À procura de Pai Natal – Parte II

Assim, agora estabelecemos dois pontos importantes:

  1. Pai Natal não existe (espero não ter criado traumas com esta afirmação)
  2. Pai Natal (Santa Claus) foi criado nos Estados Unidos, mas não é o herdeiro de São Nicolau

Se Pai Natal não derivou de São Nicolau, pode encontrar as suas próprias origens numa outra tradição?

Existia alguém parecido com Pai Natal antes da figura de São Nicolau?
Sim, existia.
Era Thor.  

Thor

Quase todos os pesquisadores concordam que a personagem de Papi Natal foi um emprestimo da mitologia nórdica (escandinava).

Encyclopedia Britannica:

Sinterklaas foi adoptado pelos Países de língua inglesa com o nome de Santa Claus e o mito de um gentil homem idoso foi unida com alguns contos de fadas nórdicos, nos quais um mágico punia as crianças desobedientes e premiava as boas com presentes.

R. Crichton, em Who is Santa Claus? The Truth Behind a Living Legend (“Quem é o Pai Natal? A Verdade por trás de uma Lenda Viva”), aponta Odin como a origem de Santa Claus :

Alguns pesquisadores associam Pai Natal ao deus nórdico Odin ou Wotan, o deus que voa pelo céu nas costas de um cavalo branco com oito patas chamado Sleipnir (o carro do Pai Natal era originariamente puxado por oito renas). Odin mora no Valhalla (o Norte) e tem uma longa barba branca. Odin voa pelo céu durante o solstício de Inverno (desde 21 ate 25 de Dezembro), recompensa os filhos bons e pune as crianças desobedientes.

A mitologa da última metade de 800, Helene Adeline Guerber, por sua vez, apresenta argumentos bastante convincentes sobre as semelhanças entre Pai Natal e o deus nórdico Thor:

Thor é o deus das pessoas comuns . Era representado como um homem jovial e amigável, de construção pesada, com uma longa barba branca. O seu elemento é o fogo, a sua cor o vermelho. O rugido dos trovões era causada pelo barulho do seu carro. Thor também é o único deus que não monta um cavalo, mas viaja num carro puxado por dois bodes brancos (Cracker e Gnasher). Thor vive nas terra do Norte, onde é dono de um palácio entre os icebergs. É considerado um deus alegre e amigável, bem-humorado e protector dos seres humanos. Além disso, a tradição diz que a chaminé é particularmente sagrada para Thor, pois ele pode ver as pessoas descendo pela chaminé através do seu elemento, ou seja: o fogo.

M.E.Winge: Tohr (1872)

As semelhanças entre Thor e Pai Natal são demasiado óbvias para ser ignoradas:

  • Um homem jovial e amigável, de construção pesada
  • Com uma longa barba branca
  • O seu elemento é o fogo e a sua cor é o vermelho
  • Conduz um carro puxado por dois bodes brancos chamados Cracker e Gnasher
  • É considerado o deus da Yule (Yule é a época do Natal)
  • Vive na Terras do Norte (Pólo Norte)
  • É considerado um deus benevolente para com os seres humanos
  • A lareira é um dos seus objectos sagrados
  • Desce pela chaminé através do seu elemento, o fogo

E ainda hoje, na Suécia, Thor representa Pai Natal.
E. Barth em Holly, Reindeer, and Colored Lights, The Story of the Christmas Symbols (“Azevinho, rena, e luzes coloridas, A História dos Símbolos de Natal”):

As crianças suecas esperam ansiosamente Jultomten, o gnomo que viaja num trenó puxado pelo Julbocker, ou seja, as cabras do deus do trovão Thor. Com fato e chapéu vermelhos e um saco nas costas, é muito parecido com o Pai Natal americano.

Thor é provavelmente o mais famoso e reverenciado deus pagão da história. A sua ampla influência é evidente no nome do quinto dia da semana na língua inglesa: Thursday (aka Dia de Thor).

É irônico que o símbolo de Thor seja um martelo, porque o martelo também é o instrumento simbólico do carpinteiro Pai Natal. Também vale a pena mencionar que os ajudantes de Thor eram Elfos, exactamente como os assistentes de Santa Claus. Os Elfos de Thor eram artesãos e foram eles que criam o martelo mágico do deus.

F.Weiser em Handbook of Christian Feasts and Custom (“Manual de Festas Cristãs e Costumes”):

Pai Natal é na verdade o deus germânico pagão Thor.

