Portugal: síntese da situação

Eis um artigo a pedido.

Recebi há alguns dias, respondo só agora por causa dos problemas ocorridos. E aproveito para pedir
desculpa pelo atraso, neste como em todos os outros casos.

[…] sei que desististe das notícias relacionadas com o bacano deste país.

Pois. Lamento, mas acho que quanto está a acontecer em Portugal não tem a seriedade suficiente para merecer a atenção. A única coisa positiva é que no estrangeiro poucos sabem do que realmente se passa aqui.

Com tudo o que está a acontecer, não poderia o jogo de poder entre os queridos membros do governo ser uma jogada a favor dos bancos? Afinal aumentam os juros e tudo e tudo…

Infelizmente a resposta é: não.
Digo “infelizmente” porque uma manobra desta género seria aos menos um sinal de capacidade e inteligência. Maquiavélica, mas sempre inteligência. Mas o espectáculo oferecido nestas últimas semanas nada tem de inteligente.

Para os não-portugueses, eis uma breve síntese dos acontecimentos.

Síntese duma farsa

Em 2011 eleições ganhas pelo Centro-Direita, com implementação do programa da troika (FMI-BCE-UE), assinado pelo Partido Socialista (PS), Partido Social Democrata (PSD) e CDS-PP (Direita).

As medidas de austeridade conseguiram o que as medidas de austeridade costumam conseguir: destruição da economia (recessão), aumento do desemprego, subida da dívida pública. Normal.

Mas a parte divertida é a seguinte.
O Ministro das Finanças (principal figura do governo) demite-se porque o governo faliu todos os objectivos; o Primeiro Ministro nomeia como substituto uma Ministra envolvida em escândalos económicos (mas é amiga pessoal…); o Ministro dos Negócios estrangeiros (Paulo Portas, líder do partido CDS-PP) demite-se a seguir com outros dois ministros. O governo, de facto, acabou.

Reparem: o governo tem maioria absoluta, entra em dissolução por razões exclusivamente internas (evidente incapacidade).

Nesta altura, o Primeiro Ministro tenta recompor o governo, concede mais poder ao ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros (e líder do partido aliado), o qual faz marcha atrás dado que as suas demissões eram “irrevogáveis” (mas tornaram-se revogáveis no prazo duma semana). Mais uma vez, o governo afirma ser coeso e apresenta ao Presidente da República o novo executivo remodelado.

O pior Presidente

E aqui acontece algo.

Pessoalmente sempre fui particularmente crítico com aquele que considero o pior Presidente da República que alguma vez vi, aqui como no estrangeiro: mesquinho, cobarde, vingativo, insensível, estúpido, arrogante, são os primeiros adjectivos do quais consigo lembrar-me em relação a figura de Aníbal Cavaco Silva.
Excessivo? Não, até acho ser pouco.

Mas neste caso consegue fazer algo com jeito: decide ignorar a remodelação do novo governo (mesmo sendo do mesmo lado político) e dita condições.

Em primeiro lugar põe um prazo para o actual governo: Junho de 2014, depois eleições antecipadas.

A seguir, pede um governo de salvação nacional, isso é, um entendimento entre o actual governo mais o maior partido da oposição, o PS.

Depois quer individuar a figura dum mediador de respeito.

Vamos ver.
A primeira ideia é por muitos encarada como um erro táctico: de facto, deslegitima o governo e torna-o num governo de gestão até Junho do próximo ano.
Porque faz isso? Porque é a única forma de atrair o PS, que quer eleições antecipadas.
Faz um certo sentido: em qualquer caso, o actual governo já está extremamente frágil, não tem a confiança de ninguém e seria complicado (provavelmente impossível) chegar até o fim natural da legislatura.

A segunda ideia é válida: o que o Presidente quer é que aquelas forças políticas que assinaram o entendimento com a troika agora encontrem uma solução forte. Razoável (mas o bom Cavaco deveria lembrar-se de quem foi o Presidente na altura que atraiu com todas as forças a troika em Portugal. Qual era o nome dele? Ah, pois. Aníbal Cavaco Silva).

