Berlusconi condenado

Silvio Berlusconi foi condenado.

Acusação: fraude fiscal. Pena: 4 anos de prisão (que serão substituídos por um ano de serviço cívico ou prisão domiciliária, dada a idade de 76 anos), interdição de qualquer cargo público ao longo de um ou três anos (a actual condenação de 5 anos será objecto de recurso, pois é superior a quanto previsto pelas leis italianas).

Esta era a última possibilidade de Berlusconi evitar a condenação e perdeu: a sentença é definitiva. Poderia agora apelar-se à União Europeia, mas seria inútil.

Sou um dos muitos italianos que nunca votaram Berlusconi e nunca iriam vota-lo, por muitas (demasiadas) razões. E isso fornece-me também a ocasião para tentar ver as coisas numa óptica ligeiramente diferente: afinal trata-se de um “inimigo” político (agora “ex”, pelos vistos).

A condenação é justa: porque o Tribunal provou que houve de facto fraude fiscal.
Mais: todos em Italia sabemos que esta é apenas uma das várias acusações que seria possível apontar ao “Cavaliere”. Se não foi condenado pelas outras, é simplesmente porque não foi possível prova-las.

Todavia não consigo ficar contente.
Porque sei muito bem por quem e por qual verdadeira razão foi condenado. Isso é algo que o Leitor não vai encontrar nos diários internacionais, e é pena. Ou talvez seja bom, não sei: afinal faz bem de vez em quando pensar que existe uma Justiça e que até esta funcione.

Mas sei que este não é o caso. Não na totalidade.

Em primeiro lugar: alguém alguma vez perguntou-se por qual razão Berlusconi foi repetidamente alvo de investigações judiciárias? Porque era culpado? Sim, sem dúvida. Mas então deveria haver outra pergunta também: porque só ele? Ou achamos que Berlusconi é o único político ou empreendedor com esqueletos no armário?

Quem conhece um pouco da realidade italiana, também sabe qual a resposta. Boa parte da magistratura italiana simpatiza com a Esquerda: isso tornou-se evidente quando, em 1992, no meio do caso “Mani Pulite”, os juízes atacavam sem piedade políticos e empresas do Centro e da Direita, fechando não um mas ambos os olhos nos casos que interessavam as famigeradas cooperativas vermelhas com a corrupção ou até com a Máfia do Sul.

Berlusconi mártir duma justiça de parte? Nada disso: Berlusconi é um justo condenado, ponto final. Mas quantos outros poderiam e deveriam partilhar com ele o banco dos réus?
Não consigo exultar perante uma justiça com um olho só. Ou até cega de todo. Seja quem for o condenado.

Queria também chamar a atenção acerca dum pormenor.

Berlusconi sempre teve uma atitude firme em relação à Alemanha de Angela Merkel. Foi, até, o único político da Zona Euro (não considerando o Reino Unido) altamente crítico neste âmbito. Recusou a austeridade, definiu a Italia de Mario Monti (homem Goldman Sachs) uma “colónia alemã”, ameaçou: “ou a Alemanha é batida ou melhor fora do Euro”.

Um candidato a primeiro-ministro nesta Europa não pode afirmar “A politica de austeridade pode aplicar-se apenas quando houver um desenvolvimento, caso contrário leva à recessão”. Não pode, porque certas coisas têm um custo.

Interessante, neste sentido, um título que apareceu no periódico Famiglia Cristiana (inútil dizer quem os editores, não é?) no passado mês de Dezembro:

Depois de tantas críticas e sacrifícios, a cura da UE começa a produzir os primeiros efeitos em Itália, Grécia, Espanha. Contra isso intervém a crise do populista Berlusconi.

Notável, sem dúvida: até a Igreja tinha abandonado o Cavaliere antes das votações.

Muitas pessoas no estrangeiro ficaram incrédulas após o sucesso de Berlusconi nas últimas eleições legislativas italianas. Um sucesso que surpreendeu também o principal partido da Esquerda italiana, o Partido Democrático (o Partido Democrático consegue surpreender-se sempre com as vitórias do Cavaliere, ainda não percebeu como funcionam as coisas).
Ninguém fora da Italia explicou quais as razões deste sucesso. A verdade é que os eleitores não estavam interessados no bunga-bunga ou nos outros artigos de gossip: estavam interessados num papel mais forte na Europa e era exactamente esta a direcção escolhida por Berlusconi. O voto em favor do partido do Cavaliere tinha sido um voto contra esta Europa.
Como afirmado: certas coisas têm um custo. Perguntem a Hollande, o primeiro-ministro francês que tentou subir a voz contra Berlim e que agora encontra-se no meio duma tempestade politica. Perguntem a Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, que expulsou o FMI do País, que quer nacionalizar o banco central e que na semana passada ficou milagrosamente ileso num acidente ferroviário. Perguntem a Jorg Haider, o politico austríaco que atacava os bancos…ah, não, inútil perguntar: Haider já foi eliminado das cenas.
Curioso: a magistratura italiana tentou ao longo de décadas condenar Berlusconi e sempre falhou. Conseguiu só agora, poucos meses depois das ameaças proferidas contra a Merkel & companhia europeia.
A vida é assim: esquisita.