Depois de ter listado algumas das características que unem Thor e Santa Claus, Weiser conclui:

Com o santo cristão do qual tem o nome, no entanto, Pai Natal não tem nada em comum.

Outra característica interessante do Thor é realçada por H.R. Ellis Davidson, no seu Scandinavian Mythology (“Mitologia Escandinava”):

Era apenas Thor, nos últimos dias do paganismo, o primeiro antagonista de Cristo.

E “antagonista” significa inimigo, adversário, concorrente…

O obscuro ajudante

Krampus, 1901

Há um elemento pouco conhecido da tradição de São Nicolau que foi estranhamente apagado.

Segundo a lenda. para grande parte da sua existência, São Nicolau (Sinter Klaas) foi acompanhado por um esquisito ajudante. Este misterioso companheiro teve muitos nomes: era conhecido como Knecht Rupprecht, Pelznickle, Ru-Klas, Obscuro, Tenebroso, Obscuro Ajudante, Ajudante Negro, Black Peter, Hans Trapp, Krampus, Grampus, Zwarte Piets, Furry Nicholas, Ruvid Nicholas, Julebuk.

Embora o nome variasse de acordo com o contexto cultural, a personagem era sempre a mesma. Algumas outras definições, bem conhecidas, eram atribuídas ao ajudante de São Nicolau: demónio, maligno, diabo e Satanás. Uma das suas tarefas era punir as crianças e “alegremente arrastá-las para o inferno”.

O “diabo” que acompanhava St. Nicholas é um facto bem documentado: em cada precursor de Pai Natal aparece essa personagem escura.
G. e P. Del Re em The Christmas Almanack (“O Almanaque de Natal”):

É Christkind [Menino Jesus em português, ndt] que traz os presentes, acompanhados por um dos seus companheiros do mal, Knecht Rupprecht, Pelznickle, Ru-Klas.
[…]
Em muitas regiões da Alemanha, Hans Trapp é o demónio que acompanha Christkind durante a troca de presentes.
[…]
Na tradição da Baixa Áustria, um demónio chamado Krampus ou Grampus acompanha São Nicolau no dia 6 de Dezembro.

Krampus, primeiros anos 900

T. Van Renterghem em When Santa Was a Shaman (“Quando pai Natal era um Shaman”):

Como Pai Natal, Sinterklaas e o seu escuro ajudante entram pela chaminé.

P. Siefker em Santa Claus, Last of the Wild Men: The Origins and Evolution of Saint Nicholas (“Santa Claus, o Último dos Homens Selvagens: as Origens e a Evolução de São Nicolau”):

Ruprecht desempenha o papel de bicho-papão, um escuro, peludo, canibal pesadelo com chifres, armado com uma vara. Interpreta o mal supremo, o horror final que poderia voltar-se contra as crianças negligentes.

O historiador do Natal, Clemente Miles, afirma no seu Christmas in Ritual and Tradition Christian and Pagan (“Natal no Ritual e na Tradição Cristã e Pagã”):

Nenhuma explicação satisfatória foi ainda encontrada sobre as origens desses
demónios e diabos que aparecem na legenda em conjunto com São Nicolau.

Talvez seja mesmo assim. Ou talvez não.
Em qualquer caso, fica para a terceira parte.

Ipse dixit.

Relacionado: À procura de Pai Natal – Parte I

Bibliografia:

R. Crichton, Who is Santa Claus? The Truth Behind a Living Legend – Bath Press, 1987, pág. 55-56
H.A. Guerber, Myths of Northern Lands – American Book Company, 1895, pág. 61
E. Barth, Holly, Reindeer, and Colored Lights, The Story of the Christmas Symbols – Clarion Books, 1971, pág. 49
F.Weiser, Handbook of Christian Feasts and Customs – Harcourt, Brace & World, 1952, pág. 113-114
H.R.E. Davidson, Scandinavian Mythology – Peter Bedrick Books, 1982, pág. 133
G. e P. Del Re, The Christmas Almanack – Random House, 2004, pág. 70, 75, 94
P. Siefker, Santa Claus, Last of the Wild Men: The Origins and Evolution of Saint Nicholas – McFarland & Company, Inc., 1997, pág. 155
Miles Clement, Christmas in Ritual and Tradition Christian and Pagan – Frederick A. Stokes Company, 1912, pág. 232

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