A terceira ideia é um disparate, também porque em breve percebe-se que o “mediador” deveria ser ele mesmo (sempre humilde o senhor).

A ideia do Presidente tem várias leituras.

  • Em primeiro lugar, evita que o líder do CDS-PP ganhe mais força no executivo (o Presidente odeia Portas).
  • Depois é uma forma de envolver o PS na trágica gestão da crise e partilhar assim as responsabilidades: em Setembro há eleições autárquicas e, se algo não mudar, o PSD, partido de governo e do Presidente, vai levar uma pancada histórica enquanto o CDS-PP arrisca desaparecer do horizonte.
  • Mais: este é o Presidente mais impopular da história de Portugal, é provável que esta escolha tenha permitido recuperar alguns pontos nas sondagens.
  • Por fim, obriga os partidos a esforçar-se para encontrar uma solução de estabilidade, algo do que o País precisa mesmo.

Toda esta confusão tem também o objectivo de desresponsabilizar a má governação do PSD+CDS-PP a longo deste últimos dois anos. Haverá um segundo resgate (e fiquem descansados porque haverá um segundo resgate)? Culpa do governo mas também dos partidos (incluído o PS) que não encontraram uma solução forte para convencer os mercados.

Bem vista as coisas, a jogada do Presidente não é nada mal (até duvido que tenha sido apenas uma ideia dele, parece-me demasiado complexa para tamanho cerebrinho). 

    Vai funcionar? Difícil responder, por enquanto parece que não, mas a tentativa continua.

    O maior erro do Presidente foi fixar um prazo para este governo: desta forma todos sabem que no próximo ano haverá eleições antecipadas. De facto, começou a campanha eleitoral, o que significa que os partidos não querem desiludir (ainda mais) os eleitores. E isso torna as conversações muito mais complicadas. Mas, como afirmado, era a única moeda de troca para atrair o PS.

    O PS sabe também que estas eleições (cortesia do Presidente) são um presente envenenado. Ao aceitar, e ao aceitar o acordo com o governo, arrisca ficar mais envolvido no descalabro total no qual o País precipitou.

    Pessoalmente estou mesmo curioso para ver qual acordo será alcançado (sempre admitindo que possa ser alcançado): o novo governo de salvação vai fazer a voz grossa com o FMI? Mesmo agora, que o País está à beira dum segundo resgate? O rugido do mosquito? E as reformas estruturais? Quem vai despedir os funcionários públicos (porque o mantra é: o Estado pesa demais, é preciso aligeirar)? O PS? Crescimento sem investimento (a maior parte do empréstimo já foi)? 

    Por enquanto não interessa. Tanto que o Presidente foi a perturbar as aves das Ilhas Selvagens, perto da Madeira, sinal que afinal não é o caso de preocupar-se.

    Portanto, vamos ver algumas das críticas que foram avançadas contra o plano presidencial.

    1. Esta não é uma solução, prolonga a crise
    Não concordo. O governo já está particularmente frágil e não teria tido a capacidade de chegar nem sequer até a próxima Primavera. O que o Presidente fez foi simplesmente adiantar algo que teria acontecido na mesma, com a vantagem desta altura ser uma crise “controlada”.

    2. A escolha fez disparar os juros da dívida portuguesa
    Verdadeiro, mas teria acontecido o mesmo. Não podemos esquecer que, por enquanto, Portugal paga juros reduzidos pelo simples facto de ter o dinheiro e a “vigilância” do FMI. Os problemas crónicos deste País estão ainda aí, todos, e na altura da saída do FMI iriam voltar a pesar nos juros, tal como aconteceu em 2011.

    3. A melhor escolha teria sido as eleições antecipadas já.
    Eu sou apologista das consultas populares: quanto mais, melhor. E até seria possível incorporar as legislativas com as autárquicas de Setembro.
    Todavia é preciso ser realistas: qual resultado teria surgido? Uma vitória do PS? Muito provável. E então? O que teria mudado? Alguém acha que o Parido Socialista teria invertido o curso da história? Mas já ouviram o secretário, José Seguro? Não acham o homem assustador?

