Guolaosi, a morte das horas extras

Ser o primeiro entre os Países do Brics tem um custo.
Por exemplo: suicídios.

A China está a tornar-se o primeiro País por mortes devidas à stress. A Xinhua, a agência de notícias do governo, vai mais além e publica um estudo que posiciona a China em primeiro lugar na classificação global de stress relacionado com o trabalho.

O nome é: guolaosi, morte por horas extras. Na China, a contagem alcança 600 mil mortes por ano, principalmente trabalhadores de colarinho branco nas grandes cidades.

Há alguns dias, um rapaz de 24 anos morreu de paragem cardíaca no local de trabalho: tinha feito um mês inteiro de extraordinários. Nos últimos dias, outros três trabalhadores da Foxconn (a empresa que fabrica por conta da Apple e da Nokia, conhecida pelo longa lista de suicídios) saltaram do telhado da empresa.

Guolaosi escreve-se com os mesmos caracteres utilizados em japonês para formar a palavra karoshi. Foi mesmo no Japão que o fenómeno foi analisado num estudo e, desde 1987, está reconhecido como algo diferente das “normais” mortes de trabalho. Nos anos em que o Japão devastado pela Segunda Guerra Mundial tinha-se posto em marcha com o objectivo de reconstruir o seu poder, era definido com “a nova epidemia”.

Provou-se ser impossível para um homem trabalhar doze ou mais horas por dia, durante seis ou sete dias por semana. Ano após ano, o indivíduo começa a sofrer danos permanentes, físicos e psicológicos, cuja solução extrema é precisamente o guolasi, o suicídio. No Japão, em Abril de 2008, chegou uma decisão histórica: uma empresa foi obrigada a compensar um dos seus trabalhadores, caído em um coma por excesso de trabalho, com 200 milhões de Yen.

Desde então, muitas coisas mudaram. No Japão e na China também que juntamente com o segundo lugar na economia mundial, retirou ao vizinho o primado das mortes por stress relacionado com o trabalho. As estatísticas compiladas pela multinacional Regus e citada pela agência Xinhua falam de 600 mil mortes por ano, principalmente trabalhadores de colarinho branco nas grandes cidades, como afirmado.

E nas estatísticas entram apenas os mortos. Os sintomas de stress agudo relacionado com o trabalho incluem insónia, anorexia e dores abdominais. Uma pesquisa entre mil indivíduos entre 20 e 60 anos, conduzidas pelas Global Times (publicação em inglês do Diário do Povo) mostra que a maioria dos entrevistados não consideram estes como motivos graves o suficientes para procurar assistência médica.

Por isso não é possível estimar o número de pessoas que, sem morrer no lugar de trabalho, sofrem danos físicos ou psíquicos.

Existem vários estudos na China que mostram como a maioria dos Chineses não estão satisfeitos com o trabalho, e, recentemente, um artigo do Financial Times alertou que os estudantes em formação irão entrar no pior mercado de trabalho da República Populares Chinesas. Falamos de quase 7 milhões de estudantes, mais 190 mil do que no ano passado.

E os meios de comunicação locais estão preocupados. Encontrar trabalho em 2013 já é muito difícil, mais difícil ainda do que no final de 2008, quando a crise económica tinha atingido o seu pico.

Um vídeo que denuncia a situação do trabalho que estes jovens vão enfrentar tornou-se imediatamente viral na rede chinesa. Conta as histórias individuais de jovem de 25 anos, com bons trabalhos. Mas em todos há um sentimento de ansiedade e stress: o dinheiro nunca é suficiente, as relações interpessoais são bastante difíceis e horas extraordinárias roubar o tempo para a vida real. E, no entanto, nenhum deles sente que um dia será suficiente “rico” para comprar uma casa, talvez construir uma família.

É um sentimento contrastante o que sentem, porque não é possível dizer que a China de hoje seja muito mais rica e mais culta do que há cinco anos. Mas, ao mesmo tempo, é mais cara e mais competitiva.

E quem se queixa é precisamente a classe média que actualmente representa 10% da população mas deve chegar a 40% até 2020.

São aqueles que beneficiaram do crescimento e que, pela primeira vez, percebem que talvez não estarão melhor do que a geração dos seus pais quando o assunto for os problemas sociais e ambientais.

É que, talvez, serão ele que terão de forçar o governo a resolvê-los.

Ipse dixit.

Fonte: China Files, Youtube (original chinês: Youku

2 Replies to “Guolaosi, a morte das horas extras”

  1. Olá Max: vejam só que acontecimento interessante, esse dos suicídios na China…um país "em desenvolvimento", como os demais Brics. Só que nos outros, salvo melhor juízo, (e seria bom que o Max consultasse seus alfarrábios e verificasse isso) parece que o povo não se mata assim por nada…tipo stress profissional. Porque será? Será que essa junção de capitalismo de estado a la chinesa possa influenciar nos índices acentuados de suicídios? Por outro lado, eu sempre considerei que trabalho assalariado, e mania de achar que vai ganhar dinheiro para uma vida digna, abaixo de trabalho sob escravatura assalariada, não funciona para a saúde física e mental de qualquer um, seja oriental ou não. Abraços

  2. Olá Maria, eles lá não tem samba futebol e cerveja pra encher a cara no fim de semana e ver a novela no fim do dia, acho que é isso, cultural.

Obrigado por participar na discussão!

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