Síria: o que os Estados Unidos não dizem

A Síria desapareceu das primeiras páginas dos jornais. Mas isso não significa que não haja notícias interessantes.

Há alguns meses, os Estados Unidos estavam à beira da guerra, devido à utilização de armas químicas na Síria; mas em seguida, aparentemente influenciados pelo acordo alcançado acerca das armas químicas, desistiram.

Na altura, muitos observadores afirmaram que a versão dos factos fornecidos pela Casa Branca era problemática: afirmação que acaba de receber um grande apoio por parte do jornalista de investigação Seymour Hersh.

No último domingo, o London Review of Books publicou um extenso relatório de Hersh, o mesmo jornalista que no passado tinha revelado as atrocidades cometidas pelos americanos em My Lai durante a Guerra do Vietnam ou a prisão iraquiana de Abu Ghraib.

No último relatório, Hersh acusa o presidente e altos funcionários dos EUA de ter enganado o mundo, em particular em duas ocasiões : a primeira, quando Obama e os seus funcionários afirmaram estar na posse de uma clara evidência que demonstrava o envolvimento do regime do presidente sírio, Bashar al -Assad, no ataque com armas químicas que ocorreu em 21 de Agosto nos arredores de  Damasco (e que causou a morte de centenas de civis); a segunda, quando os mesmos indivíduos afirmaram que não havia nenhuma evidência sobre a posse de armas químicas por parte de grupos rebeldes na Síria.

Parte das informações na posse de Hersh são fruto de “recentes entrevistas com funcionários e consultores dos serviços secretos e do exército, actuais e do passado”. Hersh descreve como, depois do ataque de Agosto, o governo Obama “escolheu arbitrariamente a intelligence para justificar um ataque contra Assad”.

Hersh afirma também que a Casa Branca apoiou uma história cuidadosamente manipulada e “preparada” para o público e os media, comparando esse método com aquele já utilizado no começo da guerra no Vietnam e no Iraque.

Além disso, relata que, apesar do que foi afirmado pelas autoridades norte-americanas em várias ocasiões, os EUA não receberam um pré-aviso do ataque.

Várias e importantes fontes de intelligence, que anteriormente tinham fornecido informações confidenciais acerca das armas químicas na Síria (incluindo uma sofisticada rede de sensores que actuam com o apoio de israel) não detectaram qualquer actividade suspeita por parte do exército regular sírio.
No entanto, os serviços secretos americanos começaram freneticamente a analisar uma imensa quantidade de interceptações realizadas após o ataque, à procura de uma forma para envolver o regime de Assad no ataque.

Escreve Hersh, citando um ex-funcionário de alto nível dos serviços de
intelligence:

Isso não leva a uma avaliação muito confiável, a menos que não se parta do pressuposto de que foi Bashar Assad a ordenar o ataque e, em seguida, começa-se a procurar algo a favor desta hipótese.

Seymour Hersh

Partes deste informações surgiram aos poucos: por exemplo, um relatório do Wall Street Journal afirmou que as informações da inteligência tinham sido traduzidas para o Inglês somente após o ataque e sugeriam que Assad não tinha conhecimento dos factos, enquanto os seus comandantes no terreno foram “simplesmente negligentes”.

No entanto, tal como outros meios de comunicação, o Wall Street Journal apresentou como fora de dúvida o facto da intelligence americana ter ligado o regime sírio ao ataque de Agosto.

Hersh, no entanto, lança dúvidas sobre esta ligação observando, entre outras coisas, que o relatório da ONU sobre o ataque mostra claramente como as provas examinadas poderiam ter sido manipuladas pelos rebeldes: e afirma que a Administração Obama construiu as informações sobre a distribuição de máscaras de gás no exército regular de Assad antes do ataque.

A afirmação de longe mais grave é aquela segundo a qual as autoridades americanas ocultaram as provas que mostram como as filiais da al-Qaeda na Síria tiveram acesso ao material para a fabricação de armas químicas e o conhecimento necessário para prepara-las e utilizá-las na guerra.

Um conhecido consultor da intelligence americana informou Hersh de que um especialista em armas químicas do Iraque, membro de al-Qaeda, tinha-se transferido na área do ataque pouco antes deste ser realizado. Hersh escreve

Num documento dos serviços secretos, publicado em meados do Verão, trata-se extensivamente de Ziyaad Tariq Ahmed, um especialista em armas químicas anteriormente nas fileiras do exército iraquiano, que mudou-se para a Síria e que opera no Ghuta Oriental.

Hersh realça como, apesar dos altos funcionários norte-americanos terem à disposição uma série de relatórios da intelligence em era afirmado que o jjhadistas tinham capacidade para realizar esse tipo de ataque, excluíram em várias ocasiões que o ataque pudesse ter sido realizado pelos rebeldes.

Ainda Hersh:

Nos meses que antecederam o ataque, as agências de intelligence dos Estados Unidos produziram uma série de relações altamente confidenciais, culminadas num formal Operation Order, o documento utilizado para planear uma invasão militar, referindo que al-Nusra (um grupo afiliado à al-Qaeda) dominava os procedimentos para criar o sarin, o gás do ataque, e que eram capazes de produzi-lo em quantidade.

E as informações relativas à posse de armas químicas pelos rebeldes nem é inteiramente novas, apesar de não ter sido divulgada pelos principais meios de comunicação ocidentais. Um grupo de militantes de al-Nusra tinha sido capturado em Maio na Turquia, na posse de sarin. É dito que os militantes desculparam-se afirmando que não tinham ideia de que os produtos químicos que haviam misturado tivessem produzido um arma química mortal…

Também a investigadora da ONU, Carla del Ponte, admitiu em Maio (portanto três meses antes do ataque) a existência de fortes indícios quanto à utilização de sarin pelos rebeldes.

Tudo isso não isenta directamente as forças de Assad na responsabilidade do ataque. Todavia, o relatório da Hersh destrói a história feita circular pela Casa Branca e repetida pelos media. E ainda não acabou: o mesmo relatório sugere que revelações muito mais importantes ainda estão para ser feitas, tanto sobre as circunstâncias em que ocorreu o ataque de 21 de Agosto, quanto sobre a intensa actividade diplomática que se seguiu.

Ipse dixit.

Fontes: Asian TimesLondon Review of Books: Whose sarin?, Wall Street JournalBBC.

3 Replies to “Síria: o que os Estados Unidos não dizem”

  1. Confere.Mesmo os mais credulos terão dificuldade em esconder as evidencias de que a experiencia em manobrar os media de ingleses/EUA é usada amplamente para enganar a opinião publica mundial. Acrediar neles? parece verdade? não acredito.

  2. Diz o post: 'E ainda não acabou: o mesmo relatório sugere que revelações muito mais importantes ainda estão para ser feitas, tanto sobre as circunstâncias em que ocorreu o ataque de 21 de Agosto, quanto sobre a intensa actividade diplomática que se seguiu.' – Para quem se preocupa em saber um pouco mais, já deve ter percebido que tipo de revelações poderão ser feitas, ou melhor, quem além dos grupos rebeldes poderá estar por detrás destes ataques químicos.
    Tenho a certeza que para muitos leitores deste blog, a resposta não causará grande surpresa.

    abraço
    Krowler

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