em silêncio: e ainda bem, não queremos ficar perturbado com estas coisas. Afinal demos-lhe a liberdade e a democracia, o que poderiam pedir mais? Árabes, como afirmado.

Metade das situações violentas classificadas como guerras ocorreram na região subsariana do continente Africano: só no Sudão e no Sudão do Sul foram registadas cinco situações de conflito que atingiram o mais alto nível de preocupação, enquanto guerras reais foram travadas no Mali, na República Centro Africana, na Somália, na Nigéria e na República Democrática do Congo.
Não são apenas árabes? Então: africanos, gente violenta, não como nós.

As outras guerras foram travadas no Oriente Médio (Egipto, Síria, Iemen, Iraque e Afeganistão) e na Ásia: além do Paquistão, também as Filipinas, com confrontos entre forças do governo e grupos separatistas. Asiáticos, gente violenta.

Quanto ao continente americano, o único País na lista das situações mais graves é o México.
O relatório centra-se nos confrontos extremamente violentos entre os cartéis de drogas e as forças de segurança que lutam contra o tráfico de drogas.

No ano passado, o México teve que contar mais de dez mil assassinatos e o surgimento dos grupos armados de “auto- defesa”, que em algumas regiões lutam tanto contra os cartéis de drogas quanto contra o Estado.
Mexicanos, gente violenta.

As situações de conflito continuam a alimentar uma indústria próspera, um dos poucos sectores que não é afectado pela crise económica global: o comércio de armas. Em 2012 foram investidos 1.750.000 milhões de Dólares em gastos militares. Desse montante, 8% é dedicado ao fornecimento de armas para as guerras no Oriente Médio. Nossas armas.

Eis a diferença: nós não somos violentos, nós apenas produzimos e vendemos as armas com as quais os outros podem matar-se. É simplesmente são comércio. Podemos ser culpados por causa dum são comércio?

Ipse dixit.

Fonte: Heidelberg Institute for International Conflict Research – Conflict Barometer 2013 (ficheiro Pdf, inglês)

3 Replies to “Gente violenta”

  1. Embora eu não saiba os critérios utilizados para a classificação, ao comparar com os outros países, eu mudaria a do Brasil para o patamar de crise violenta. O que não deixa de ser desconfortável.

  2. Olha Max: eu penso que guerra é um exercício permanente da civilização humana, que quanto mais o tempo passa, mais se intensifica. Que me dizes da guerra no trânsito no Brasil que mata 500 mil ao ano? Da guerra pelo controle do narcotráfico na América do Sul, que sei lá quantas vítimas diretas e indiretas produz, mas que se conta aos milhares? Da guerra penal nos cárceres norte americanos (maior população carcerárea do mundo, a do Brasil não fica muito atrás, é a quarta)que estirpa da vida comum pobres, negros, homosexuais, e minorias raciais e religiosas outras? Que me dizes da guerra por órgãos humanos que mata indiscriminadamente, fazendo desaparecer gente por todo lado? Que me dizes então da guerra da comida e da água que, pelo mundo inteiro, produz a escassez de um lado,o desperdício de outro através do consumismo exasperado, incendeia a vida vegetal e animal, ocasiona genocídios e inventa conflitos étnicos? Que me contas sobre as matanças dos migrantes, dos refugiados de tantas terras devastadas por tantas formas de guerra visíveis e invisíveis que, por sinal, abundam na Europa? Sim, meu caro, somos todos civilizados, porquanto é a civilização que produz essa carnificina da qual os humanos em todos os tempos foram vítimas e algozes, e estão a inventar o seu próprio desaparecimento do planeta. Abraços

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