    O PS é, com o PSD e o CDS-PP, um dos partidos do “arco da governação”; isso é, um dos partidos que sempre geriram o País. Dito de outra forma: um dos três principais responsáveis pela miserável situação na qual Portugal se encontra. É preciso dizer mais?

    Além disso, dificilmente o PS teria conseguido uma maioria absoluta e teria sido obrigado a uma aliança: com quem? Com a Esquerda? Muito complicado. Com o PSD? Fora de questão. Com o CDS-PP (sempre em primeira linha quando o assunto for o poder)? Valha-me Deus, melhor fechar o País e deitar as chaves para o mar…  

    Custa-me, mas desta vez não posso não defender o Presidente. Gostaria de morder-me a língua ao fazer isso, mas a verdade é que a escolha dele faz sentido, sendo capaz (em linha puramente teórica) de assegurar um mínimo de estabilidade ao longo dos próximos meses.
    Em linha puramente teórica…

    Manobra?

    E aqui voltamos para a pergunta da Leitora: terá sido esta uma manobra para ajudar os bancos? Doutro lado, os juros sobem, os investidores ganham mais. Mas assim não é.

    O governo (e o Presidente) teriam preferido de longe pagar juros mais baixos, pela simples razão que isso teria sido um sucesso do executivo e, de reflexo, do Presidente que sempre apoiou este governo (até o ponto de reduzir e muito a autoridade da figura presidencial): mais votos, continuação no poder. E este governo, que segue os ditames da troika, faz feliz o capital privado (com as privatizações selvagens, menor peso do Estado, menores direitos no trabalho, etc.).

    Mais: os investidores desde sempre preferem juros baixos, que significam mais certeza. É melhor ganhar menos mas ter a certeza de ganhar algo. No caso de Portugal, ganham mais juros, verdade, mas arriscam ficar com um prato de lentilhas. E os bancos são muito sensíveis quando o assunto for o dinheiro.
    É por isso que os Títulos mais procurados são os da Alemanha, que oferecem juros excepcionalmente baixos mas seguros. E isso é válido em particular agora, momento em que algo se perfila o horizonte (problemas na Zona Euro? O que acontecerá após as eleições na Alemanha?).

    O caso da Grécia ensina: os bancos internacionais entraram em fibrilação e tentaram livrar-se rapidamente dos Títulos gregos, mesmo que estes tivessem rendimentos muito elevados. 

    O que se passou em Portugal nos últimos meses foi o fruto de pura incapacidade. É triste, mas é assim.

    Governo presidencial?

    É impressão minha ou isto é uma tentativa de instaurar em Portugal um governo de iniciativa presidencial com tecnocratas como aconteceu em Itália

    É uma possibilidade.
    Os comentadores políticos acham esta ideia não viável. Eu, pelo contrário, suspeito possa ser o Plano B do simpático Presidente; e não vejo grandes problemas, sendo esta, não por acaso, uma solução oferecida pela Constituição. Claro: teria vida curta, como todos os governos destes tipos, mas pode assegurar um mínimo (um mínimo mesmo) de estabilidade ao longo de alguns meses, por exemplo até Junho de 2014.

    O que seria preciso é uma figura “moralmente de confiança”, super-partes, possivelmente com carimbo europeu, à volta da qual construir um governo de “especialistas”.

    Um governo de iniciativa presidencial é isso: o presidente da República, assumida a falta duma maioria no Parlamento, nomeia uma personalidade de prestigio (eu quero Eusébio!) em volta da qual construir um governo. Este será composto por elementos com provas dadas nas respectivas áreas (e Eusébio tem provas dadas), independentemente da cor partidária. Aliás, quanto menor for a “cor política”, tanto maiores (em teoria) serão as possibilidades de ver as próprias iniciativas aprovadas na Assembleia da República.