Mas sabem quem é Silvio Berlusconi?
É o dono dos grupos Mediaset, Mediolanum e Mondadori. Estes são presentes nos Conselhos de Administração de Mediobanca, a qual é presente nos Conselho do Grupo Rizzoli (editoria), o qual é presente no Conselho do banco Monte dei Paschi di Siena (com ligações ao Partido Democrático), o qual é presente no Conselho do Banco Popular da Emilia Romagna (uma das regiões “vermelhas”), o qual é presente nos Conselhos de Administração das quatros fundações populares que gerem o Banco delle Marche (Partido Democrático, outra vez), que é do Grupo do banco Intesa San Paolo, o qual é presente no Conselho de Administração do banco Unicredit, o qual por sua vez é presente no grupo Fininvest. E Fininvest é 100% Silvio Berlusconi também.

É um círculo blindado, onde já não importa a cor politica, o que conta é o lucro: então torna-se normal ver lado ao lado os que nos Parlamentos acusam-se reciprocamente. A luta entre Esquerda e Direita é boa para encher as páginas dos jornais, para entreter o povo, para criar um divertissement, tal como acontece com o futebol ou com os programas demenciais da televisão: mas num nível superior, as ideologias desaparecem, substituídas por lutas entre poderes que de “ideológico” nada têm e que respondem apenas a uma lei: a lei do dinheiro.

Querem uma demonstração?
A maioria dos Leitores estará satisfeita pela condenação de Berlusconi. É lógico que assim seja. Mas posso fazer uma pergunta? Quantos entre os Leitores conhecem as decisões do Berlusconi politico? Quais os resultados? Quais os fracassos? A “empresa” Italia ficou melhor com Berlusconi ou com Mario Monti? Mais simples ainda: quais os programas dele?

Não sabem? Mas estão satisfeitos com a condenação dele. Porque será?

Posso fazer mais perguntas banais?

O que é pior: um Berlusconi chefe do governo ou uma máfia que tiraniza as regiões do Sul do País, que mata, que corrompe, que trafica em drogas, armas, prostituição, seres humanos?
Onde está a magistratura quando chega a hora de combater a máfia?

Porque é tão raro encontrar juízes ou advogados (de Esquerda, Centro ou Direita) entre os servidores do Estado caídos para combater a máfia? Porque os dois símbolos da luta contra a máfia (os juízes Falcone e Borsellino, estes sim verdadeiros mártires) sempre recusaram escolher publicamente um lado político, concentraram-se na luta contra “o polvo” e foram por isso abandonados pelos órgãos do Estado, políticos e judiciais?

Porque nada ou quase se sabe acerca dos relacionamentos entre máfia italiana e a máfia dos Estados Unidos, com os relativas ingerências políticas de ambos os lados, troca de favores, informações, apoios logísticos?

Onde fica a magistratura nestes casos todos?

E eu deveria festejar a condenação e Berlusconi? Para quê? Para poder acreditar que sim, que há uma Justiça e que esta funciona? Ou porque desta forma o único partido italiano que não se dobra perante a Europa é o Movimento 5 Stelle de Beppe Grillo?

Mais uma vez, faço questão de realçar: Berlusconi não é um mártir, bem pelo contrário.
Pessoalmente queria ver Berlusconi condenado, acho correcto.
Mas gostaria vê-lo condenado por uma Justiçã sã, não ao exclusivo serviço dos mais fortes.
Não acho ser pedir demais.
Ipse dixit.

2 Replies to “Berlusconi condenado”

  1. Quando vi a notícia da condenação de Berlusconi, confesso que nem fiquei satisfeito nem o contrário. Fiquei indiferente pois de certa forma, era esperado que assim fosse.

    No artigo o Max faz afirmações muito relevantes, isto para não usar uma palavra mais forte:
    ' Como afirmado: certas coisas têm um custo. Perguntem a Hollande, o primeiro-ministro francês que tentou subir a voz contra Berlim e que agora encontra-se no meio duma tempestade politica. Perguntem a Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, que expulsou o FMI do País, que quer nacionalizar o banco central e que na semana passada ficou milagrosamente ileso num acidente ferroviário. Perguntem a Jorg Haider, o politico austríaco que atacava os bancos…ah, não, inútil perguntar: Haider já foi eliminado das cenas.'

    Mas afinal, todos sabemos que é assim que a coisas funcionam.

    abraço
    Krowler

  2. Mesmo sem acompanhar a situação da Itália, para mim era certo que ele seria condenado a afastar-se da politica por algum tempo, parecia que ele queria "ganhar sozinho". Mas até mesmo as pilhas tem um lado positivo.

Obrigado por participar na discussão!

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