    Dito assim parece simples, mas não é. Na prática é uma constante tentativa de acordo entre um governo sem maioria e os representantes parlamentares dos vários partidos.
    Doutro lado, considerada a emergência na qual o País se encontra, seria complicado para os partidos não apoiar um governo deste género, sobretudo perante medidas “razoáveis” e “necessárias” (eis a dificuldade maior: concordar acerca de quais medidas sejam de facto “razoáveis” e “necessárias”…): seriam logo acusados de derrotistas, destruidores, anti-patrióticos, etc.

    O problema é que um governo assim:

    • é bem pouco democrático
    • é fortemente limitado 

    – é bem pouco democrático pela simples razão que é algo nascido nos corredores do poder, não votado pelos eleitores.
    – é fortemente limitado porque não pode contar com uma maioria estável no Parlamento, portanto tem que ter objectivos reduzidos em importância e tempo.

    Além disso, é maioritariamente composto por técnicos: é bom ter um médico que trate do Ministério da Saúde, por exemplo, mas se fosse tão simples então todos os médicos poderiam ser Ministros da Saúde. Assim não é: ser político é uma coisa, ser médico é outra. Ao politico são pedidas capacidades que um médico pode bem não ter.

    Um governo presidencial deve sempre ser uma medida extrema, de pura emergência e limitada no tempo.

    O caso italiano

    O que é que significa isto? Afinal em Itália têm mesmo um governo deste género? E o que é que implica uma tecnocracia?

    Em Italia houve um governo de iniciativa presidencial, e para boa sorte acabou.
    Foi uma acção promovida pelo Presidente da República, Giorgio Napolitano, o qual indigitou Mario Monti para presidir um governo “técnico” (o tal governo de “especialistas”). Monti, homem da Goldman Sachs (repare-se: Napolitano é um comunista…), utilizou o ano do mandato para implementar as medidas desejadas pelo FMI, BCE e União Europeia.

    Funcionou tão bem que durou apenas um ano, piorou as condições económicas e, cúmplice o nervosismo das praças, foi obrigado a demitir-se Dezembro de 2012. Nas sucessivas eleições, nas quais Monti apresentou-se com um novo partido, não foi além do 8% das referências. Ou seja: não deixou muitas saudades.

    O actual governo italiano não é “técnico” mas baseado numa maioria alargada (regularmente votadas nas últimas eleições), com partidos de ambos os lados (Esquerda e Direita), o primeiro do género em Italia.
    Na prática, o sonho do simpático Cavaco Silva.

    Ministras & Swap

    E que raio, quer dizer alguma coisa de repente aparecer uma ministra das finanças em forma de swap?

    Da actual Ministra das Finanças nem vale a pena falar. Está aí só pelo facto de ser amiga pessoal do Primeiro Ministro (e ex-professora do mesmo), lembro de te-la vista no último comício do PSD em Almada, com beijos e abraços.

    Vale a pena seguir o próximo percurso dela, pois haverá desenvolvimentos. Basta referir que Maria Luís Casanova Morgado Dias de Albuquerque (este o nome dela), envolvida também na venda do BPN e do BIC, é a responsável pela condução do processo Swap, instrumentos financeiros que provocaram perdas ao Estado e que ela mesmo emitiu: juíza e julgada ao mesmo tempo.

    É ou não é este um grande País?

    Ipse dixit.

    2 Replies to “Portugal: síntese da situação”

    1. Max, duas pequenas correcções:

      A referência a Ministro da Economia está trocada, é Finanças, apesar de o Álvaro também já ser história.

      Quanto ao Eusébio era bom. Fazia menos estragos que a eventual concorrência. Mas neste caso penso que também temos por cá um Monti para o cargo: O António Borges.

      abraço
      Krowler

    2. Fogo!

      Tens toda a razão, na Economia há o outro incapaz, bem visto. Vou logo corrigir, obrigado.

      Grande abraço para Krowler!

    Obrigado por participar na discussão!

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